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4 AS BRIGADAS BLINDADAS E O OBUSEIRO M109 A5+BR

4.7 O CARÁTER DAS INOVAÇÕES

Conforme foi visto no capítulo precedente, Terry Pierce estabelece uma tipologia na qual distingue os tipos de inovações tecnológicas segundo o impacto na estrutura militar e o efeito nos componentes. Em síntese, o advento de uma nova tecnologia no meio militar poderá causar diferentes impactos na estrutura militar, podendo alterar ou não a ligação entre os componentes. Assim, as inovações tecnológicas são consideradas disruptivas caso alterem radicalmente a forma de combater.

Como o próprio autor afirma, é difícil de antemão afirmar se uma inovação será ou não disruptiva, sendo possível apenas categorizá-la após seu emprego em combate. Assim, na artilharia de campanha do EB, a inserção do M109A5+BR será primeiramente apenas modular, uma vez que, por se tratar de um sistema totalmente digitalizado, tenderá a tornar o sistema anterior, baseado em procedimentos analógicos e manuais, obsoleto.

Caso um sistema de controle de tiro e transmissão de dados táticos de apoio de fogo, como o AFATADS seja efetivamente instalado, gerando uma interface adequada com os demais sistemas, essa inovação poderá ser arquitetural disruptiva a nível subsistêmico, como o autor admite, a exemplo das armas de pontaria contínua em embarcações na marinha dos EUA (PIERCE, 2004, p. 16), uma vez que provavelmente incidirá em alteração doutrinária a nível tático – o que deverá ser alvo de experimentação doutrinária - causando completa reestruturação dos subsistemas da Artilharia de Campanha, chegando mesmo a alterar a própria missão específica de algumas das equipes que constituem esses subsistemas.

Passando para o nível sistêmico, o que significa dizer passar do nível tático para o operacional, só haverá mudança disruptiva caso a efetividade do sistema digital da Artilharia de Campanha seja apenas parte de um amplo sistema que integre todos os demais meios, não apenas da Força Terrestre, como também das demais forças singulares, estabelecendo uma rede de comando, controle, computadores, comunicações, inteligência, reconhecimento e vigilância (C4ISR). Apenas esse salto qualitativo permitirá obter a consciência situacional requerida pelas Forças Armadas, conforme estabelece a END e demais documentos estratégicos, gerando a almejada transformação militar e caracterizando a transição à Era da Informação.

4.8 CONCLUSÃO DO CAPÍTULO

Neste último capítulo, procurou-se evidenciar a conexão existente, de um lado entre a motomecanização e a 2ª Revolução Industrial e, de outro, entre a digitalização da artilharia e a 3ª Revolução Industrial. No Brasil, dadas as características específicas de nossa formação social – tema cujo aprofundamento foge dos objetivos da pesquisa em tela – procede-se simultaneamente à inserção em ambas as Revoluções Industriais.

Em termos práticos, significa que com a aquisição do M109A5, recentemente recebido no Brasil, terá continuidade a modernização iniciada com o M109A3, isto é, o processo de motomecanização do Exército. De outro lado, com a adaptação feita para constituir o M109 A5+ BR, a Artilharia do Exército Brasileiro adentra no terreno da 3ª Revolução Industrial. No curso do capítulo procurou-se evidenciar que a adaptação feita no M109 A5 vai dotá-lo de capacidades próximas do estadunidense M109A6 Paladin, colocando a Artilharia do Brasil em um patamar tecnológico mais próximo dos países centrais.

O reflexo disso sobre as relações internacionais do Brasil foi abordado de modo tangencial, quando se destacou o papel das grandes unidades blindadas do Exército Brasileiro (brigadas blindadas). Elas cumprem um papel relevante do ponto de vista das capacidades. Em uma dupla acepção para efeitos de dissuasão – como sugere o realismo defensivo – e intimidação – como propugna o realismo ofensivo.

Sendo assim, parece razoável concluir que, embora a uma primeira vista a introdução do M109 A5+BR pareça uma mera adaptação, na verdade encerra uma vasta

reformulação de toda Artilharia de Campanha no Exército Brasileiro, em uma resultante que vai além do tema em questão: o Programa de Reestruturação do Sistema de Artilharia de Campanha (SAC) e o Projeto Estratégico Astros 2020. Dos citados, vale ressaltar que enquanto o primeiro estuda a viabilidade para o desenvolvimento de novos equipamentos para todo o SAC, incluindo viaturas de observação e obuseiro autopropulsado sobre rodas para as brigadas mecanizadas, o segundo abrange a reestruturação do Forte Santa Bárbara, constituído pelos grupos de mísseis e foguetes.

A perspectiva que une a introdução do M109 A5+BR, os grupos de mísseis e foguetes é a mesma: a utilização do espaço sideral como forma de orientação da artilharia de campanha – cujos méritos espera-se ter demonstrado de forma suficiente ao longo do capítulo em curso.

Os efeitos dessa inovação já foram sentidos em combate, como o atestam os relatos obtidos a partir de comparações, feitas por militares americanos, entre os sistemas empregados na Operação Desert Storm – os M109A3 – e os empregados na Operação Iraqi Freedom – os M109A6 Paladin (DASTRUP, 2018, p. 31-54 e p. 165)75. Nas comparações feitas, podem-se constatar os efeitos positivos que os obuseiros Paladin - similares em termos de funcionalidades ao M109A5+BR - causaram devido às melhorias dos sistemas implantados. Os obuseiros Paladin, dotados do Sistema AFATADS76, fizeram reduzir de 12 para 2 minutos o tempo de resposta para as missões de tiro, além do acréscimo de 22% no alcance e de uma flexibilidade de emprego muito maior. Essas novas possibilidades fizeram com que a efetividade do apoio de fogo melhorasse sobejamente em relação à operação Tempestade no Deserto.

Resta o debate sobre a Doutrina. Conforme ilustra a figura 43, que trata dos quatro níveis das publicações doutrinárias, existem, pelo menos, quatro níveis a partir dos quais as formulações doutrinárias são percebidas. São eles:

a) valores e princípios; b) conceitos e concepções; c) tática; d) técnica e procedimentos. 75

Os efeitos dessas operações, no âmbito da artilharia de campanha, encontram-se descritos com maiores detalhes no subtítulo 3.3.7 - Ensinamentos das operações para o apoio de fogo terrestre, do Capítulo 3.

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AFATADS – Advanced Field Artillery Tactical Data System. Consiste em um sistema para transmissão de

No Brasil, costuma-se entender ou restringir a compreensão do conceito de doutrina aos dois primeiros. Assim atestam as publicações do EB e do MD (“Doutrina Militar Terrestre” e “Doutrina de Operações Conjuntas”). No entanto, a observação cuidadosa da figura demonstra que, é justamente o nível técnico e procedimental (a base da pirâmide) que informa as alterações aos níveis superiores. Em suma, é o quarto nível (técnicas e procedimentos) que condicionam as alterações aos níveis superiores, isto é, no âmbito da:

a) tática;

b) conceitos e concepções; c) valores e princípios.

Note-se que estes dois últimos (“Doutrina Militar Terrestre” e “Doutrina de Operações Conjuntas”) já constituem-se per se em corpus doutrinários, mesmo na acepção utilizada no Brasil. Deste modo, embora uma conclusão cabal em torno do impacto da progressiva digitalização da Artilharia de Campanha sobre a doutrina militar terrestre no Brasil deva aguardar a evolução de acontecimentos – a efetivação de obtenções e programas previstos – e experimentações doutrinárias decorrentes, já é possível discernir, conforme ficou demonstrado, que tanto as técnicas e procedimentos, quanto as táticas da Artilharia de Campanha, em apoio às brigadas blindadas, deverão sofrer profundas modificações, as quais poderão incidir, ainda, sobre o nível das operações.

Da observação do Quadro 8, pode-se inferir que elementos de doutrina do nível tático irão sofrer inevitável reformulação, tanto em aspectos conceituais, como os conceitos de unidade de tiro e unidade de emprego, quanto em aspectos de desdobramento e deslocamento, como as regiões de procura de posição (RPP) e os planos de emprego de artilharia (PEA).

Projetando o reflexo que o nível tático pode trazer para o operacional, deduz-se que, mesmo elementos de doutrina até então considerados fundamentais, como os fogos de preparação que antecedem um ataque ou a intensificação de fogos, por exemplo, deverão ser repensados, uma vez que não se admite mais, no contexto atual, que os meios de apoio de fogo permaneçam na mesma posição atirando por tanto tempo, o que os torna vulneráveis a fogos de contrabateria e fogos aéreos. Neste sentido, vale lembrar que as novas capacidades adquiridas pela digitalização, permitem que as plataformas digitalizadas,

mesmo em movimento, tenham a mesma efetividade77, se não maior, que os antigos obuseiros analógicos estacionados.

A tendência, portanto, é que a digitalização da Artilharia de Campanha acabe por incidir também sobre a doutrina militar terrestre. E, por decorrência, sobre a doutrina de operações conjuntas.

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