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2. O QUADRO ATUAL: ESTADO DA ARTE

2.3 ARTE APLICADA: TECNOLOGIA E EDUCAÇÃO

2.3.3 Desafios na Adoção de Práticas Inovadoras

Apesar da antiguidade da tecnologia para o desempenho de diversas tarefas, na educação sua penetração tem sido pequena se comparada a outras áreas de atuação tais como a medicina ou a engenharia (PAPERT, 1994, pp. 9-11). O autor lança mão de uma parábola para comparar o avanço de diversas áreas à educacional. Para tanto, ele usa a imagem do professor viajante no tempo transportado cem anos no futuro. Guardadas as devidas proporções e alterações no conteúdo, as dificuldades em lecionar seriam pequenas tendo em vista que a maioria dos professores ainda leciona como se fazia há 100 anos; e acrescenta que “ele não precisaria, de forma alguma, reaprender a exercer sua profissão”.

Várias metáforas são usadas para descrever o ensino na atualidade. Vilson Leffa (2001) usa a imagem do professor congelado que ao retornar a vida após cem anos se depara com a escola do mesmo jeito que havia deixado-a. Braga Norte (1997) e Ribeiro

(2009) também recorrem a essas metáforas para descreverem a condição do ensino atual que se mantém inalterado. Na construção dessa aquarela temos apresentado diversas razões que apontam a necessidade de se rever o ensino de línguas nas escolas brasileiras. Nesta última parte sobre o estado da arte apresentamos os principais obstáculos na implantação de práticas inovadoras nas escolas. Para tanto nos apoiamos nos estudos de Brasil (2008), Lampert (2000), de Sandholtz, Ringstaff e Dwyer (1997), de Mateus (2004), de Valente (2009), e em estudo da UNESCO (PELGRUM e LAW, 2003) acerca da implantação de TICs em contextos escolares.

Concordamos com Lampert (2000, p. 34) que as inovações na escola devem ser pautadas pelas “necessidades, desejos e expectativas dos educandos”. O autor (op.cit.) considera inovar como “reelaborar, reconstituir, reescrever, acrescentar”. Através da ação, busca-se alcançar mudanças no ensino, de modo a tornar a “aprendizagem mais dinâmica, interessante, prazerosa e menos cansativa, estafante e obrigatória”.

Consideramos o conceito de inovação esboçado por Lampert (op.cit.) essencial para a construção desta subseção que visa mostrar a importância dos papéis do professor, da equipe gestora, bem como do devido aparelhamento da escola e treinamento do corpo docente para que a adoção de práticas envolvendo o uso de TICs frutifique e não seja uma experiência frustrante.

Vemos na adoção de tecnologias digitais no ensino de línguas mais um instrumento para auxiliar professores na sua profissão. Ademais, concordamos com diversos autores (BRASIL, 2008; LACERDA SANTOS et.al., 2003; LAMPERT, 2000; LUCK, 1985; MORAN, 2003; SANDHOLTZ, RINGSTAFF e DWYER, 1997; PAIVA, 2008; PELGRUM e LAW, 2003; VALENTE, 2009) que discorrem a respeito das vantagens que o uso de computadores pode trazer para a aprendizagem. Porém, assim como os autores supracitados afirmam, sabemos que o potencial que computadores, a Internet e materiais eletrônicos contêm, não é por si só suficiente para garantir a mudança no paradigma de ensino de caráter tradicional para um de caráter comunicativo. Assim, antes de acharmos que a tecnologia e inserção de diversos equipamentos eletrônicos resolverão todos os problemas da escola, faz-se necessário repensar a escola como um todo: as abordagens de ensinar dos professores, a cultura da escola, a abordagem dos autores do material didático adotado pela escola, as necessidades do alunado, as potencialidades do corpo docente, o posicionamento da equipe gestora, as lideranças presentes na escola. A inserção de tecnologias na educação perpassa vários setores da escola e pode vir a suceder dependendo de como o diálogo entre as diferentes instâncias constituintes da arena escolar se suceder.

As verdadeiras inovações conforme afirma Luck (1985 apud LAMPERT, 2000, pp.32-33) são as que “envolvem mudanças de pressupostos e atitudes com relação ao ensino, a serem expressos não no plano individual, mas sim de grupo”. Segundo estudo brasileiro da Câmara dos Deputados, grande parte do desafio depende do professor:

[...] o desafio está nas mãos do professor. Se ele não muda sua prática, se a cultura escolar não é alterada, se as relações entre alunos e entre alunos e professor permanecem imperturbáveis, a máquina por si só faz quase nada para revolucionar a educação (BRASIL, 2008, pp. 142-143).

Na implantação de quaisquer tipos de prática inovadora, os professores representam elemento chave. Vários estudos destacam o papel fundamental do professor para que mudanças ocorram no ambiente escolar (ALMEIDA FILHO, 1997; ALVARENGA, 1999; BRASIL, 2008; LAMPERT, op.cit.; LACERDA SANTOS, 2003; LITWIN, 1997; MORAN, 2003; SANDHOLTZ, RINGSTAFF e DWYER, 1997; VIEIRA, 2003).

Todavia, assim como múltiplos estudos ratificam o papel essencial dos professores, eles também apontam diversas barreiras e obstáculos que professores e escolas impõem a fim de frear a entrada de novas práticas educacionais45. A seguir, trataremos a respeito de alguns dos obstáculos que envolvem a implantação das TICs em escolas.

A escola tem sido retratada na literatura como um espaço resistente a mudanças (ALONSO, 2003; BRASIL, op.cit.; LACERDA SANTOS, op.cit.; LAMPERT, op.cit.; MORAN, op.cit.; SANDHOLTZ, RINGSTAFF e DWYER, op.cit.). Segundo Lampert (op.cit., p. 24) é natural que alguma resistência ocorra visto que a novidade traz instabilidade, nos tira de posições confortáveis, pois exigem de nós um novo posicionamento, novas atitudes, novas demandas. Tudo isso acaba gerando nas pessoas “certo desconforto, insegurança, instabilidade e reações adversas”. O autor também ressalta que “a oposição é inerente à própria inovação, nem sempre é consciente”. Outro fator destacado por Hargreaves (1994 apud, LAMPERT, Ibid.) e que corrobora a resistência oferecida por parte da escola na implantação de novas práticas diz respeito ao incremento de trabalho que pode ocorrer em consequência de se ter de lidar com algo novo e que muitas vezes exige maior dedicação e preparo do que as práticas habituais, especialmente quando envolvem o uso de tecnologias, e pela falta de políticas compensatórias no interior da escola, como por exemplo, a flexibilização do horário dos professores que trabalhem com o desenvolvimento de projetos inovadores.

45 Existem várias possibilidades de inovações escolares, contudo, consideramos prática inovadora neste estudo a

Há também os professores que decidem propor práticas inovadoras no âmbito institucional. O apoio a essas iniciativas varia, sendo que no seio da própria escola pode-se encontrar a resistência por parte dos pares como ressalta Lampert (Ibid.). Entretanto nem só de resistências vive a escola, há também os pares que apóiam as iniciativas de seus colegas. Tais iniciativas devem ser valorizadas pela escola, pois são pensadas e criadas “no interior da escola [...] e geralmente nascem da necessidade de um problema local ser equacionado” (LAMPERT, op.cit., p.36).

A questão de muitas mudanças para a escola serem propostas por pessoas que vêm de fora (tais como pesquisadores, reformadores, especialistas, políticos) gera um descompasso entre a realidade e necessidades da escola e as expectativas de pessoas encarregadas de elaborar projetos educacionais. Tais políticas, de caráter top-down (de cima para baixo) podem soar mais como imposições do que como propostas. Ainda mais quando se chega com tudo pronto e espera-se do professor que ele aceite aquela proposta sem dar seu parecer sobre a mesma. Por isso, faz-se necessário o trabalho em conjunto entre as diversas esferas educacionais: professores, especialistas, equipe gestora, como salientam Sandholtz, Ringstaff e Dwyer (1997). Litwin (1997) dá destaque à importância de pensar as inovações dentro de contextos educacionais específicos, a fim de ter uma efetiva implantação ao levar em consideração as especificidades daquele contexto. Ademais, é uma forma de gestar a inovação dentro da própria escola e de envolver a comunidade escolar no seu desenvolvimento (BRASIL, 2008).

Sandholtz, Ringstaff e Dwyer (op.cit., p. 163) apontam algumas crenças arraigadas dos professores como obstáculo para o diálogo acerca de inovações. Dentre essas crenças, os autores citam: as crenças sobre os papéis do professor e do aluno, sobre a natureza da aprendizagem e sobre a tecnologia.

Moran (2003) mostra o descompasso entre a escola e a realidade que a circunda como outro obstáculo que impede a escola de acompanhar e antecipar as mudanças na sociedade e consequentemente no mercado de trabalho. Como resultado, as instituições de ensino encontram-se distanciadas do mundo, mantendo um formato de ensino que não se adéqua mais às necessidades da sociedade contemporânea.

Quanto à adoção de tecnologias na educação é compreensível a reticência dos docentes em usar os recursos tecnológicos. Grande parte dos professores em serviço faz parte de uma geração que não está acostumada a fazer uso massivo de computadores. Como imigrantes digitais, é compreensível o receio desses professores em usarem essas ferramentas, tendo em vista que eles próprios aprenderam de outra forma, e sem a utilização desses

aparatos. As universidades brasileiras reformularam seu currículo recentemente de modo a incluir disciplinas na modalidade a distância, reconhecendo a importância da Internet como mediadora da comunicação professor e aluno. Todavia, essas medidas são recentes, assim como a redução dos preços de computadores e do custo de acesso à rede mundial. Diante disso, é de se esperar dos professores que eles estranhem e boicotem o uso de computadores nas salas de aula, bem como que eles repitam digitalmente o que fazem tradicionalmente, pois foi dessa maneira que eles foram ensinados.

A valorização da autonomia do professor no lugar de se valorizar as práticas de trabalho colaborativas é outro impedimento na adoção de tecnologia na escola. Em estudo sobre a implantação de salas de aula ricas em tecnologia, Sandholtz, Ringstaff e Dwyer (1997) observaram que ao se reestruturar a escola, o costume dos professores de trabalhar de forma isolada impediu o desenvolvimento de formas de trabalho que se apoiassem na troca de ideias entre colegas, na observação de aulas, e na reflexão sobre a própria prática de ensino. A formação de equipes é sugerida pelos autores como forma de promover o compartilhamento de experiências e de crescimento conjunto dos professores.

O trabalho colaborativo é essencial para o sucesso da adoção de práticas inovadoras segundo defendem os autores supracitados: “a mudança ocorre mais rapidamente em ambientes nos quais a inovação e a troca de informações e experiências entre os professores ocorram simultaneamente, uma promovendo a outra” (SANDHOLTZ, RINGSTAFF e DWYER, op.cit., p.19). Para o desenvolvimento de trabalho colaborativo deve-se enfatizar “um clima humano de coleguismo, de confiança, e esquematizar procedimentos capazes de vencer as resistências e obstáculos”, a fim de se alcançar uma efetiva inovação na escola que “não poderá ser um patrimônio de uma pessoa isolada, mas realiza-se através do comportamento coletivo” (LAMPERT, 2000, p.30).

Lampert (op.cit., p. 29) apresenta os principais obstáculos na implantação de práticas inovadoras encontrados em escolas:

 Ausência de um plano de mudança, ou seja, saber qual a meta a que se dirige a mudança;

 Introduz-se uma ligeira inovação e depois não há preocupação com a sua operacionalização;

 Os reformadores têm a ideia de que os professores são resistentes às mudanças e os culpam pelas dificuldades na interpretação;

Tais elementos devem ser levados em consideração no planejamento de um plano de ação visando à integração de novas práticas. Em relação à adoção de TICs na escola, além dos fatores postulados acima, ainda há de se levar em consideração os seguintes aspectos (BRASIL, 2008, p.68):

 Suporte técnico insuficiente;

 Falta de tempo do docente para explorar e aprender a tecnologia;  Necessidade de capacitação profissional mais personalizada.

Na área de pesquisa do ensino de línguas, Bax (2003, apud PAIVA, 2008, p. 12) propõe sete estágios para a normalização das atividades no ensino de línguas mediado por computadores: 1. Surgem os primeiros adeptos e alguns professores adotam a tecnologia por curiosidade; 2. A maioria das pessoas ignora a tecnologia ou demonstra ceticismo; 3. As pessoas experimentam a tecnologia, mas podem vir a rejeitá-la frente os primeiros obstáculos; 4. Os professores tentam novamente usar a tecnologia pelo convencimento de alguém e conseguem ver algum resultado; 5. Mais pessoas estão usando a tecnologia, porém ainda existe o medo e expectativas exageradas; 6. A tecnologia passa a ser vista como algo normal e 7. A tecnologia integra-se ao ensino e torna-se invisível, normalizada.

Retomaremos na análise os obstáculos colocados por Lampert (op.cit.), as barreiras técnicas levantadas pelo estudo brasileiro acerca de adoção de TICs (BRASIL, op.cit.) e os sete estágios propostos por Bax (2003) a fim de situarmos a escola em estudo.

Na implantação de inovações é preciso percorrer um longo caminho, cheio de idas e vindas, complexo, não-linear e sem garantia de que se alcançará uma mudança profunda na organização escolar. Assim, na adoção de tecnologias no ambiente escolar, Moran (2003) e Sandholtz, Ringstaff e Dwyer (1997) apontam que até se alcançar alterações na abordagem de ensinar do professor e estes mudarem a perspectiva do ensinar para o aprender, enfocando a atuação ativa dos aprendentes, demanda tempo e o processo passa por diversas fases. Desta forma, é normal que no início da adoção de tecnologias, os professores exijam o componente técnico através de treinamentos nos quais aprendam a usar os equipamentos em questão. Os treinamentos podem ajudar a aumentar a confiança e reduzir o estresse, como frisam os autores, porém só o componente técnico não será capaz de efetivar a mudança, sendo necessária a imersão dos professores num “ambiente que construa os elos entre a tecnologia, a instrução e a aprendizagem” (SANDHOLTZ, RINGSTAFF e DWYER, op.cit., p.61). Moran (2003, p.171) afirma que inicialmente professores usam a tecnologia

para repetir o que já faziam tradicionalmente, faltando ainda “o domínio técnico-pedagógico que lhes permitirá [...] modificar e inovar os processos de ensino e aprendizagem”.

Pelgrum e Law (2003) ressaltam que o desenvolvimento dos professores e demais profissionais envolvidos na implantação requer uma formação inicial, constantes atualizações relacionadas ao conhecimento e habilidades em TICs, além de uma formação continuada que abarque não só questões tecnológicas, mas envolva também mudanças curriculares e práticas pedagógicas na integração da tecnologia no processo educacional.

Com o intuito de integrar a tecnologia a práticas educacionais de caráter construtivista, Sandholtz, Ringstaff e Dwyer (op.cit.) discorrem acerca do acompanhamento e apoio aos professores durante o processo de adoção de novas práticas. Para os autores, esse acompanhamento deve ir muito além de simplesmente “oferecer oficinas de curta duração aos professores”. Os autores sugerem a criação de novas formas de aperfeiçoamento profissional, de preferência que beneficiem o trabalho em conjunto, a reflexão e a criação de projetos que possam ser usados em sala de aula. Nessa mesma direção seguem Pelgrum e Law (2003) que defendem que a implementação de mudanças exige o desenvolvimento continuado da equipe escolar, portais educacionais na Internet visando ao compartilhamento de fontes, experiências, materiais, bem como medidas de apoio aos alunos que à medida que vão se tornando mais independentes e autônomos no processo de aprendizagem, precisarão de um apoio que extrapola o contato direto e pessoal e demanda por novos meios de comunicação.

Grosso modo, a adoção de TICs na educação vai além da aquisição de produtos informáticos caros. Ela passa por um processo de formação de professores de natureza continuada e pode implicar em mudanças no ensino, ao descentralizar o foco do processo de ensino da figura do professor e focalizar o aluno. Sobre a urgência da escola de mudar seu modelo tradicional de ensino e o uso de TE, Lacerda Santos e Moraes (2003, p. 40) colocam que:

A escola percebe que são necessárias mudanças, novas atitudes docentes são exigidas e que é fundamental refletir e analisar a maneira tradicional de produzir e transmitir conhecimentos. Pensar educação, hoje, portanto não é apenas adaptar procedimentos, mas, sobretudo, repensar e reinventar a aprendizagem e o ensino a fim de enfrentar desafios representados pela cultura contemporânea e pela emergência de um novo leitor e observador.

No desenvolvimento e na implantação de contextos ricos em tecnologia deve ser ressaltado o papel que as equipes gestoras desempenham como “limitador ou promotor de mudanças” (BRASIL, 2008, p. 66-67). Gestores escolares que apóiam projetos de inovação

exercem papel de influência sobre os demais professores. O apoio de lideranças da escola também é crucial para sua adesão em maior escala.

Tendo em vista que o objetivo deste estudo é o de fomentar a formação de professores de línguas em serviço no uso de TE, além de focalizarmos o manuseio de recursos tecnológicos, também oferecemos subsídios que levassem os professores à reflexão sobre por que utilizar as TICS na educação. Ademais, houve a preocupação de se produzir material didático em formato eletrônico para uso na sala de aula.