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A Imprevisibilidade do Processo Criativo: Contribuições dos Sistemas Complexos à

2. O QUADRO ATUAL: ESTADO DA ARTE

2.2 A Plasticidade da Aquarela: O Aprender

2.2.2 A Imprevisibilidade do Processo Criativo: Contribuições dos Sistemas Complexos à

Para a composição desta subseção basear-nos-e-mos nas contribuições de Blatyta (2008), Fleisher (2009), Leffa (2006), Martins (2009), Oliveira (2009) Paiva (2002, 2009), Souza (2009) e Vetromille-Castro (2009) que têm discutido na LA o processo de aprender com base nas teorias da complexidade e do caos. Contamos com o apoio de conceitos da teoria dos sistemas complexos por considerarmos que o aprendizado de uma língua é influenciado por diversos aspectos para ser explicado somente por uma única teoria (FLEISHER, op.cit; LEFFA, op.cit.; PAIVA, op.cit.) e, engloba fatores que fogem ao controle de regras sistematizadas. Assim, concordamos com Paiva (Ibid.), Fleischer (op.cit) e Halliday (2001 apud MARTINS, op.cit.) que a adoção dessa perspectiva não invalida as demais elaborações teóricas acerca da aquisição de uma LE, pelo contrário, é mais uma contribuição para elucidar o processo de aprender:

Mais do que uma opção metodológica, observar a constituição e a manutenção de grupos de aprendizagem sob a ótica do pensamento complexo tem se mostrado imprescindível, uma vez que inúmeros fatores interpessoais ou externos (características e recursos dos espaços educacionais, faixa etária dos alunos, grau de autonomia no curso, etc.) e intrapessoais ou internos (conhecimento prévio, motivação, aspectos emocionais, etc.), sem falar na forma como as duas classes de

fatores podem se entrelaçar, aparecem com forte influência no processo educacional (VETROMILLE-CASTRO, 2009 p. 116).

Assim como a tinta precisa de uma esfera para se concretizar, o processo de ensino e aprendizagem precisa um do outro para se realizar. Tratamos da aprendizagem neste trabalho em virtude do processo de aprendizagem vivenciado pelos professores participantes durante o tutorial ao terem de lidar com uma nova linguagem (digital) com a qual muitos deles estão pouco familiarizados.

Buscamos o apoio nos recentes diálogos da LA com a teoria dos sistemas complexos (LARSEN-FREEMAN, 1997; LEFFA, 2006; PAIVA, 2001, 2009) por considerarmos o ser humano como um ser complexo, multifacetado, e que a partir de vários sistemas configura-se como indivíduo que deve ser visto de uma perspectiva holística na qual todos seus constituintes devem ser levados em consideração. Assim estamos de acordo com Blatyta (2008, p. 91) que são muitos os fatores e – “em contínua instabilidade” – a serem levados em consideração na relação de indivíduos com o meio ambiente, físico, social, e cultural, “obrigando o ser humano a se equilibrar como um surfista nas ondas” (MATURANA, 1999 apud BLATYTA, 2008, p.91). As ondas representam um sistema em constante mudança e que nos seus altos e baixos encontra-se em harmonia, assim como os sistemas caóticos que veremos a seguir.

A teoria da complexidade abarca princípios de múltiplas teorias, tais como os sistemas complexos, a teoria do caos, o pensamento complexo e a teoria da atividade. Como destacado por Leffa (2006, pp. 29-30), todas essas teorias concordam que tudo está relacionado. Dentre as diferentes contribuições da teoria da complexidade, limitamo-nos a mencionar as contribuições da complexidade com os sistemas complexos e a teoria do caos juntamente com os sistemas caóticos. A seguir apresentaremos os conceitos desses termos para este estudo.

A teoria da complexidade conglomera a teoria do caos (VETROMILLE- CASTRO, 2009) e concentra-se no comportamento de sistemas em constantes mudanças, propondo uma visão holística desses sistemas (SOUZA, 2009). Abaixo segue definição do pensador Morin do que seja a complexidade:

A um primeiro olhar, a complexidade é um tecido (complexus: o que é tecido junto) de constituintes heterogêneas inseparavelmente associadas: ela coloca o paradoxo do uno no múltiplo. Num segundo momento, a complexidade é efetivamente o tecido de acontecimentos, ações, interações, retroações, determinações, acasos, que constituem nosso mundo fenomênico. Mas então a complexidade se apresenta com os traços inquietantes do emaranhado, do inextrincável, da desordem, da

ambiguidade, da incerteza... (MORIN, 2007 apud OLIVEIRA, 2009, p.15, grifo do autor).

A complexidade é, pois um “emaranhado” de partes distintas e desconexas que reunidas formam os “acontecimentos, ações, interações”, gerando um todo – que só tem sentido se visto a partir do seu conjunto e não de seus fragmentos –, os sistemas:

Ao estudar um sistema não é permitido fragmentá-lo em segmentos isolados e depois estudar cada um desses segmentos sem levar em consideração o contexto em que eles estão situados e suas relações com todos os outros segmentos. A soma de cada segmento não reflete a realidade do sistema porque ele é dinâmico e evolui com o tempo à medida que os segmentos vão interagindo uns com os outros e, dessa maneira, introduzindo modificações no próprio sistema (LEFFA, 2006, p. 33).

Dentre as propriedades dos sistemas complexos, Capra (2007 apud NASCIMENTO, 2009, p.62; LEFFA, op.cit.) destaca a capacidade dos sistemas de manterem a mesma estrutura global apesar de suas mudanças contínuas e da dinamicidade de seus elementos constituintes. Nascimento descreve o processo organizativo dos sistemas da seguinte forma: desequilíbrioorganização/reorganização  equilíbrio, etc., num contínuo de mudanças.

Pierre Lévy (2004 apud BLATYTA, 2008, p.92) aponta como características dos sistemas complexos: 1. interdependência; 2. são agitados por multidões variadas de indivíduos cujas interações são parcialmente imprevisíveis e 3. são suscetíveis a uma impermanência radical.

Concordamos com Leffa (2006, p. 33) que o uso da palavra “caos” não deva ser interpretado no sentido de confusão, desordem ou confusão, mas sim como “uma maneira de realçar a complexidade”. Lorenz (1993 apud FLEISHER, 2009, p. 73; PAIVA, 2009) descreve caos como um comportamento que é determinístico, mas não aparenta sê-lo. Assim, “o estado presente determina o estado futuro, mas não parece fazer isso”. Segundo Lorenz (2001, p.157), é ilusão acharmos que alguns fenômenos são regidos por leis deterministas, que agem regularmente, pois no fim acabamos descobrindo que “em determinado momento, seu comportamento é mais irregular do que supúnhamos”.

De acordo com diversos autores (LARSEN-FREEMAN, 1997; LEFFA, 2006; PAIVA, 2002), a teoria do caos estuda sistemas que aparentemente caóticos, são ordenados. Duas características importantes desta teoria são descritas por Leffa (op.cit., pp. 33-34): a reação a qualquer perturbação externa, e a sensibilidade extrema às condições iniciais. A sensibilidade às condições iniciais indicam variações mínimas no início de um processo que

podem levar a “grandes mudanças no sistema”. Segundo Gleick (1987 apud PAIVA, 2009, pp. 192-193) “pequenas diferenças no input [insumo] podem rapidamente se transformar em diferenças espantosas no output [resultado]”, fenômeno conhecido como efeito borboleta (PAIVA, op.cit., p. 193). Relacionando tal conceito com a aprendizagem de uma LE, Paiva (op.cit., pp. 192-193) assevera que “pequenas interferências no sistema podem desencadear experiências bastante significativas e mudar o comportamento do aprendiz”.

O sistema caótico é um sistema complexo, o que indica a imprevisibilidade de sua evolução (LEFFA, op.cit.). Ademais, “são sistemas abertos, vulneráveis e que não oferecem resistência a qualquer perturbação externa” (LEFFA, op.cit., p.34). Alguns exemplos de sistemas complexos de acordo com Leffa (Ibid, p.35) “são o clima, as mudanças de opinião dos eleitores numa eleição, o desenvolvimento urbano ou a aprendizagem de uma língua estrangeira”.

Abaixo apresentamos as principais características dos sistemas caóticos que usaremos neste estudo (baseado em FLEISHER, 2009, com adaptações).

Quadro 5: Características dos Sistemas Caóticos 1. A dependência sensível às condições iniciais (LORENZ, 1993).

2. Um sistema é complexo quando ele engloba um número grande de variáveis ou subsistemas (LORENZ, 1993).

3. A fractalidade diz respeito à dimensionalidade fracionária de certos sistemas, que reflete sua autossimilaridade, onde o todo é composto de partes similares ao todo, mas em menor escala e cada parte é composta de subpartes também similares, mas em escala ainda menor e assim sucessivamente (LORENZ, 1993).

4. Um processo caótico tem um comportamento aparentemente aleatório, mas é na verdade determinado por leis precisas (GLEICK, 1987; LORENZ, 1993; SMITH, 1998).

5. Os sistemas caóticos são não-lineares e seus efeitos não são proporcionais às causas (PAIVA, 2009).

Após termos apresentado os principais conceitos que englobam a teoria da complexidade e a teoria do caos, apresentaremos a aprendizagem de línguas estrangeiras sob esta perspectiva:

[...] um processo (ou projeto, se o virmos da perspectiva do aprendiz) complexo, influenciado por inúmeros fatores. Estes fatores não podem ser reduzidos a relações lineares individuais, ou seja, uma causa (tal como um método, uma tarefa, um exemplo, uma repetição) e um subsequente efeito (uma palavra ou estrutura memorizada, o uso espontâneo no discurso de um item-alvo, uma resposta correta

em uma prova, etc.) (VAN LIER, 2004 apud FLEISHER, 2009 p. 80, grifos do autor).

Leffa (2006, p. 28) defende que a aprendizagem de uma língua é um “fenômeno duplamente complexo”: internamente “nas relações que precisa estabelecer entre os elementos do sistema linguístico (a fonologia com a morfologia, a sintaxe com a semântica, a fonologia com o discurso”, e externamente, “nas relações que estabelece com outros sistemas”. Podemos dizer que a aprendizagem como um todo é um fenômeno complexo. O aprendiz precisa lidar com uma série de questões enquanto vivencia esse processo, as quais podem influenciar diretamente o seu desenvolvimento ou promover seu desinteresse. Ao trabalharmos com o uso de TICs no contexto pesquisado, vimos algumas das questões a influenciarem os professores participantes neste processo.

Vetromille-Castro (2009, pp. 118-127) traz fecundas conexões entre o processo de ensinar e aprender e as teorias da complexidade e do caos. Dentre suas colaborações apontamos: a) a não-linearidade da construção do conhecimento - “a aprendizagem não acompanha uma ordem ou sequência que se encaixe em todo e qualquer contexto educacional”; b) a imprevisibilidade - “não há como prever que, seguindo os passos X, Y e Z, o aluno „aprenderá‟”; c) as condições iniciais – chamadas pelo autor de comportamento sistêmico - predominantes no início de um curso influenciam a atuação dos indivíduos ao longo do curso; d) cada turma, grupo de alunos ou professores é único em sua configuração sócio-sistêmico-contextual35 - o que demanda a análise individual de turmas e grupos frente a dificuldade de fazer generalizações, pois cada grupo segue sua própria configuração e por isso, demanda ações distintas.

Harshbarger (2007) citado por Fleischer (2009, p.81) propõe um modelo dinâmico de aprendizagem de línguas baseado nas seguintes características:

1. Não-linearidade: a aprendizagem ocorre de forma errática, cíclica e dinâmica, embora a longo prazo seja possível perceber uma tendência à maior estabilidade das informações, habilidades e atitudes.

2. Previsibilidade limitada: o processo global de aprendizagem segue uma direção mais ou menos previsível e alguns estados “atratores” do processo

35Termo cunhado por Vetromille-Castro (2009) para dirigir-se a aspectos referentes às individualidades (valores,

conhecimento prévio, motivação), às interações entre os sujeitos, à forma como as interações constituem espaços de troca, às ferramentas/recursos disponíveis e/ou utilizados, dentre outros aspectos sociais, sistêmicos e contextuais que influenciam o processo de formação/manutenção/funcionamento/dissolução de determinado grupo.

podem ser presumidos, mas avanços específicos na aprendizagem só podem ser definidos de forma parcial e temporária.

3. Complexidade: grande número de variáveis que interagem de formas complexas.

4. Difícil controle: mecanismos de controle de causa/efeito raramente produzem resultados fixos e reproduzíveis.

5. Susceptibilidade a influências externas, isto é, do contexto.

6. Opacidade: só se pode observar o processo de formas indiretas, parciais e temporárias como, por exemplo, através do comportamento do aprendiz e de seus resultados em provas.

Podemos notar que várias das características propostas por Harshbarger (2007) para seu modelo foram apontadas por Vetromille-Castro (2009). Dentre elas, destacamos: a não-linearidade da aprendizagem; a previsibilidade limitada do processo de aprendizagem; a complexidade do processo de aprender e a susceptibilidade a influências externas. O modelo proposto por Harshbarger (op.cit.) será retomado em nossa análise, onde o nosso foco é a aprendizagem de professores de LE, cremos que o modelo dinâmico do referido autor poderá nos guiar nas incertezas e imprevisibilidades do processo de aprendizagem deles.

Martins (2009, pp. 149-165) propõe uma série de “Condições da Complexidade” identificadas por Davis e Simmt (2003). O autor também recorre aos estudos de Bowsfield (2004) Sumara e Davis (2006) e van Lier (1996) para auxiliá-lo na descrição de cada uma dessas cinco condições, consideradas como necessárias para que sistemas de aprendizagem possam surgir e manter sua coerência em contextos dinâmicos.

Quadro 6: Condições Da Complexidade Necessárias aos Sistemas de Aprendizagem

Denominação Explicação

1. Diversidade interna Ligada à extensão de interações possíveis e, assim,

à extensão de experiências e habilidades dos participantes (ex. estilo e preferências individuais e habilidade dos agentes).

2. Redundância A sala de aula é marcada não só pela diferença,

mas pela semelhança entre seus componentes. A sala de aula agrega indivíduos que estão juntos com objetivos em comum.

3. Controle descentralizado Compartilhamento de projetos onde todos os agentes, estudantes, e professores tornem-se aprendizes na sala de aula.

4. Restrições possibilitadoras A interação dinâmica entre o controle excessivo e

concessões.

Nesta subseção procuramos fazer uma ponte entre a teoria da complexidade, com as contribuições da teoria do caos e dos sistemas caóticos e complexos, a partir de discussões sobre essa ciência na aquisição de LE. Explicitamos vários fatores que apontam a necessidade de se levar em conta a aprendizagem como um sistema complexo, não-linear, imprevisível, sujeito às condições iniciais, aberto e suscetível a múltiplas reações externas. Diante de tantas questões que fogem ao controle do professor, percebemos a necessidade deste tornar-se cada vez mais maleável e flexível a fim de lidar com essas variáveis e com as novas exigências da profissão:

Além do bom domínio dos conteúdos que veicula em sua sala de aula, o professor deve estar pronto para lidar com o imprevisto – uma questão que não tinha sido planejada, uma curiosidade que não deve ser abafada, uma necessidade que precisa ser atendida, uma bela produção que deve ser compartilhada, assim, sem mais nem menos, de repente, sem aviso prévio, como na vida real. Deixar o imprevisto ocupar espaço na sala de aula pode ser proveitoso para se aprender a lidar com o mesmo, ganhando, tanto o professor quanto os alunos (pelo exemplo) a flexibilidade necessária para se enfrentar as incertezas que o mundo nos reserva (BLATYTA, 2008, p.113).

Encerramos esta subseção dedicada à aprendizagem com uma sábia colocação de Martins (2009, p.164) que vem para nos relembrar que o processo de ensino/aprendizagem envolve múltiplos elementos que são incontroláveis, por mais que nos esforcemos a dominá- los: “o professor não controla a empatia entre os alunos, as parcerias preferenciais, os estilos individuais, as motivações e, mesmo que deseje profundamente, não controla a aprendizagem de seus alunos”.

A próxima seção deste capítulo abordará a tecnologia e seu papel na educação contemporânea, representando uma forte aliada para o encaminhamento de um processo de ensino/aprendizagem cada vez mais voltado para a aprendizagem. Assim, levando em consideração as contribuições da teoria sociointeracionista vygotskiana, a importância da interação para a aquisição de uma LE e a relação entre aprendizagem e as teorias da complexidade, prosseguiremos nossa fundamentação teórica abordando nosso último tema, a tecnologia na educação.