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A IMPORTÂNCIA DA ARTILHARIA DE CAMPANHA NO CONTEXTO

2 A ARTILHARIA: ASPECTOS HISTÓRICOS

2.4 A IMPORTÂNCIA DA ARTILHARIA DE CAMPANHA NO CONTEXTO

Ao analisar as operações da OTAN lideradas pelos EUA, e compará-las com as que a Rússia tem empreendido, pode-se constatar uma notável diferença. Ambos desenvolveram uma rede de C4ISR (sigla em Inglês para Comando, Controle, Comunicações, Computadores, Inteligência, Vigilância e Reconhecimento), porém enquanto o primeiro deposita excessiva confiança em seu apoio de fogo aéreo, mesmo para operações terrestres ao nível tático, uma vez que aquela força transnacional somente realiza operações em terra após ter estabelecido supremacia aérea, seu tradicional rival não pressupõe essa mesma supremacia, o que o levou ao longo dos últimos anos a investir no desenvolvimento de sua artilharia de campanha.

Já no período da Guerra Fria, notava-se uma defasagem em calibre e alcance dos Estados Unidos em relação à antiga União Soviética. Mais recentemente, essa defasagem se tornou notável, devido à crença na unipolaridade e ao fato de que o maior adversário configuraria em um ente não estatal, dentro de um quadro de insurgência. A potência ocidental foi levada, com isso, ao equívoco de relegar à segunda importância o desenvolvimento de plataformas de apoio de fogo pesado por terra.

Algumas evidências dessa constatação podem ser verificadas no artigo “King of

Battle: Russia breaks out the big guns”, do Capitão Harrison Brandon Morgan e do Coronel

Naquela ocasião em julho de 2014, as forças paramilitares patrocinadas pela Rússia surpreenderam os ucranianos numa contraofensiva em que combinaram uma rede de aeronaves remotamente pilotadas, com ataques cibernéticos, eletrônicos e fogos massivos de artilharia. Apenas três minutos de fogos foi o necessário para dizimar e desmoralizar as forças ucranianas, pois a execução ciberataques nos sistemas de comando, controle e comunicações, seguida de lançamentos massivos de foguetes a partir de lançadoras BM-21 Grad, teve efeito avassalador. (COLLINS; MORGAN, 2019).

Afora isso, constatou-se que, ao contrário dos americanos que desativaram sua artilharia pesada após a Guerra do Golfo, permanecendo apenas com os obuseiros de 155 mm, os russos mantêm ativos os 2S7 Pion, de 203 mm, que possuem um alcance máximo de 37,5 km; além disso ativaram seus morteiros pesados 2S4, de 240 mm, capazes de atingir até 20 Km com munição especial.

A comparação entre esse conflito e os embates no Golfo Pérsico se deu da seguinte forma: enquanto a artilharia não foi a maior causa de baixas nas guerras do Golfo, Afeganistão e Iraque, em Donbass, o “Rei das Batalhas” causou 80% das baixas. Os autores atribuem a causa disso ao fato de que os investimentos em artilharia deram aos russos uma supremacia tática sobre os Estados Unidos neste quesito.

Outra evidência dessa importância que a Rússia credita ao seu poder de fogo terrestre, nos apresenta James Quinlivan, a partir de suas observações a respeito da Guerra na Síria:

Ao reintroduzir a artilharia na Síria para apoiar operações de armas combinadas, os russos podem ter revelado algo sobre a guerra que eles e os sírios preveem. Juntamente com o aumento dos ataques aéreos, os sírios e seus conselheiros russos procuram revitalizar as forças armadas combinadas, e a artilharia é fundamental para a visão de tais forças. A artilharia é particularmente importante para operações ofensivas, fornecendo uma presença contínua que as atuais instalações aéreas russas não podem sustentar. (QUINLIVAN, 2016, tradução nossa).

No entanto, a partir de 2018 os EUA parecem ter retomado a consciência acerca de sua deficiência com relação ao poder de fogo de artilharia de campanha. Prova disso é que, simultaneamente à distribuição dos novos obuseiros M109A7 às unidades de artilharia, começou a desenvolver um novo projeto de um obuseiro de 58 calibres com alcance além de 70 km e carregamento automático, com vistas a aumentar sua cadência de tiro. Segundo Jed Judson, os protótipos do Programa para obuseiro de artilharia com alcance aumentado

(Extended Range Cannon Artillery Program – ERCA Program) deverão ficar prontos em 2023 (JUDSON, 2019).

De fato, tanto a postura russa quanto a retomada da consciência americana, evidenciam algumas constatações:

a) o excesso de confiança no poder aéreo, no caso norte-americano, deixa de fazer sentido em um mundo multipolar: em uma situação em que contendores com poder similar se enfrentem, é improvável que venha a se estabelecer uma supremacia aérea, devendo ocorrer apenas curtos períodos de superioridade aérea;

b) aeronaves são vulneráveis ao clima, o que não ocorre com o apoio de fogo terrestre;

c) incursões aéreas têm caráter temporário e dependem de bases estabelecidas em terra, o que não ocorre com a artilharia que, ainda que esteja sujeita à detecção de sensores, pode permanecer desdobrada de forma permanente, considerando as necessárias mudanças de posição;

d) o custo das operações aéreas quanto do próprio desenvolvimento de aeronaves de combate é significativamente mais elevado que o custo de operação com apoio de artilharia de tubo e da fabricação desses sistemas.

A título de exemplo, optou-se por traçar uma comparação entre as aeronaves de ataque ao solo AMX e uma bateria de M109A5+BR:

Quadro 4 – Comparação M109A5+BR e AMX

Fonte:Elaborado pelo autor (2019), com base em Ness; Williams (2011).

A partir da comparação estabelecida no Quadro 4, é possível constatar que vinte minutos de fogos de uma bateria, constituída de quatro peças de M109A5+BR, equivale, em termos de entrega de munição, a uma aeronave de ataque ao solo AMX, a um valor equivalente a 40% daquele vetor aéreo. Cumpre aqui ressaltar que a presente comparação visa tão somente traçar um paralelo entre as plataformas aéreas e terrestres no quesito entrega de munição, sem entrar no mérito da função específica de combate exercida por

ambas que, como se sabe, tem caráter distinto. A entrega de munição, portanto, consiste no denominador comum entre Força Aérea e Artilharia de Campanha.