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O reconhecimento da imprescritibilidade dos crimes de lesa-humanidade como

2. Os desafios para o cumprimento do Estatuto de Roma pelo Brasil questões materiais

2.5. Imprescritibilidade dos crimes previstos no Estatuto de Roma

2.5.1. O reconhecimento da imprescritibilidade dos crimes de lesa-humanidade como

O Brasil não ratificou formalmente a Convenção das Organizações das Nações Unidas sobre Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes contra a Humanidade, de 1968. O ordenamento jurídico interno tampouco possui lei expressa fixando a imprescritibilidade desses delitos. A Constituição, por outro lado, não proíbe a lei de estipular casos de crimes imprescritíveis. É possível, contudo, afirmar que o princípio geral de direito internacional e o costume internacional, que definem como imprescritíveis os crimes contra a humanidade, incluídos na jurisdição do TPI, são suficientes para que a jurisdição brasileira reconheça tal imprescritibilidade como uma norma a ser aplicada internamente.

O princípio I dos Princípios de Nuremberg, aprovados pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1950, preceitua que “qualquer pessoa que cometa atos que constituam um crime sob as leis internacionais será responsável e por conseguinte sujeita a castigo”161. A partir daí, torna-se possível entender o princípio da imprescritibilidade como diretamente vinculado ao cumprimento do direito internacional, que ordena a persecução penal dos autores dos crimes contra a humanidade, sob uma perspectiva do Direito Internacional Penal e do Direito Internacional dos Direitos Humanos.

Nesse contexto, na Resolução 2.338, de 18 de dezembro de 1967162, a Assembleia Geral das Nações Unidas observa, em relação à persecução e punição dos crimes de lesa- humanidade, que, em nenhuma das declarações solenes, instrumentos ou convenções para o ajuizamento e o castigo por crimes de guerra e por crimes de lesa-humanidade, foi previsto

161 “Principle I - Any person who commits an act which constitutes a crime under international law is responsible

therefor and liable to punishment.” ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Comissão de Direito Internacional. Princípios de Nuremberg. 1950. Disponível em: http://legal.un.org/ilc/texts/instruments/english/draft%20articles/7_1_1950.pdf. Acesso em: 26 jun 2014.

162 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Assembleia Geral das Nações Unidas. Resolução 2.338, de 18

limitação no tempo163. Na mesma resolução, é expressamente mencionado o caráter de princípio de direito internacional da imprescritibilidade dos crimes de guerra e dos crimes contra a humanidade. Na ocasião, já se falava de uma futura convenção sobre a imprescritibilidade dos crimes de guerra e dos crimes contra a humanidade como medida para afirmar esse princípio no direito internacional e garantir sua aplicação universal.

Assim, antes mesmo de aprovada a Convenção sobre Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes contra a Humanidade, em 1968, e de sua entrada em vigor, em 1970, a Assembleia Geral das Nações Unidas reconhecera expressamente a imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade como princípio de direito internacional.

No mesmo sentido, o Conjunto de Princípios Atualizado para a Proteção e a Promoção dos Direitos Humanos mediante a Luta contra a Impunidade, de 2005, estabeleceu que a prescrição não seria aplicada aos delitos graves segundo o direito internacional que sejam por natureza imprescritíveis. Também a Resolução 60/147 da ONU, de 2005, ao tratar dos Princípios e Diretrizes Básicas sobre o Direito das Vítimas de Violações Expressas das Normas Internacionais de Direito Humano e de Violações Graves do Direito Internacional Humanitário para Interpor Recursos e obter Reparações estabeleceu, no princípio VI, que:

Quando assim o disponha um tratado aplicável ou faça parte de outras obrigações jurídicas internacionais, não prescreverão as violações expressas aos direitos humanos nem as graves violações do direito internacional humanitário que constituem crimes em virtude do direito internacional.164 Por fim, com a Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes de Lesa-humanidade ficou assentado que os crimes contra a humanidade figuram entre os delitos de direito internacional mais graves, cuja persecução e punição não admite, portanto, prescrição. Seguindo essa linha, o artigo 29 do Estatuto de Roma estabeleceu que os crimes de competência do Tribunal Penal Internacional não prescreveriam, sendo tal dispositivo compatível com a ordem jurídica interna e de observância obrigatória pela jurisdição brasileira.

Diante disso, é possível afirmar que a imprescritibilidade das graves violações aos direitos humanos e dos crimes contra a humanidade é um princípio geral de direito internacional e a obrigação de investigar, processar e punir estes crimes gera uma obrigação

163 Texto original: “‘Recognizing’ that it is necessary and timely to affirm in international law, through a

convention, the principle that there is no period of limitation for war crimes and crimes against humanity, and to secure its universal application.” ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Assembleia Geral das Nações

Unidas. Resolução 2.338, de 18 de dezembro de 1967.

164 Texto original: “6. Cuando así se disponga en un tratado aplicable o forme parte de otras obligaciones

jurídicas internacionales, no prescribirán las violaciones manifiestas de las normas internacionales de derechos humanos ni las violaciones graves del derecho internacional humanitario que constituyan crímenes en virtud del derecho internacional.” ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Assembleia Geral das Nações Unidas.

erga omnes para os Estados. Assim, a não ratificação da Convenção sobre a

Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes de Lesa-humanidade pelo Brasil não o exime de sua obrigação de, por princípios de direito internacional geral, perseguir e punir os crimes de lesa-humanidade cometidos em seu território ou cometidos por seus agentes165 e de cooperar com o TPI, mesmo nas situações em que configurada a prescrição.

2.5.2. A imprescritibilidade dos crimes de lesa-humanidade na jurisprudência da Corte