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A impossibilidade de extensão da LPAF a partir da competência legislativa e do

No documento Aplicabilidade da lei federal 9.784/99 (páginas 154-157)

3.2 O entendimento da doutrina sobre a nacionalização da LPAF: pontos comuns de

3.2.5 A impossibilidade de extensão da LPAF a partir da competência legislativa e do

Thiago Marrara e Irene Patrícia Nohara adentram no tema aduzindo que as regras de competência ditadas pela Constituição Federal não fixam competência legislativa privativa da União no caso do processo administrativo, o que “permite que cada ente crie seu regramento básico ou essencial, tendo em vista sua autonomia”.427

Com base na lição de Cármen Lúcia Antunes Rocha e na distinção processual e procedimental – as quais serão expostas a seguir –, referidos autores apontam que “não havendo permissivo decorrente do sistema federativo que admita a edição de lei nacional sobre o tema, então, não há dúvidas no sentido de que a Lei n. 9.784/99 aplica-se tão somente ao âmbito federal”.428

De qualquer sorte, Marrara e Nohara ressaltam a existência de posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais em contrário, sobretudo no âmbito do STJ.

Conforme exposto, Cármen Lúcia Antunes Rocha aborda a questão da extensão nacional do processo administrativo em trabalho específico sobre seus princípios constitucionais no direito brasileiro, concluindo no sentido de que a organização federativa brasileira não permite que haja lei nacional sobre o tema.429

Para tal sorte de conclusão, Cármen Lúcia apresenta a distinção de competências relativas à regulamentação do processo (art. 22, I, da CF/88) e do procedimento (art. 24, 424 LIMA, 2010, p. 75. 425 LIMA, 2010, p. 75. 426 LIMA, 2010, p. 75-76. 427 MARRARA; NOHARA, 2009, p. 27-28. 428 MARRARA; NOHARA, 2009, p. 28. 429 ROCHA, 1997, p. 196.

147 XI, da CF/88), sendo a primeira privativa da União e a segunda concorrente com Estados e Distrito Federal. Ainda que tal disposição constitucional pudesse aparentemente representar a competência nacional para a matéria processual, estampada no art. 22, I, da CF/88 acima mencionado, assim pondera a autora:

[...] a Constituição somente pode ser entendida na globalidade de suas normas, especialmente a partir daquelas que veiculam princípios. Ora, um dos princípios mais fortes e vinculantes do sistema constitucional brasileiro é exatamente o federativo [...]. Esse princípio é formulado a partir da garantia da autonomia política e administrativa das entidades que compõem a federação. [...] Se o processo administrativo, instrumentalizador das condutas administrativas e somente utilizado para a garantia dos direitos subjetivos do cidadão e do administrado em geral, não fosse inserido no espaço de competência própria e autônoma de cada entidade federada, como se ter que a autoadministração dessa pessoa estaria garantida? [...] Assim, tanto o processo administrativo quanto os procedimentos que lhe são inerentes são objetos precípuos de tratamento autônomo de cada qual das entidades da federação brasileira e a referência à legislação processual que compete privativamente à União, por definição constitucional expressa, é tão-somente aquela correspectiva à unidade do direito processual judicial (civil ou penal).430

Com isso, a atual Ministra do STF entende que as distinções de competências constitucionais para a regulamentação de processo e procedimento não alcançam o processo administrativo, que segue o rumo da autonomia de cada um dos entes federados.

Trabalhando especificamente com a questão da codificação do processo administrativo, Vítor Monteiro enfrenta a temática de sua extensão nacional a partir do óbice travado pela forma federativa do Estado brasileiro.

Nesse sentido, sustenta que a forma federativa é a pedra angular para que se examine a organização político-administrativa do Estado. A partir de tal premissa, a leitura e a interpretação constitucional dos ditames inerentes à auto-organização dos entes subnacionais há de ser orientada em favor de sua autonomia, razão pela qual não são admitidos os entendimentos que promovem a aplicação da LPAF para além da União.431

No que diz respeito à competência legislativa, o autor vislumbra a impossibilidade de se alocar o processo administrativo dentro da seara processual (art. 22, I). Em verdade, a regulamentação do processo administrativo seria decorrente da competência para o trato com o direito administrativo material, estando esse último encartado na autonomia dos entes federados.432 430 ROCHA, 1997, p. 198. 431 MONTEIRO, 2012, p. 103. 432

Segundo o autor, a União Federal não possui competência legislativa privativa no âmbito do direito administrativo, tendo a aptidão genérica tão somente para ordenar a sua própria Administração Pública. Exemplifica o autor, na linha do que ocorrido com as outras disciplinas jurídicas, que “não fosse a

148 Aponta o autor, então, que a única solução possível de extensão da LPAF aos entes subnacionais – e que se mostra conciliável com a forma federativa de Estado – reside na internalização de seus preceitos por tais entes pela via legislativa própria, a exemplo do que ocorre com a Lei Distrital n. 2.834/2001, que, em artigo único, declara aplicabilidade da LPAF aos atos e processos administrativos no âmbito da Administração direta e indireta do Distrito Federal.433

Em conclusão, Vítor Monteiro alerta que mesmo que se configure o processo administrativo como direito fundamental, não se pode perder de vista a organização político-administrativa de índole federativa, o que requer deferência à autonomia das entidades federadas.434

Em minucioso trabalho no qual persegue uma conceituação científica para o processo administrativo, Ricardo Marcondes Martins afirma, de forma peremptória, que os artigos 22, I, e 24, XI, da CF/88 não tratam da competência para legislar sobre processo ou procedimento administrativo, eis que tais dispositivos restam destinados à figuração processual e procedimental inerente à função jurisdicional.435

Segundo o autor, ao trilhar o leque competências legislativas das entidades federadas nos artigos 22, 24, 25 e 30, a Constituição não previu, em qualquer deles, o direito administrativo. Aponta, assim, que não houve qualquer “esquecimento do constituinte: legislar sobre direito administrativo é decorrência lógica da autonomia política do ente federativo, expressamente prevista no art. 18”436

, o que inclui o processo e o procedimento administrativo.437 Diante disso, “a competência para legislar sobre processo e procedimento administrativo é da respectiva entidade federativa que os exerce”438

, o que indica a impossível extensão nacional da LPAF.

competência legislativa privativa da União Federal sobre os direitos substantivos civil, penal e trabalhista (Constituição Federal, art. 22, I), não teria a União Federal competência legislativa privativa sobre os

direitos ancilares: processo civil, processo penal e processo trabalhista” (MONTEIRO, 2012, p. 107).

433 Tivemos a oportunidade de nos manifestar sobre a Lei Distrital em questão em trabalho anterior. Na ocasião, vislumbramos o “processo crescente de verdadeira internalização dos preceitos da Lei Federal n. 9.784/99 por entes subnacionais, o que seria condizente, ao menos por via transversa, com o escopo de uniformidade processual administrativa, tido como uma das premissas da aplicabilidade nacional da referida lei” (CUNHA, 2011, p. 226-227).

434 MONTEIRO, 2012, p. 113. 435

MARTINS, 2004, p. 362-363. 436 MARTINS, 2004, p. 362.

437 MARTINS, 2004, p. 362. O autor indica a existência de processo e de procedimento administrativo, ainda que não se aplique a essa distinção as distintas competências legislativas dos artigos 22, I, e 24, XI, da CF/88. Ainda que sob a égide de um conceito de relação jurídica como traço distintivo entre processo e procedimento, a diferenciação conceitual parte, em suma, da noção de participação em contraditório. 438

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3.3 A jurisprudência acerca do âmbito geopolítico de aplicação do processo

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