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A imprescritibilidade dos crimes de lesa-humanidade na jurisprudência da Corte

2. Os desafios para o cumprimento do Estatuto de Roma pelo Brasil questões materiais

2.5. Imprescritibilidade dos crimes previstos no Estatuto de Roma

2.5.2. A imprescritibilidade dos crimes de lesa-humanidade na jurisprudência da Corte

A prescrição pode ser vista como um obstáculo para o cumprimento das regras do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, tal como já tem sido considerada para a implementação das decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH). Os Estados constantemente declaram que estão impedidos de promover a persecução penal dos perpetradores em razão da prescrição, que, segundo entendem, constitui uma garantia constitucional que não pode ser afastada por decisão de cortes internacionais. Essa não é, todavia, uma atuação compatível com a defesa dos direitos humanos e, exatamente, por isso, vem sendo rechada pela jurisprudência internacional.

Especificamente em relação à Corte Interamericana de Direitos Humanos, cujos fundamentos podem e devem ser adotados nas discussões a respeito da implementação do Estatuto de Roma, a questão foi discutida, dentre outros, no Caso Zambrano Vélez e Outros vs. Equador (2009). Na ocasião, o Estado negou-se a dar cumprimento à decisão da Corte IDH, argumentando o escoamento do prazo prescricional dos crimes, de acordo com a legislação doméstica. A Corte, em contrapartida, enfatizou que a imprescritibilidade da ação penal foi claramente estabelecida, por isso não poderia ser arguida nenhuma lei ou disposição de direito interno para eximir-se da ordem de investigar e, se for o caso, sancionar penalmente os responsáveis pelos crimes166.

165 Nesse sentido, o parecer técnico do Centro Internacional para a Justiça de Transição, solicitado pelo

Ministério Público Federal, Procuradoria da República em São Paulo/SP, para instruir o Procedimento n. 1.34.001.008495/2007. Versão original em espanhol disponível em: http://www.prr3.mpf.gov.br/component/option,com_remository/Itemid,68/func,startdown/id,1630/. Acesso em: 26 abr 2012. CENTRO INTERNACIONAL PARA A JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO. Parecer técnico do Centro Internacional para a Justiça de Transição, solicitado pelo Ministério Público Federal, Procuradoria da República em São Paulo/SP, para instruir o Procedimento n. 1.34.001.008495/2007. Disponível em: http://www.prr3.mpf.gov.br/component/option,com_remository/Itemid,68/func,startdown/id,1630/. Acesso em 26 abr 2012.

166 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Zambrano Vélez y otros vs. Ecuador.

Supervisión de Cumplimiento de Sentencia. Resolución de la Corte Interamericana de Derechos Humanos de 21 de septiembre de 2009, párr. 15.

No Caso Ivcher Bronstein vs. Peru (2010), a Corte assentou que, embora a prescrição seja uma garantia do devido processo, que deve ser observada devidamente pelo julgador em relação a todos os imputados de um delito, a invocação e a sua aplicação são inaceitáveis quando for claramente provado que o transcurso do tempo foi determinado pelas atuações ou omissões processuais dirigidas, com a clara má-fé, ou negligência, a proporcionar ou permitir a impunidade167. No Caso De la Cruz Flores vs. Peru (2010), defendeu que a garantia da prescrição cede diante dos direitos das vítimas quando se apresentam situações que obstam a obrigação de identificar, julgar e sancionar os responsáveis pelos crimes168.No caso Ibsen Cárdenas e Ibsen Peña vs. Bolivia (2009), afirmou:

en ciertas circunstancias el Derecho Internacional considera inadmisible e inaplicable la prescripción así como las disposiciones de amnistía y el establecimiento de excluyentes de responsabilidad, a fin de mantener vigente en el tiempo el poder punitivo del Estado sobre conductas cuya gravedad hace necesaria su represión para evitar que vuelvan a ser cometidas169. A jurisprudência da Corte IDH é assente, portanto, no sentido de que a prescrição da ação penal é inadmissível e inaplicável quando se trata de graves violações de direitos humanos170. Não há dúvida de que o escopo do Estatuto de Roma foi exatamente o de evitar a

impunidade dos perpetradores das mais graves violações de direitos humanos.

Tudo isso reforça, portanto, a ideia da compatibilização da imprescritibilidade dos crimes previstos no Estatuto de Roma com a ordem jurídica brasileira e, mais que isso, impõe ao País a obrigação de cooperar com o Tribunal Penal Internacional e de adotar, caso seja

167 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Ivcher Bronstein vs. Perú. Supervisión de

Cumplimiento de Sentencia. Resolución de la Corte Interamericana de Derechos Humanos de 27 de agosto de 2010, párr. 8.

168 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso De la Cruz Flores vs. Perú. Supervisión de

Cumplimiento de Sentencia. Resolución de la Corte Interamericana de Derechos Humanos 01 de septiembre de 2010, párr. 76. Cita-se, ainda, o caso Trujillo Oroza vs. Bolívia, em que a Corte, após o Tribunal Boliviano ter assentado a prescrição dos crimes, manifestou sobre o acórdão, afirmando que a decisão adotada pela Sala Civil é contrária ao dever do Estado de investigar, identificar e eventualmente sancionar os responsáveis pelos fatos lesivos cometidos em prejuízo da vítima. CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Trujillo Oroza vs. Bolívia. Supervisión de Cumplimiento de Sentencias. Resolución de la Presidenta de Corte Interamericana de Derechos Humanos de 12 de agosto de 2009, párr. 48.

169 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Ibsen Cárdenas e Ibsen Peña vs. Bolivia.

Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 1 de septiembre de 2010. Serie C No. 217, párr. 207.

170 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Albán Cornejo y otros. vs. Ecuador. Fondo

Reparaciones y Costas. Sentencia de 22 de noviembre de 2007. Serie C No. 171, párr. 111. No mesmo sentido: CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Myrna Mack Chang vs. Guatemala. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 25 de noviembre de 2003. Serie C No. 101, párr. 276; CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Barrios Altos Vs. Perú. Fondo. Sentencia de 14 de marzo de 2001. Serie C No. 75, párr. 41; CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Almonacid Arellano y otros vs. Chile. Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 26 de septiembre de 2006. Serie C No. 154, párr. 112; CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Corte IDH. Caso La Cantuta vs. Perú. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 29 de noviembre de 2006. Serie C No. 162, párr. 152; CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Masacre de las Dos Erres vs. Guatemala. Excepción Preliminar, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 24 de noviembre de 2009. Serie C No. 211, párr. 129.

necessário, medidas para a persecução dos perpetradores, sob pena de se fazer incidir a jurisdição penal complementar ou secundária do Tribunal.