“A fonologia preocupa-se com a aquisição e a aprendizagem da pronúncia das
línguas. Na medida em que comparamos a aquisição da LM por crianças com a
aprendizagem da LE por adultos, tendemos a considerar que uma e outra ocorrem em
graus diferentes. ” (Sant’Anna, 2003, p.3). A partir dessa afirmação podemos perceber
que a fonologia interfere de maneira significativa na aquisição, tanto de língua
materna, quanto de línguas estrangeiras, pois a comunicação em uma determinada
língua exige que dominemos os seus fonemas para que ocorra a obtenção do sentido
que se espera.
O docente de língua portuguesa como língua materna enfrenta desafios ao
trazer a gramática normativa para a sala de aula de ensino básico, pois, em muitas
situações, presenciadas constantemente, ele se depara com uma quantidade de
regras que foram estabelecidas por convenções que necessariamente têm que ser
transmitidas ao aluno de LM. Como exemplo disso, podemos citar a regra a qual todos
nós decoramos e dificilmente aprendemos o porquê de ela existir: “antes de P e B se
escreve M”.
Com base no exemplo acima, podemos inferir que muitos de nós já nos
perguntamos um dia o porquê dessa regra e até já nos deparamos com falta de
explicações por parte do docente sobre ela. A fonética e a fonologia podem, em muitas
situações, trazer uma explicação que podem ajudar ao docente de línguas, a saber,
como lidar com alguns questionamentos desse sentido, pois, nesse caso, a dúvida a
ser respondida ao aluno é de caráter fonético-fonológico, onde cabe a nós, docentes,
trazer a sala de aula uma maneira adequada de dizer que isso é uma questão
articulatória da língua, em que os três fonemas estão em um mesmo ponto de
articulação e por isso a língua tende a fazer por si, esse tipo de articulação.
Saindo do campo das regras, trazendo a fonologia ao campo das línguas
estrangeiras, podemos citar como exemplo a forma com que os professores de inglês
como LE trazem o aprendizado dessa língua como forma decorativa de regras
gramáticas e às vezes até extinguem a oralidade das situações em sala de aula.
Levando em conta o aprendizado por meio do contato inicial com a língua falada e
escrita, vemos a diferença que isso traz para o aprendizado de uma língua. Com isso,
destacamos que os “blocos” de uma fala; ou seja, a junção de palavras formando uma
só, em contexto oral; também devem ser trazidos para o contexto escolar para que o
aluno não fique restrito à escrita e a um contato totalmente artificial com a LE.
Além disso, “as exigências, porém, são maiores no caso da Fonologia, porque
seria um problema absolutamente central, para uma LE, se um fonema ou um grupo
de fonemas fossem pronunciados incorretamente pelo aprendiz, pois a comunicação
com pessoas nativas poderia ser prejudicada. ”. Por isso, como nos traz Sant’Anna
(2003), a fonologia é importante também no sentido de aprendizagem e pronúncia das
línguas. Essa, talvez, seja uma das mais importantes contribuições da fonologia para
o aprendizado de LE (línguas estrangeiras). Com isso, destaco que o aprender de
uma língua estrangeira ou língua materna está sempre associado à prática da
pronúncia dos fonemas corretamente, pois a falta disso pode causar desvios até
mesmo do sentido pretendido pelo falante e dificuldades do entendimento,
principalmente quando se trata de uma LE.
Sant’Anna apropriando-se das ideias de Steinberger (1985), destaca que no
aprendizado de uma LE “ a proximidade articulatória pode ser uma das primeiras
dificuldades do aluno quando ele tenta imitar os sons estranhos a sua LM ”. É por isso
que o docente deve observar em quais aspectos o aluno está equivocando-se ao
pronunciar uma palavra que não seja do seu idioma, como no caso da Língua
Espanhola, erroneamente classificada como parecida com o português. Sobre isso,
destaco que os traços fonológicos da língua espanhola possuem características
semelhantes ao português por serem descendentes das línguas neolatinas, e isso
pode fazer com que o discente dessa língua possa trazê-los no momento da aquisição.
Podemos citar alguns exemplos no que se diz respeito às vogais de apoio no
português influenciando no aprendizado de LE. Nesse caso, os discentes de Língua
Estrangeiras ao se depararem com fonemas terminados em consoantes, tendem a
associar às construções de palavras portuguesas. E isso ocorre também na própria
língua portuguesa, onde vemos exemplos em palavras com travamento de sílabas em
consoantes e seguidas de outra sílaba iniciada com consoante. O que geralmente não
acontece no português de Portugal, em que seguem o caminho inverso a esse. A partir
disso, podemos destacar a função do docente de LE em interferir significativamente
nesse processo, pois se precisa salientar que no português, em sua maioria, não
ocorre mudança significativa de sentido, mas em uma língua como o inglês isso muda
significativamente.
Para concluir, destaco outra importância da fonologia no processo de
ensino-aprendizagem de línguas, que é a consideração dos alofones como parte significativa
na distinção entre aprendizagem de LM e aquisição de LE. Pois, o docente precisa
saber como trazer essas alofonias portuguesas para a sala de aula de língua LI (língua
inglesa) por exemplo. O que em outras línguas fazem toda a diferença e são fonemas
próprios das línguas, como no caso das africadas portuguesas que são fonemas
distintos no inglês. Isso pode causar dificuldade para falantes da região sudeste do
Brasil que falam dialetos compostos por esses alofones em ambientes determinados
ao contexto. Nesse sentido, nós docentes, devemos considerar a fonologia como
parte essencial do processo da aquisição tanto de LM, quanto de LE, e também como
parte fundamental de construção de significados quanto à estrutura da Língua
Portuguesa e o ensino de gramática dentro desse contexto.
O estudo da fonologia responde precisamente a este desafio: como é que o
falante-ouvinte consegue reconhecer, numa infinidade de sons diferentes, o conjunto
de cerca de duas dezenas que constituem as unidades pertinentes, ou seja, aquelas
unidades que funcionam na língua como unidades do sistema e permitem a
comunicação? Durante o processo de aquisição da linguagem, a criança, embora
exposta a inúmeras pronúncias diversas das unidades da fala, vai reconhecendo
progressivamente os sons com que, na sua língua materna, se constroem as palavras
que servem para comunicar com os outros. A pouco e pouco, inconscientemente, ela
vai apreendendo as relações que se estabelecem entre os sons delimitando o campo
de funcionamento de cada um. A pouco e pouco, portanto, vai adquirindo o sistema
fonológico da língua materna, que corresponde a um exercício de abstração elaborado
a partida realidade fonética.
No documento
CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI FONÉTICA E FONOLOGIA DO PORTUGUÊS GUARULHOS SP
(páginas 69-72)