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Inovações técnicas e táticas de Gustavo Adolfo e Frederico, O Grande

2 A ARTILHARIA: ASPECTOS HISTÓRICOS

2.1 SURGIMENTO E EVOLUÇÃO DA ARTILHARIA

2.1.2 Inovações técnicas e táticas de Gustavo Adolfo e Frederico, O Grande

Num contexto em que o uso das armas de fogo era amplamente difundido nos campos de batalha e que, em consequência, o combate de formações profundas, rígidas e retilíneas era gradualmente substituído pelas táticas de movimento e combinações de forças, surge a estrela de Gustavo Adolfo, Rei da Suécia.

Gustavo Adolfo adotou, inicialmente, as reformas já estabelecidas por Maurício de Nassau, na Holanda, com relação a treinamento e adestramento, dando ênfase à uniformidade e disciplina de suas tropas19. Estabeleceu também um sistema coeso e interdependente, privilegiando a tática e a mobilidade baseado no apoio mútuo das armas combinadas, o que ampliou sua capacidade ofensiva. O Rei tinha em mente que o aumento

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Uma das medidas foi construir estruturas baixas em rampas com fossos à frente, típicas fortificações de campanha compostas por terra mal compactada, a fim de absorver o impacto dos projéteis lançados por canhões. Outra inovação da época foram as trincheiras ao redor das edificações e escavações onde a pólvora era acionada como explosivos, tudo isso combinado com baterias de fogos defensivos, a fim de surpreender a força atacante (O'CONNEL, 1989, p. 145-146).

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Para maiores informações acerca das reforma de Maurício de Nassau replicadas no Exército Sueco de Gustavo Adolfo, ver em O'CONNEL (1989, p. 171-178).

da capacidade letal das armas estava diretamente associado ao êxito tático em combate (O'CONNEL, 1989, p. 177).

Coube ao monarca sueco o papel de implementar a artilharia de campanha, incorporando-a ao seu eficiente exército e dotando-a de um papel tático, dentro do contexto do apoio mútuo entre as três armas, o que foi posto em prática ao longo das campanhas da Guerra dos Trinta Anos, dentre as quais merecem destaque as campanhas de Breitenfeld (1631) e Lützen (1632).

Antes de Gustavo Adolfo, os artilheiros eram considerados civis altamente especializados ligados por contratos independentes ou, no dizer de Robert O'Connel (1989, p. 136), uma espécie de “alquimistas ou membros de uma guilda” que tinham um código de valores próprio e passavam seus segredos apenas a seus discípulos sob juramento.

Por possuir uma indústria metalúrgica em forte expansão, Gustavo Adolfo pôde não apenas ter autonomia na produção de suas armas de fogo, como também aplicar inovações importantes. Dessa forma, realizou adaptações nos canhões, fabricando peças bem mais leves (aproximadamente 4 libras) com calibres reduzidos, cargas previamente medidas, canos encurtados e reparos redesenhados, com vistas à criação de peças de campanha verdadeiramente móveis. Adaptou os “canhões-couraça” trazidos da Áustria pelo Barão de Melchior de Wurmbrand (ALVES, 1959, p. 117), efetivando uma série de evoluções, o que resultou nas peças regimentais suecas, que eram facilmente rebocadas por um só cavalo e podiam ser manobradas à mão.

Figura 6 - Canhão de Gustavo Adolfo de 1642

Fonte: Mori (2018, p. 40).

Segundo Alves (1959, p. 116), “para suprimir a deficiência ocasionada pela redução do calibre, (Gustavo Adolfo) grupou as peças em baterias, explorando desde logo, os prodigiosos efeitos das concentrações das massas de fogos.” Por adotar peças móveis e

mais leves, pôde dividir e classificar a artilharia sueca em três modalidades: regimental, de sítio e divisionária, cabendo a esta última o papel de reforçar os fogos dos regimentos de infantaria (ALVES, 1959, p. 116). Ainda segundo Alves (1959): “Antes de Gustavo Adolfo um exército dispunha de um canhão para, aproximadamente, mil homens; ele dotou seu exército de seis peças de 9 libras para cada mil homens e deu a cada regimento duas de 4 libras.”

O principal legado de Gustavo Adolfo, portanto, foi a implementação de uma artilharia com papel tático de apoio à manobra em todas as fases do combate, tirando máximo proveito da mobilidade, dentro de um sistema de armas combinadas, aos moldes das missões táticas da Artilharia de Campanha hodierna. Não obstante, do ponto de vista de Robert O'Connell (1989, p. 177), ainda que Gustavo Adolfo tenha sido um inconteste inovador do armamento de sua época, sua abordagem experimentalista não deixou particulares tradições na indústria de armamento sueca ou de outro país. Suas ideias não foram amplamente disseminadas de imediato, devido a inúmeras controvérsias quanto ao emprego da artilharia: alguns chefes militares consideravam a artilharia como um instrumento a utilizar apenas para transpor fortificações, enquanto outros já viam a necessidade de conjugar sua ação com os fogos de infantaria em todas as fases do combate.

Somente um século mais tarde, Frederico, o Grande, rei da Prússia adotou ideias semelhantes, dotando sua artilharia de similar mobilidade e emprego tático. Entre 1742 e 1778, fez fundir canhões leves de 12, 6 e 3 libras. Separou a artilharia de sítio da de campanha, distribuindo esta última em baterias homogêneas. Distribuiu parte de suas baterias entre as divisões, conservando um forte núcleo de peças à disposição do comando para utilizar no momento crítico, tendo em vista a concentração dos fogos na região do esforço principal. Frederico estabeleceu, ainda, regras gerais para o emprego tático da artilharia (ALVES, 1959, p. 121).

Similar à inovação de Gustavo Adolfo, Frederico criou a artilharia a cavalo, uma modalidade de apoio de fogo extremamente móvel, flexível e desenvolta, apta a acompanhar a cavalaria em qualquer terreno em que essa progredisse.

Reativou, ainda, a prática do tiro curvo20 a partir de obuses que, em 1762, estavam em pleno uso no exército prussiano, resgatando as tentativas não muito exitosas de Luís

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XIV. O “obus” era considerado um canhão mais curto, de tiro curvo, que possibilitava o carregamento com as mãos.

A artilharia móvel de Frederico teria se consagrado após a aliança entre Prússia e Inglaterra sair-se vitoriosa da Guerra dos Sete Anos, diante dos pesados e mal distribuídos canhões até então em uso pela França e seus aliados.

Diante dessa fragorosa derrota em que a França veio a perder grande parte de suas colônias na América e na Ásia, causada em grande medida pelo peso excessivo do material de artilharia de Vallière21, o que tornava o apoio de fogo muito estático, o orgulho nacional francês foi fortemente abalado, sobretudo entre os oficiais do exército. Este fato criou um ambiente favorável para que amplas reformas técnicas e estruturais fossem estabelecidas no exército francês, conforme se verá adiante.