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A possibilidade de investigação direta pelo Ministério Público e a Proposta de

3. Os desafios para o cumprimento do Estatuto de Roma pelo Brasil – questões

3.2. O modelo de atuação do Ministério Público do Tribunal Penal Internacional

3.2.2. A possibilidade de investigação direta pelo Ministério Público sob a perspectiva do

3.2.2.2. A possibilidade de investigação direta pelo Ministério Público e a Proposta de

No dia 8 de junho de 2011 foi apresentada à Câmara dos Deputados a Proposta de Emenda à Constituição n. 37/2011 (PEC 37)301, que acrescenta o § 10 ao artigo 144 da Constituição, com o objetivo de definir a competência para a investigação criminal pelas polícias federal e civil dos Estados e do Distrito Federal, nos seguintes termos: “A apuração das infrações penais de que tratam os § § 1º e 4º deste artigo incube privativamente às polícias federal e civis dos Estados e do Distrito Federal, respetivamente”302.

De acordo com os proponentes, o novo dispositivo visa a suprir a ausência de regras claras definindo a atuação dos órgãos de segurança pública, o que tem causado sérios problemas penais e prejudicado a instrução processual, além de suscitar questionamentos perante o Judiciário brasileiro, em decorrência de procedimentos informais de investigação conduzidos sob condições que contrariam o Estado de Direito vigente. Segundo sustentam, o exercício da atividade investigatória de crimes extrapola a missão institucional do Ministério Público, que se trata de órgão acusatório, e não investigativo. Alinham-se, assim, os autores da proposta ao entendimento de Alberto José Tavares Vieira da Silva de que o êxito das investigações criminais depende de “conhecimentos técnico-científicos de que não dispõem os integrantes do Ministério Público e seu corpo funcional. As instituições policiais são as únicas que contam com pessoal capacitado para investigar crimes e, dessarte, cumprir com a missão que lhe outorga o artigo 144 da Constituição Federal”303.

Ao longo do processo legislativo, foram realizadas audiências públicas que

301 BRASIL. Câmara dos Deputados. Proposta de Emenda à Constituição n. 37/2011. Autor: Lourival Mendes.

Ementa: Acrescenta o § 10 ao art. 144 da Constituição Federal para definir a competência para a investigação criminal pelas polícias federal e civis dos Estados e do Distrito Federal. Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=507965. Acesso em: 17 jun 2014.

302 BRASIL. Câmara dos Deputados. Proposta de Emenda à Constituição n. 37/2011. Autor: Lourival Mendes.

Ementa: Acrescenta o § 10 ao art. 144 da Constituição Federal para definir a competência para a investigação criminal pelas polícias federal e civis dos Estados e do Distrito Federal. Inteiro teor da proposta disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=CF08457D0B4E4AE475A09844C6 7849FA.proposicoesWeb1?codteor=969478&filename=Tramitacao-PEC+37/2011. Acesso em: 17 jun 2014.

303 SILVA, Alberto José Tavares Vieira da. Investigação criminal: competência. São Luís: Lithograf, 2007, p.

contaram com a participação importante de associações, órgãos e institutos ligados à temática304, com o intuito de abordar e confrontar as teses apresentadas. A proposta gerou comoção não apenas institucional, como social, inclusive com manifestações populares e abaixo-assinados favoráveis e contrários à sua aprovação. Nos debates, foi destacada a atuação do Ministério Público nas operações realizadas pelo país afora, especialmente focadas no crime organizado e na corrupção. Ressaltou-se, ademais, que a solução do caso deveria ir além das discussões institucionais sobre quem detém ou não a titularidade de determinado ato, para se atentar mais à circunstância de que Ministério Público e Polícia devem conjugar esforços para que elementos necessários à persecução penal sejam coligidos. Não se trata de medir forças ou analisar quem produz a melhor prova, mas sim de agregar às investigações elementos de autoria e de prova da materialidade, de modo a subsidiar a persecução penal da maneira mais eficaz possível305. Diversos foram os fundamentos indicados para a rejeição da proposta, dentre os quais se destacam os seguintes.

Limitar a investigação ao âmbito da Polícia pode representar a falência e a ineficácia do direito penal, que já demonstra sinal de fraqueza na execução da pena; e, caso aprovada a proposta, terá atingida também a pretensão punitiva em sua origem, com o abarrotamento das Delegacias de Polícia, a seletividade investigativa e a impossibilidade de o Ministério Público adotar posturas diligentes e eficazes. Sobre o ponto, destacou Luis Antônio de A. Boundes, representante da Federação Nacional dos Policiais Federais, que a PEC 37 deveria ser rejeitada em atenção à estrutura interna da polícia federal e aos dados sobre a eficácia do inquérito policial no Brasil, com baixos indicadores, por exemplo, de solução de homicídios em diversas metrópoles, que, a seu ver, evidenciam a ineficácia do instrumento e desautorizam que lhe seja conferida exclusividade306.

304 Foram ouvidos, dentre outros, representantes das Embaixadas da França, da Alemanha e de Portugal, que

apresentaram o sistema de investigação criminal desses países, o Coordenador Nacional do Movimento Nacional de Direitos Humanos, o Ministro da Justiça, o Presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, o Presidente da Federação Nacional dos Policiais Rodoviários Federais, o Presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais, Advogados Constitucionalistas, o Presidente da Federação Interestadual dos Policiais Civis, o Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Desembargadores, a Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal, a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público, a Associação Nacional dos Procuradores da República, o Departamento de Polícia Federal, o Conselho Nacional dos Chefes de Policia Civil, Ministros do Supremo Tribunal Federal e o Secretário da Reforma do Judiciário/MJ. Informação disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=507965. Acesso em: 17 jun 2014.

305 BRASIL. Câmara dos Deputados. Proposta de Emenda à Constituição n. 37/2011. Autor: Lourival Mendes.

Comissão Especial destinada a proferir parecer à Proposta de Emenda à Constituição n. 37 de 2011. Voto em separado do Deputado Alessandro Molo. Novembro de 2012. Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=CF08457D0B4E4AE475A09844C6 7849FA.proposicoesWeb1?codteor=1041184&filename=Tramitacao-PEC+37/2011. Acesso em: 17 jun 2014.

306 BRASIL. Câmara dos Deputados. Proposta de Emenda à Constituição n. 37/2011. Autor: Lourival Mendes.

Argumenta-se, ademais, que a exclusão objetiva e indistinta da faculdade investigativa do Ministério Público representa verdadeiro retrocesso constitucional. A ordem constitucional vem amadurecendo de modo a não deixar que se criem “superpoderes” em relação aos órgãos que compõem o Estado Democrático de Direito. Exemplo disso é a criação dos conselhos fiscais, como o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). São imprescindíveis o controle, a intervenção e a fiscalização externa, para que orientações internas, fruto de uma visão corporativista, não orientem o caminho trilhado pela administração. Aliás, lembrando-se do CNMP é que se afastam as teses despretensiosas de que o Ministério Público, quando exerce a atividade investigativa, o faz sem qualquer controle ou fiscalização. Ao CNMP compete o controle da atuação administrativa e financeira do Ministério Público e do cumprimento dos deveres funcionais de seus membros.

Em síntese, esses foram os principais argumentos que permearam as discussões do tema no âmbito do Poder Legislativo. Em 25 de junho de 2013, o Plenário da Câmara rejeitou a proposta, com a seguinte votação: 9 votos a favor, 430 votos contrários e 2 abstenções. Assentou-se, assim, tal como tem feito o Judiciário brasileiro, a possibilidade da prática de atos de investigação pelo Ministério Público.