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A (IN) EFETIVIDADE DA TUTELA JURISDICIONAL EXECUTIVA

5.1 A força das decisões judiciais – a questão da executividade intrínseca

O rompimento da dicotomia entre cognição e execução apenas legitimou o procedimento executivo, diferenciado por uma característica que alguns provimentos judiciais já apresentavam: a autoexecutividade.

Importa remontar ao exposto em momento anterior acerca da “classificação” das sentenças. Não há sentença que possa ser classificada como “executiva lato sensu”, porquanto executivo, em sentido lato, é característica do procedimento, da forma que o desencadeamento dos atos processuais assume no processo, e não se coaduna com uma possível “força” contida em uma sentença.

Nessa esteira, também se afirmou que as sentenças mandamentais, por produzirem efeitos no plano empírico, têm eficácia executiva, independentemente de mostrar gritante força “ordenatória”; e isso se deve em razão de a ordem nela contida implicar o cumprimento de um fazer, uma abstenção, uma entrega, etc. Assim, a sentença denominada mandamental também é executiva, em razão de seus efeitos. Em contrapartida, naquelas denominadas, por parte da doutrina, como executivas lato sensu, reside respeitável eficácia mandamental.

Inquestionavelmente, a força proveniente desses provimentos, que se realizam em decorrência de um comando judicial – como a sentença de reintegração de posse, do despejo, do mandado de segurança, etc. – provém da ordem contida

no ato sentencial que, implicitamente, quer dizer ao devedor que a vontade soberana do Estado deve ser fielmente cumprida.

Segundo acentua José Alberto dos Reis:

A sentença de condenação contém, além de um juízo lógico, um acto de vontade; o juiz exerce aí, além da actividade de conhecimento, a actividade volitiva.

[...]

O juiz, mesmo na sentença de simples declaração, não se limita a raciocinar; depois de estabelecer as premissas e de tirar a conclusão imprime a esta o carácter e a força de uma decisão proferida em nome do Estado para ser acatada pelos interessados. Quer dizer, o magistrado não se fica no domínio do puro juízo lógico, como qualquer júris-consulto ou profissional do direito quando é consultado por um cliente; não se contenta em emitir um parecer; vai mais longe: profere uma decisão de caráter obrigatório, um verdadeiro comando, que é a expressão característica de uma ato de vontade. 182

A despeito desse pensar, a doutrina clássica negou o caráter ordenatório contido nas sentenças judiciais durante muito tempo, como se extrai do pensamento de Liebman:

Não é função do juiz expedir ordens às partes, e sim unicamente declarar qual é a situação existente entre elas segundo o direito vigente. Idêntico é, nesse terreno, o conteúdo da sentença declaratória e da condenatória. 183

182 REIS, op. cit., p. 85.

Bem por isso, a questão do descumprimento dos comandos contidos nas sentenças executivas tem sido mal compreendida. Mais. As discussões acerca dessa problemática resvalam em argumentos totalmente dissociados da verdade jurídica do sistema processual brasileiro, como se pretende demonstrar nos capítulos que seguem.

5.2 A ordem judicial: eficácia mandamental contida nos provimentos executivos

Ao utilizar-se do termo “cumprimento” para as obrigações tuteladas pelos arts. 461 e 461-A, e do termo “execução”, para a obrigação de pagar quantia (art. 475-I), teria pretendido o legislador retirar do provimento que determina o pagamento por quantia uma possível eficácia mandamental? Nessa esteira, teria pretendido, ainda, afastar desses provimentos a possibilidade de aplicação das medidas coercitivas de que trata o § 5º do art. 461?

De qualquer modo, se essa era a vontade do legislador – depois de tantos anos da vigência do art. 461, com a redação que lhe foi dada pela Lei n. 8.952/94 e Lei n. 10.444/02 – a nova sistemática da execução teria se apresentado contrária à reforma iniciada, pois a doutrina se esmerou em defender a executividade lato sensu dos provimentos judiciais baseados no art. 461.

Mas o legislador, nesse aspecto, ainda pecou mais uma vez, pois a distinção efetuada no art. 475-I foi esquecida no art. 475-N, inc. I, que impõe a existência de título executivo para a “execução” (?) das obrigações de fazer, não

fazer, entregar coisa ou pagar quantia, conferindo às sentenças judiciais natureza análoga.

Bem observa Barbosa Moreira, com a agudeza que lhe é peculiar:

Ora, se todas as sentenças são ‘títulos executivos judiciais’, conclui- se que todas elas servem de base a execução! Com efeito, a locução ‘título executivo’ significa, e só pode significar, título hábil para dar fundamento a uma execução. Assim, o conceito de execução, expulso pela porta, volta pela janela ao recinto onde se situam as sentenças atinentes a obrigações que não são ‘por quantia certa’. [...] Para cada espécie, naturalmente, haverá uma determinada modalidade de execução; isso, contudo, não altera em substância os termos da equação. 184

O ambicionado tratamento uniforme para os provimentos executivos deve se estender a todos aqueles que se afigurem como tal. Se a natureza mandamental da sentença que determina a obrigação de não fazer, sob pena de multa, é reconhecida, e sua realização procede por “cumprimento”, como disposto no art. 461, não há razão plausível para afastar dos provimentos que determinam o pagamento de quantia, certa eficácia mandamental.

Pontua o processualista Cássio Scarpinella Bueno:

Não há razão para negar a existência da ordem contida no

reconhecimento (declaração) judicial de que alguém deve alguma

prestação a outrem, independentemente da modalidade obrigacional. Seja um pagamento de soma em dinheiro, que é a modalidade obrigacional que interessa ao presente estudo, seja um

184 MOREIRA, José Carlos Barbosa. “Cumprimento” e “execução” de sentença: necessidade de

esclarecimentos conceituais. In: DIDIER, Fredie. (Org.) Leituras complementares de processo civil. 5ª Ed. Salvador: Edições Juspodivum, 2007. p. 343.

fazer ou um não fazer, seja para entregar algum bem (art. 475-I), é importante que se compreenda que o juiz manda quando decide. 185

Tal observação resgata um predicado intrínseco ao provimento judicial executivo: a ordem nele contida.

Etimologicamente, o vocábulo “ordenar” promana do latim ordinare, que agasalha o sentido de regular, organizar, arranjar ou “pôr ordem”, o que pressupõe o exercício do mando. Donde o sentido de mandar.186

Tal significado faz muito sentido quando se confronta a ordem emitida pelo juiz com a necessidade da pacificação social; ou seja, cabe ao juiz organizar a sociedade (por ordem).

É possível conjecturar que, se o juiz diz o direito, e esse é essencialmente coercível187, então o juiz ordena (imperativamente) sob pena da realização de uma sanção, em sentido amplo. Daí o conteúdo mandamental que anima todos os provimentos jurisdicionais.

Até mesmo os provimentos declaratórios guardam certa carga de mandamentalidade, característica evidenciada por Pontes de Miranda188, que atribuiu o peso quatro de eficácia mandamental às sentenças declarativas.

Nos provimentos judiciais executivos, apontados como tal em capítulo anterior, a mandamentalidade se apresenta em maior grau de eficácia, mesmo que em um provimento judicial exequível por sub-rogação, o que prova que a pedra de toque da sentença mandamental é sua executividade, dada sua capacidade de

185 BUENO, Cássio Scarpinella. Novas variações sobre a multa do art. 475-J do CPC. In: WAMBIER,

Teresa Arruda Alvim; BUENO, Cássio Scarpinella (Coords). Aspectos polêmicos da nova execução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, v. 4. p. 66.

186 HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles; FRANCO, Francisco Manoel de Mello. Dicionário

Houaiss de língua portuguesa. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. p. 2.077.

187 A esse respeito, ver DEL VECCHIO, Giorgio. Lições de filosofia do Direito. Coimbra: Ed. Armênio

Amado, 1972. pp. 128 e 129.

causar repercussão física, motivo que leva sua inserção na categoria das sentenças executivas.

Nesse passo, é oportuno considerar que os provimentos com eficácia mandamental, no modo como se exibe no direito brasileiro, se aproxima – e muito mais do que se imagina – das injunctions e dos writs inseridos nos sistemas jurídicos da família da common law.

Ao estudar em profundidade o poder geral de cautela do juiz, Galeno Lacerda189

demonstrou que sua origem se encontra nos interditos romanos, já esmiuçados em outras páginas. O mestre estabelece estreita relação entre os interditos romanos, enquanto provimento de natureza mandamental, e os writs da Inglaterra.

Ressalta que tal derivação é caracterizada pela permanência, até os dias atuais, no procedimento anglo-americano, de expressões latinas próprias dos interditos romanos, como o mandamus e o habeas corpus. O autor ressalta, por igual, as injunctions, como remédio processual com evidentes raízes nos interditos romanos.190

Outrossim, a doutrina mais recente, que tem aprofundado os estudos da tutela mandamental, também identifica a proximidade entre o common law e o sistema romano-germânico.

Fabrício Camerini tece importantes considerações acerca dos pontos de convergência entre as ordens emanadas dos juízes do common law e aquelas tratadas no sistema processual brasileiro.

O doutrinador gaúcho pontua:

189 LACERDA, Galeno. Comentários ao código de Processo Civil. 7ª Ed. Rio de Janeiro: Forense,

1998, v. 8. pp. 100-101.

[...] revela-se sintomático que até mesmo Kuttner, cujas idéias foram a fonte inspiradora de Pontes de Miranda, fizesse expressa referência aos writs e às injunctions encontradas no common law, o que certamente legitima a vinculação entre a tutela mandamental como a concebemos e as eficácias das decisões proferidas na jurisdição de equity.

Daí a certeza da conveniência em estabelecer os pontos de intersecção entre esses dois sistemas, aparentemente tão díspares. Da constatação da raiz comum dos interditos e do imperium, fica mais palatável a análise do comportamento das medidas executivas de apoio utilizadas no common law, que para o juiz brasileiro, precipitadamente, poderiam parecer drásticas e arbitrárias, embora comprovadamente mais eficazes que as nossas.

5.3 A almejada frutuosidade da tutela executiva

Segundo explica Liebman191, a execução pode ser possível ou impossível, e frutífera ou infrutífera.

Em muitos casos, o órgão judicial não pode, nem mesmo com o emprego da força, satisfazer na forma específica o direito do credor. De modo que não haveria outra solução para operar a satisfatividade do credor a não ser recorrer

à satisfação da obrigação derivada da reparação de dano, na forma da execução por quantia certa.192

Assim, se é impossível a execução na forma específica, a execução por quantia certa não depararia com os obstáculos que podem tornar impossível o emprego dos outros meios executivos. Dessa forma, ela seria, em tese, sempre possível.

Porém, mesmo a execução por quantia certa pode encontrar algumas limitações de ordem prática: a ausência de patrimônio suficiente em propriedade do devedor. Ou seja, enquanto houver bens a serem expropriados, haverá a satisfatividade, em potencial, do credor, pois a execução será frutífera. Mas, se por alguma razão, não houver bens disponíveis, mesmo diante de uma tutela jurisdicional satisfativa, a execução se revelará infrutífera.

Liebman193 observa que, na execução infrutífera para o credor, seu

crédito ainda sobrevive, mesmo depois de extinto o processo de execução, em razão da eficácia do título executivo, dando a entender que, no futuro, possa ocorrer a expropriação, conforme a condição econômica do executado.

No entanto, de nada adianta ao credor a sentença condenatória, com eficácia de título executivo, sem a realização do crédito no plano da realidade; ou seja, sem a tutela executiva satisfativa.

A tutela executiva somente é satisfativa, se frutífera. Pensar em tutela condenatória satisfativa – porque gerou um título executivo –, que, no entanto, não é frutífera porquanto impossível a execução, é o mesmo que tentar mascarar a total inefetividade de uma tutela jurisdicional, mudando-lhe o nome.

192 LIEBMAN, Processo de execução, cit., p. 38. 193 Ibid., p. 39.

A tutela jurisdicional que determina o pagamento, a entrega da coisa ou o dever de fazer, ou não fazer, deve produzir os efeitos esperados, por isso é executiva; se não o fizer, mesmo diante da flagrante higidez patrimonial do executado, ela se patenteia carente de efetividade, portanto ofensiva ao direito fundamental prescrito no art. 5º, inc. XXXV, da CF.

Desse modo, frutífera é a execução que proporciona a satisfatividade

real para o exequente, pois realizada mediante efetivação do provimento

jurisdicional.

5.4 O Contempt of Court no procedimento executivo e a premente necessidade de preservação da dignidade da justiça

O momento mais propício para o obrigado tentar esquivar-se do cumprimento da obrigação, reconhecida judicialmente, é o da execução. Nos dias atuais, aquilo que deveria ser mais temido pelo devedor, qual seja, a mão do Estado-juiz com sua força imperativa, tornou-se situação confortável e segura, pois ele tem a seu favor a morosidade da máquina do Judiciário e a notória ineficácia dos meios sancionatórios.

Como bem lembra o Prof. Donaldo Armelin194, somente diante da carência de higidez patrimonial do devedor, a considerar que, em última instância, a execução esbarra em seu patrimônio, o Estado-Juiz estaria inapto a proporcionar a tutela executiva efetiva. Ou seja, não há remédio para a falta de patrimônio

194 ARMELIN, Donaldo. Uma mirada sobre a reforma da execução civil no CPC. In: ARMELIN,

Donaldo; BONÍCIO, Marcelo J. M.; CIANCI, Mirna; QUARTIERI, Rita. Comentários à execução civil. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 5.

suficiente para adimplir a dívida ou reparar o dano, pois a responsabilidade não pode passar da pessoa do devedor.

No entanto, é possível incrementar as medidas executivas para torná- las mais eficazes e impedir a chicana do devedor durante a execução, ou seja, ao coibir os abusos praticados no processo executivo, pode-se conferir maior efetividade à tutela executiva.

O contido no art. 599 do CPC deixa patente a intenção de resguardar a autoridade do Poder Judiciário ou, em melhor expressão, a dignidade da justiça, conferindo ao magistrado o poder de advertir o devedor de que seu comportamento, no processo, estaria afrontando a administração da justiça, como forma de abuso processual.

Tal é a figura do ato atentatório à administração da justiça, cuja tutela se dissemina em várias figuras normativas, como os arts. 14; 15; 17; 129; 538, parágrafo único; 557, § 2º; e 879, todos do CPC, sem desprezo das disposições em leis especiais.

Neste espaço, interessa a prática da ofensa à dignidade da justiça – o que equivale ao contempt of court, na expressão típica dos sistemas jurídicos da

common law – praticada no curso do procedimento executivo.

O art. 600, com a redação do caput modificada pela Lei n. 11.382/06, dispõe a respeito dos "atos atentatórios à dignidade da justiça", praticado pelo executado.

O inciso primeiro considera ato atentatório à dignidade da justiça a fraude à execução. Nesse aspecto, vale ressalvar que o credor não é o único prejudicado pelo ato fraudulento, porquanto este resulta, em última instância, em afronta à dignidade da justiça, daí o caráter publicístico da fraude à execução.

Como afirma Yussef Said Cahali:

Em razão do interesse público lesado e da maior gravidade da fraude à execução em seu confronto com a fraude contra credores, o legislador processual pátrio buscou tornar efetivo o princípio de que o processo deve constituir-se em eficaz instrumento da jurisdição, reprimindo o ato assim praticado, como ato atentatório à

dignidade da justiça (Exposição de Motivos do Código de Processo

Civil, n. 18; CPC, art. 600, I); incluindo-se entre as figuras caracterizadoras do contempt of court, prevê o art. 601 do CPC a respectiva sanção, providência que poderá ser tomada a requerimento da parte contrária, ou mesmo de ofício. 195

A consequência jurídica do ato fraudulento é sua ineficácia com relação ao credor, objetivando a regular continuidade da execução, como se a alienação não tivesse ocorrido.

Dessarte, a mera consequência jurídica da declaração da ineficácia do ato fraudulento não constitui medida suficiente para restaurar a dignidade da justiça; é medida que protege apenas o crédito, assinalando a diferença substancial existente entre uma sanção e conseqüência jurídica decorrente de um preceito normativo.

O inciso II do art. 600 alude a "atos de oposição maliciosa", mediante o emprego de "ardis e meios artificiosos". É modo genérico de descrever uma série de comportamentos, tratando-se, portanto, de conceito aberto. Como esclarece Zavascki196, "na essência, o que o legislador quer reprimir são os atos e as omissões

do devedor que extrapolam os limites razoáveis do seu direito de se defender".

195 CAHALI, Yussef Said. Fraude contra credores. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 466. 196 ZAVASCKI, Teori. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais,

O inciso III do artigo 600 diz sobre a resistência injustificada às ordens judiciais, devendo ser conjugado com os artigos 579 e 660. É manifesto caso de atentado à dignidade da justiça, ou de contempt of court.

A Lei n. 11.382/06 alterou a redação do inciso IV do art. 600 pontualmente, quanto à fixação de prazo para que o devedor cumpra o dever de indicar “quais são e onde se encontram os bens sujeitos à penhora e seus respectivos valores”. Na verdade, trata-se de tardia correção à redação original do dispositivo, na tentativa de atribuir-lhe maior eficácia.

No entanto, como vinca Teori Za

vascki

197, comentando a força do

dispositivo antes de sua alteração, esse inciso constitui o ponto crítico de todo processo de execução, ante a dificuldade de comprovar a existência de bens penhoráveis em propriedade do devedor. Em havendo indícios de que o executado dispõe de bens passíveis de penhora (por exemplo, se está sujeito a apresentar declaração de imposto de renda ou de bens) e de que os está subtraindo da execução, aponta como solução a requisição, via judicial, de informações na Receita Federal. Isso porque, "o sigilo fiscal não constitui, por si só, embaraço insuperável à providência requisitória, devendo ceder passo quando, não sendo possível a localização de bens pelos meios ordinários, se configurar a inviabilidade do prosseguimento da execução, atividade jurisdicional que interessa não apenas ao exequente mas ao próprio Estado".

O art. 656, em seu § 1º, reforça a explicitação do dever do executado de “abster-se de qualquer atitude que dificulte ou embarace a realização da penhora”.

Atente-se, ainda, para o contido no art. 653, que autoriza o oficial de justiça a proceder ao arresto ante a dificuldade na localização dos bens penhoráveis – considerando-se o contido no novel art. 475-J, § 3º – no objetivo de garantir a frutuosidade da execução.

As sanções impostas pelo sistema processual quanto aos atos atentatórios praticados pelo devedor durante a execução – pois na ótica da efetividade da tutela executiva, os atentados praticados pelo credor devem ser relegados a segundo plano – nem sempre se mostram eficazes no intuito de coibir os abusos.

O art. 601 prevê, como sanção aplicável aos atos atentatórios à dignidade da justiça praticados durante a execução, descritos no artigo que o antecede, a multa pecuniária. Seu caráter é eminentemente punitivo, e não indenizatório198, a considerar que deve ser aplicada independentemente de

provocação da parte. O juiz fixará a multa, dentro dos limites de 20%, sobre o valor do débito, levando em consideração a gravidade do ato praticado e o grau de lesão contra o Estado, a despeito dos danos sofridos pelo credor.

Entretanto, o montante será revertido em favor do credor, o que consiste, na verdade, em um absurdo da lei. Se o objetivo do preceito é proteger a dignidade da justiça, deveria ser o Estado o favorecido pela aplicação da multa, pois afetada é a função jurisdicional.199

198 Em sentido contrário, anote-se o entendimento de Araken de Assis, ao asseverar que o artigo

601 não guarda caráter punitivo, à semelhança do contempt of court, o qual pode resultar na prisão do contumaz. Entende que se adotou a natureza reparatória, ante a ressalva constitucional. (ASSIS, Araken. Reforma do processo executivo. In: Revista de Processo, São Paulo, n. 81, jan./mar.1996. p. 13.)

Com relação aos danos sofridos pelo credor em razão da litigância de má-fé do executado, aquele poderá pleitear a devida reparação, sem prejuízo da sanção do artigo 601.200

Ao atrelar o montante da multa ao valor da execução, o legislador concluiu por criar algumas dificuldades de ordem prática. Nos casos em que a execução tenha por objeto a entrega de coisa ou prestação de fazer ou não fazer, o cálculo da multa fica sem parâmetro seguro. Parece ser a melhor orientação a de atribuir o valor da multa em proporção ao valor do equivalente em dinheiro da coisa, ou à aferição econômica da obrigação. Contudo, "se houver descompasso evidente entre um e outro, caberá ao juiz estimar a base de cálculo da multa utilizando-se de outras fontes disponíveis, caso em que justificará adequadamente as razões para assim proceder".201

Com efeito, a multa prevista no artigo 601 não tem logrado o objetivo de restabelecer a dignidade da justiça, ante a gravidade dos atos arrolados no artigo 600.202 O legislador ainda cometeu mais um pecado: perdeu a oportunidade de adequar também o parágrafo único do art. 601, mediante a Lei n. 8.953/94, que