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A licitação como processo e a subsidiariedade da LPAF

No documento Aplicabilidade da lei federal 9.784/99 (páginas 61-65)

2.1 Fórmula geral de incidência da LPAF: normas básicas e subsidiariedade

2.1.1 Casos práticos de normas básicas e subsidiariedade na LPAF

2.1.1.4 A licitação como processo e a subsidiariedade da LPAF

De plano, necessário apontar a fenomenologia processual que acompanha as licitações e contratos administrativos. Assim, independentemente da concepção de processualidade administrativa que se adote – mais restrita ou mais ampla, conforme abordado no Capítulo inicial –, é certo que tais institutos trazem consigo, a um só tempo, a

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Desapropriação por necessidade ou utilidade pública e por interesse social.

155 No ponto, Marçal Justen Filho enuncia que “há variações procedimentais em vista da espécie de desapropriação de que se trate. As regras processuais (administrativas e jurisdicionais) atinentes à desapropriação por necessidade ou utilidade pública são diversas das pertinentes à desapropriação por interesse social. Mas, na essência, é possível reconhecer um regime jurídico básico, comum a ambas as hipóteses” (JUSTEN FILHO, 2012, p. 612).

156 STF – MS 24095/DF, Relator Ministro CARLOS VELLOSO, Tribunal Pleno, julgado em 1/7/2002, publicação em 23/8/2002.

157 STF – MS 25477/DF, Relator Ministro MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 11/2/2008, publicação em 2/5/2008.

158 STF – MS 26087/DF, Relatora Ministra CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 1/8/2013, publicação em 23/9/2013.

54 exteriorização de uma vontade administrativa de cunho decisório com iter condicionado por princípios e regras de índole processual („processualidade funcional‟) e, ademais, potencial contraposição de interesses capazes de demarcar a conflituosidade inerente à anteriormente denominada „processualidade relacional‟.159

A partir disso, resta nítido que, em nosso sistema jurídico, o processo licitatório é enquadrado como espécie processual administrativa com fundamento constitucional direto e expresso (art. 37, XXI, CF/88). Como tal, mereceu disciplina constitucional própria no tocante à competência legislativa para sua disciplina, tendo-se no artigo 22, XXVII, da CF/88, a competência privativa da União para legislar “sobre normas gerais de licitação e

contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, III.”

Em vistas de tal ordenação constitucional, chega-se à ideia geral de que, na matéria, cabe à União editar normas gerais, o que pressupõe, invariavelmente, a competência concorrente dos Estados, Distrito Federal e Municípios para a produção de normas que não sejam qualificadas como gerais, ou seja, as normas especiais, pormenorizadas, que guardem consonância às características de cada qual.160

Sem pretender adentrar, por ora, na celeuma originada a partir do lócus constitucional em que estabelecida a competência da União para as ditas „normas gerais‟ de licitação e contratação161 e, bem assim, seu sentido e alcance prático, importa ressaltar, com base em Marçal Justen Filho, que a fórmula „normas gerais‟ “não permite uma interpretação de natureza aritmética”.162

159 Marcal Justen Filho aponta duas ordens possíveis de conflituosidade: a primeira indicada a partir do cotejo entre Administração e particulares; a segunda, a partir de contraposição existente entre os próprios particulares que competem pela contratação com a Administração. Nesse sentido, JUSTEN FILHO, 2009, p. 98.

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NIEBUHR, 2011, p. 48-49. Sobre o longo, intenso e ainda vivo debate sobre a delimitação das ordens normativas gerais e especiais no tema de licitações e contratos, veja-se: MARQUES NETO, 1995 e GUIMARÃES, 2003.

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Aqui, o que se vislumbra é o cotejo entre os artigos 22 e 24 da Constituição Federal. Frise-se, de logo, que o referencial de lócus constitucional relativo à repartição de competências legislativas e sua leitura cruzada com aspectos federativos será retomado no tocante ao processo administrativo no capítulo seguinte, especialmente a fim de debater eventual nacionalidade de suas normas.

162 JUSTEN FILHO, 2009, p. 15. No mesmo sentido, a orientação de Tercio Sampaio Ferraz Júnior segundo o qual “a noção de norma geral não conhece, na doutrina, uma definição adequadamente operacional. Por ser, logicamente, termo correlativo, geral só se define em face do seu oposto e vice-versa. Levando-se em conta que generalidade, no caso das normas, pode ser um atributo ligado tanto ao número de destinatários quanto à matéria normativa, pode-se perceber que o assunto, na ordem constitucional, exige análise acurada” (FERRAZ JÚNIOR, 1995, p. 245).

55 De fato, resta impossível a predeterminação de solução exata e capaz de bem identificar, a partir de critérios abstratos e amplos, as normas gerais e não gerais para fins de alcance e extensão da competência legislativa notadamente concorrente que se instaura na matéria.163

No ponto, Marçal Justen Filho indica que o cunho relativamente indeterminado da própria expressão „normas gerais‟ funda um núcleo de relativa certeza e precisão ao lado de uma zona cinzenta que produz severas dúvidas e dificuldades hermenêuticas. O que se pretende com tal sorte de construção, no entanto, é o estabelecimento de um núcleo essencial de princípios e regras capazes de “assegurar um regime jurídico uniforme para as licitações e as contratações administrativas em todas as órbitas federativas”164, ao lado das normas especiais editadas por cada ente.

Ainda de acordo com o autor, esse modelo que assegura a padronização mínima na matéria no que tange à atuação administrativa de todos os entes federativos é orientado por duas finalidades: 1) realização do valor da segurança, como instrumental indispensável a garantir a viabilidade de competição e acesso às contratações administrativas; 2) necessidade de assegurar a efetividade do controle externo e social da Administração licitante e contratante, por intermédio de soluções gerais aplicáveis a todos os processos.165

Diante desse quadro de certa fluidez e discussão – inclusive a partir de incursões jurisdicionais na matéria166 –, é certo que a legislação editada pela União para regência das licitações e contratos administrativos traz normas ora gerais, ora especiais. Como exemplos, as Leis Federais n. 8.666/93 (lei geral de licitações), n. 10.520/02 (modalidade pregão), n. 12.232/10 (licitações de publicidade), n. 12.349/10 (promoção do desenvolvimento nacional por intermédio das licitações) e n. 12.462/11 (regime diferenciado de contratações).

Quando tidas como gerais, as normas constantes de tais diplomas serão revestidas de caráter nacional, eis que desenharão o “traçado básico de determinado instituto por meio da definição de seus princípios, diretrizes, conceitos, modalidades, etc.”.167 Tal não retira,

163 Para estudo específico da temática das normas gerais e sua relação com a competência legislativa, veja-se: CARMONA, 2010.

164 JUSTEN FILHO, 2009, p. 15. 165 JUSTEN FILHO, 2009, p. 15-16.

166 Veja-se, na espécie, o caso da ADI n. 927-3 no STF, cujo julgamento de mérito ainda pende e que aborda, entre outros pontos, a definição de normas gerais e especiais dentro da Lei Federal n. 8.666/93. Até o presente momento – e mesmo após mais de 20 anos decorridos desde sua propositura –, apenas a medida cautelar foi julgada. Veja-se: STF – ADI 927/RS MC, Relator Ministro CARLOS VELLOSO, Tribunal Pleno, julgado em 3/11/1993, publicação em 11/11/1994.

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56 entretanto, a possibilidade de que todos os entes, atendendo às normas gerais, produzam suas próprias normas a fim de dar “feição própria e especial às normas prescritas em caráter nacional”.168

Amiúde, a nacionalidade de tais normas é vislumbrada quando atinentes à disciplina de: a) requisitos mínimos necessários e indispensáveis à validade da contratação administrativa; b) hipóteses de obrigatoriedade e de não obrigatoriedade de licitação; c) requisitos de participação em licitação; d) modalidades de licitação; e) tipos de licitação; e) regime jurídico da contratação administrativa.169 É a partir de tais patamares, então, que se consolida a processualidade administrativa inerente às licitações e contratos administrativos, com uma matriz nacional e especificações subnacionais.

No que diz respeito à subsidiariedade, interessante mencionar, de pronto, que a Lei Federal n. 9.784/99 chega a trazer dispositivo que expressamente alude ao processo licitatório, induzindo sua necessária aplicação às licitações ainda que tal diploma não tenha produzido qualquer revogação ou alteração em dispositivos da Lei Federal n. 8.666/93. O dispositivo em concreto – art. 50, IV, da LPAF – versa sobre a necessária motivação nas contratações diretas.170

Ademais, na medida em que a Lei de Licitações não trata de forma sistemática do processo administrativo relativo às sanções administrativas aplicáveis a licitantes e contratados (formalidades, produção de provas, alegações finais, etc.), Joel de Menezes Niebuhr indica a indubitável aplicabilidade da LPAF à questão.171 Outrossim, a mesma providência é sugerida pelo autor no que concerne ao processo para a rescisão administrativa (art. 79, I, da Lei Federal n. 8.666/93), que deve ser informado pelos dispositivos da LPAF para que se compatibilize com os princípios constitucionais e legais da Administração.172 168 NIEBUHR, 2011, p. 49. 169 JUSTEN FILHO, 2009, p. 16.

170 Lei Federal n. 9.784/99 – Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando: IV – dispensem ou declarem a inexigibilidade de processo licitatório.

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NIEBUHR, 2011, p. 991.

172 NIEBUHR, 2011, p. 946. Na espécie, Joel de Menezes Niebuhr ainda aponta a aplicabilidade do art. 45 da LPAF ao processo de rescisão administrativa, na medida em que o referido dispositivo legal disciplina que “em caso de risco iminente, a Administração Pública poderá motivadamente adotar providências acauteladoras sem a prévia manifestação do interessado”. Assim – e nas palavras do autor –, “à Administração é permitido, em casos excepcionais, suspender a execução do contrato até a decisão final do processo, desde que haja receios fundados de que a continuidade dele acarretaria lesão ou prejuízo ao interesse público, tudo com base no art. 45 da Lei n. 9.784/99 e no próprio inciso XIV do art. 78 da Lei n. 8.666/93. Logo, se for o caso, a Administração deve, no ato administrativo que intima o contratado a

57 Ao final, é certo que em várias outras situações é possível que se vislumbre a utilização da LPAF a fim de melhor concretizar dispositivos da Lei de Licitações. Assim, é de se concordar com Marçal Justen Filho, segundo o qual a aplicação subsidiária dos princípios e das regras gerais consagrados pela LPAF dá, em termos amplos, maior sentido ao regramento exposto na Lei Federal n. 8.666/93, denotando a interpenetração possível.173

No documento Aplicabilidade da lei federal 9.784/99 (páginas 61-65)