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PARTE II A POLÍTICA DE PREVENÇÃO E COMBATE AOS INCÊNDIOS

4.2. De 1868 a 1965 A construção de um património florestal

Com o aparecimento do ensino superior agrícola e florestal (1864), a publicação do Relatório da Arborização Geral do País (1867) e das Condições Florestais de Portugal (Barros Gomes, 1876), entre outros, e a reformulação dos serviços técnicos e administrativos, os Serviços Florestais do Estado ganham uma capacidade de intervenção que sustenta a política florestal portuguesa dos séculos XIX e XX (PNDFCI, 2006:2).

A implantação da República e a participação na Grande Guerra cria grande instabilidade política e social, agravada mais tarde com o eclodir da Guerra Colonial (1961). Esta situação, acompanhada de forte emigração, tem sentidas consequências no sector florestal. Esta saída de pessoas para outros países à procura de melhores condições de vida e os elevados gastos financeiros do Estado para manter a Guerra nas ex-colónias, repercutem-se negativamente no mundo rural e no apoio à floresta.

Com a aprovação do Plano de Povoamento Florestal (1938), o poder político disponibiliza mais recursos financeiros para o sector florestal, depois de constatar que as Campanhas de Trigo, até finais dos anos 30, não têm resultado e são pouco competitivas. O Estado decide-se, então, por concentrar esforços na floresta, para aumentar a produção de madeira e de outras matérias-primas. São também concedidos incentivos ao sector privado para plantar floresta, em complemento à florestação pública dos baldios.

Este Plano é a primeira grande medida de âmbito silvícola e a área florestal aumenta substancialmente (superior a 400.000 ha entre 1902 e 1939), especialmente no Norte e Centro do país, incidindo sobretudo na ocupação dos espaços públicos e dunas costeiras. E, para uma etapa de trinta anos, prevê «arborizar 420.000 ha, melhorar 60.000 ha de pastagens (incluindo o Gerês, Montezinho ou a Estrela), estabelecer 125 viveiros, construir 940 casas de guardas e 140 postos de vigia, para além de instalar uma completa rede de infra-estruturas viárias e de telecomunicações.» (PNDFCI, 2006:3).

Dez anos depois, o Plano para a componente das dunas está praticamente concluído, mas apresenta resultados de pouca expressão relativamente ao planeado para a florestação de baldios2. Mesmo assim, a área florestada durante a primeira

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O vocábulo baldio provém do árabe "bátil" que significa inútil ou vão.

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metade do século XX conhece um aumento expressivo, sobretudo ao nível das resinosas. Sobre o assunto, Orlando Ribeiro adianta « ( ) Carvalhais, Soutos e Pinhais-Mansos, derrotados por milénios de cultura nunca mais se reconstituíram. Só o pinhal e o eucaliptal vão ganhando terreno, subindo nas encostas cobertas de mato, envolvendo o âmbito cultivado das povoações, em grupos pequenos ou em bosques densos, monótonos, intermináveis » (CRAVEIRO, 2002:36).

O Plano de Povoamento Florestal, implementado de forma autoritária, retira às comunidades locais a gestão dos baldios. Este é recebido com grande desagrado e resistência pelas populações, pois, de um momento para o outro, deixam de poder tirar muito do proveito habitual dos baldios: pastoreio, fertilizantes para os campos, cogumelos, caça, mel, culturas esporádicas, lenhas e produtos florestais. Apesar deste descontentamento, a floresta começa a revelar sinais de sustentabilidade e rentabilidade económica, tendo como fonte de receitas a cortiça a sul do país e os pinhais (madeira e resina) nas regiões do norte e sul.

Ao longo do Estado Novo, observa-se grande apoio ao pinheiro bravo e eucalipto, enquanto as espécies autóctones perdem importância, como os carvalhais e os soutos. O montado, que vem em crescendo desde os finais do século XIX devido à rendibilidade da cortiça, entra em declínio.

A partir da década de cinquenta, consolida-se a expansão do eucalipto para alimentar as indústrias de celulose.

Durante a primeira metade do século XX, o perigo de incêndio pode considerar- se reduzido (a média ardida anualmente é cerca de 5.000 ha) e, quando desponta, é facilmente combatido pelas populações, alertadas pelo toque do sino da aldeia.

Porém, a partir dos anos sessenta, o risco de incêndio agrava-se substancialmente, fruto da forte emigração para países europeus mais devastados pela II Guerra Mundial e, principalmente, do êxodo rural rumo às cidades do litoral. Com a despovoação das áreas rurais, onde só permanecem populações envelhecidas, grandes espaços territoriais são deixados quase ao abandono, onde se instala o mato e o pinhal, promovendo o aumento da biomassa com alta combustibilidade, criando-se assim o ambiente propício à ocorrência de frequentes e grandes incêndios. A média anual ardida, nos anos sessenta, ronda os 10.000 ha.

costumes, têm direito ao uso e fruição do baldio. Os terrenos baldios podem ser utilizados por qualquer um dos compartes, designadamente para efeitos de apascentação de gados, recolha de lenhas ou de matos, de culturas e outras fruições, nomeadamente de natureza agrícola, silvícola, silvo-pastoril ou apícola.

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A situação degrada-se com a eclosão da Guerra Colonial. O Estado, para suportar esta dramática guerra de treze anos, vê-se forçado a canalizar avultadas verbas para as Forças Armadas, contribuindo assim para o desinvestimento no sector florestal.

A amplitude dos incêndios desperta a análise de técnicos e especialistas. De entre os documentos produzidos, destaca-se Princípios Básicos da Luta contra Incêndios na Floresta Portuguesa , de Quintanilha et al. (1965), que determina uma redefinição das estratégias e planeamento florestal e defende a prevenção e combate a incêndios por corpos de bombeiros profissionalizados. Infelizmente, muitas das medidas preconizadas no relatório não são postas em prática. Lamenta-se o não cumprimento destas propostas, pois, neste período, a floresta ainda representa um razoável complemento económico do proprietário, uma espécie de mealheiro, servindo muitas vezes para responder a uma necessidade conjuntural: cuidar de uma doença, arranjo da casa, compra de equipamento doméstico, despesas de educação, festas familiares, etc.

4.3. DE 1965 A 1985 O FIM DE UM CICLO DE POLÍTICA FLORESTAL PÚBLICA