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O CUMPRIMENTO DO COMANDO JUDICIAL EXECUTIVO E AS MEDIDAS COERCITIVAS

7.1 Primeiras considerações: regras, princípios e valores

É tarefa difícil, dentro da dogmática, distinguir regra jurídica de princípio. Principalmente no âmbito do conceito de norma.

A maioria da doutrina entende que, tanto princípio quanto regra jurídica constituem espécie de norma jurídica. Como afirma Ricardo Lorenzetti, “tanto os princípios quanto as regras referem ao âmbito do dever-ser e, portanto, são normas. São enunciados deontológicos no sentido indicado”. 282

Semelhante ideia é esposada por Robert Alexy283:

Tanto regras quanto princípios são normas, porque ambos dizem o que deve ser. Ambos podem ser formulados por meio das expressões deônticas básicas do dever, da permissão e da proibição. Princípios são, tanto quanto as regras, razões para juízos concretos de dever-ser, ainda que de espécie muito diferente. A distinção entre regras e princípios é, portanto, um distinção entre duas espécies de normas.

Alguns critérios podem ser utilizados para explicitar-lhes a distinção.

282 LORENZETTI, Ricardo Luiz. Fundamentos do Direito Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais,

1998. p. 286.

O primeiro toca ao “grau de abstração”. Os princípios possuem grau de abstração maior, o que significa que implicam um enunciado genérico e abstrato. As regras, em contrário disso, possuem abstração relativamente reduzida. 284

O segundo critério é o de “grau de determinabilidade”. O princípio é aberto e espera ser completado; carece de mediações concretizadoras do juiz. Por sua vez, as regras jurídicas comportam subsunção a uma situação fática, sendo suscetíveis de aplicação direta. 285

O “caráter de fundamentabilidade” em relação às fontes do Direito, este o terceiro critério. Os princípios são normas de natureza estruturante ou “com um papel fundamental no ordenamento jurídico devido à sua posição hierárquica no sistema das fontes (ex.: princípios constitucionais) ou à sua importância estruturante dentro do sistema jurídico (ex.: princípio do Estado de Direito)”.286 Os princípios são normas de natureza estruturante, e têm função “fundante” no ordenamento jurídico.

287

Outro critério, agora o quarto deles, pode auxiliar nesta distinção: a “proximidade com a ideia de direito”. Os princípios constituem standards juridicamente vinculantes, radicados nas exigências de justiça ou na ideia de direito. Já as regras, podem ter conteúdo meramente funcional. 288

O quinto e último critério apontado por Canotilho é o da “natureza normogenética”. Os princípios constituem o fundamento das regras; são normas que constituem a ratio das regras jurídicas.

284 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. Coimbra: Almedina,

2003. p. 1160.

285 Ibid., p. 1160. 286 Ibid., p. 1160.

287 Cf. LORENZETTI, op. cit., p. 318. 288 Cf. CANOTILHO, op. cit., p. 1160.

Para Lorenzetti289, os princípios são ideias germinais; algo inacabado

que precisa ser completado, já que trazem apenas juízos estimativos para regular comportamentos. Por isso, não aceitam subsunção.

À luz do pensamento de Flórez-Valdés290, “los principios generales del Derecho han de ser las ideas cardinales que constituyen su origen o fundamento; que están dotadas de um alto grado de generalidad; que por ello gozan de gran comprehensión en el ámbito de lo jurídico”. E frisa que os princípios “no requieren necesariamente formulación y que, por supuesto, de estar formulados, su lugar más lógico serían las proposiciones normativas más abstractas del ordenamiento”.

Desse modo, os princípios podem ser recepcionados por regras jurídicas, sob a inegável influência da corrente positivista. E é justamente o que tem ocorrido com a maioria dos chamados princípios fundamentais, recepcionados pelas regras constitucionais.

Nesse passo, é preciso objetar a incoerência em afirmar a existência de um princípio absoluto.

Como bem adverte Alexy291, ao se admitir um princípio como absoluto,

dentro da ordem jurídica não haveria a possibilidade de sopesamento deste com outro princípio, o que significaria ausência de limitação jurídica para sua realização.

Para esclarecer sua ideia, Alexy se socorre do exemplo do princípio da dignidade humana, na forma como é tratado pela Constituição alemã, tanto em seu caráter individual quanto em seu caráter coletivo, ao destrinçar o caso concreto da aplicação da pena de prisão perpétua.

289 Cf. LORENZETTI, op. cit., p. 316-317.

290 FLÓREZ-VALDÉS, Joaquim Arce y. Los principios generales del Derecho e su formulación

constitucional. Madrid: Editorial Civitas, 1990. pp. 63 e 64.

Explica que, tratado de modo absoluto o princípio da dignidade humana em relação ao condenado, não haveria meio de proteção à dignidade humana da sociedade, que estaria sob a ameaça de novos crimes a serem cometidos pelo condenado, se solto, dada sua permanente periculosidade.

Com isso, sentencia Alexy:

Por isso, é necessário que se pressuponha a existência de duas normas da dignidade humana: uma regra da dignidade humana e um princípio da dignidade humana. A relação de preferência do princípio da dignidade humana em face de outros princípios determina o conteúdo da regra da dignidade humana. Não é o princípio que é absoluto, mas a regra, a qual, em razão de sua abertura semântica, não necessita de limitação em face de alguma possível relação de preferência. 292

Noutro norte, é inegável o papel desempenhado pelos valores, na atividade interpretativa e operacional do direito, mormente a relação íntima existente entre os valores e os princípios.

Alexy293 parte de três conceitos principais para estabelecer uma linha divisória entre princípios e valores: os conceitos deontológico, axiológico e antropológico. Para o filósofo alemão, absorvendo-se o núcleo desses conceitos, fácil ficaria perceber a diferença decisiva entre princípio e valor. “Princípios são mandamentos de um determinado tipo, a saber, mandamentos de otimização. Como mandamentos, pertencem eles ao âmbito deontológico. Valores, por sua vez, fazem parte do nível axiológico.”

292 ALEXY, op. cit., p. 113. 293 Ibid., p. 145.

Ou seja, os princípios se limitariam ao âmbito do dever-ser e os valores ao âmbito do bom. “A isso soma-se o fato de que o conceito de princípio suscita menos interpretações equivocadas que o conceito de valor”.294

7.2 Princípios que norteiam a tutela executiva efetiva

As reformas, iniciadas no início dos anos 90, aportaram mudanças substanciais e acabaram por resultar na substituição ou na mitigação de alguns princípios fundamentais que, até então, norteavam o processo executivo.

A característica da maleabilidade do conteúdo dos princípios e seu alto grau de generalidade295 propiciam o acomodamento do sistema às novas regras inseridas, trazendo mais ampla interpretação aos princípios que informam o procedimento executivo.

7.2.1 O direito fundamental à tutela executiva efetiva – princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional

A realidade põe às claras a inviabilidade de conceituar um princípio, ou de encerrar o preceito nele contido, em virtude de sua própria natureza, abordada em linhas atrás. Assim, é preferível procurar esboçar suas características principais e aquilatar o modo como se comporta no ordenamento jurídico.

294 ALEXY, op. cit., p. 153.

O princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional é corolário do princípio do devido processo legal; implica, em última instância, na garantia constitucional da liberdade, diante do Estado de Direito.

Segundo Nelson Nery Jr. 296, pelo princípio da inafastabilidade, “todos têm acesso à justiça para postular tutela jurisdicional preventiva ou reparatória relativamente a um direito”, seja individual seja coletivo. Assevera que todos têm o direito à tutela jurisdicional adequada.

E, se a tutela adequada necessitar de urgência, deve ser concedida, desde que preenchidos seus requisitos legais, independentemente de existir lei autorizando ou proibindo a medida, pois, do contrário, haveria denegação de tutela e ofensa ao princípio da inafastabilidade.

Dessarte, por esse prisma, com a regra do art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, o princípio da inafastabilidade foi elevado à categoria de direito fundamental constitucional.

Como ensinam Garth e Cappelletti297, “o acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos”.

Sob esse aspecto, é preciso ainda que a comunidade jurídica admita que as técnicas processuais servem a funções sociais298, e que, justamente por isso, se revestem de papel tão relevante na garantia do acesso à justiça e, de

296 NERY JR., Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2004. p. 132.

297 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: Ed. Sérgio Fabris, 1988. p.

12.

conseqüência, na observância do princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional.

Assim, por esse princípio, não se admite a omissão do Poder Judiciário quanto à entrega da prestação jurisdicional, mesmo diante da lacuna no sistema normativo. Mais. Afirma-se que a tutela jurisdicional deve ser efetiva, como resultado prático do processo.

É corrente o entendimento de que “o valor de todo o sistema processual reside na capacidade, que tenha, de propiciar ao sujeito que tiver razão uma situação melhor do que aquela em que se encontrava antes do processo”.299 Tal não representa mais do que o célebre pensamento de Chiovenda300, para quem o processo deve dar a quem tem direito tudo aquilo e propriamente aquilo a que tem direito. Ou seja, a decisão, favorável à parte, deve proporcionar a realização do direito reconhecido com a produção dos efeitos esperados.

Diante do novo pensamento concernente à efetividade da tutela jurisdicional, releva admitir que o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional teve seu conteúdo ampliado, para considerar a imprescindibilidade da utilização da técnica processual em conformação com o direito material tutelado.

Desse modo, a técnica processual adequada deve ser aferida a partir da perspectiva do plano material. Somente com a plena consciência dos resultados práticos pretendidos é que se pode optar pela técnica processual adequada a proporcionar a realização da pretensão material e, como consequência, proporcionar a tutela jurisdicional efetiva.

Nessa esteira, esclarece Marinoni:

299 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. São Paulo: Malheiros,

2002. p. 108.

300 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. Campinas: Bookseller, 1998. v. 1.

[...] há que entender que o cidadão não tem simples direito à técnica processual evidenciada na lei, mas sim direito a um determinado comportamento judicial que seja capaz de conformar a regra processual com as necessidades do direito material e dos casos concretos.301

Esse comportamento judicial deverá se dar mediante uma interpretação adequada da norma vertente, nos limites da ordem constitucional e considerando os valores que a informam.

Como corolário do princípio da efetividade da tutela executiva está o reconhecido princípio da primazia da tutela específica302, qual seja, o credor tem o direito à satisfação da obrigação tal qual se tivesse ocorrido o adimplemento espontâneo pelo devedor.

O princípio da primazia da tutela específica foi recepcionado pela regra contida no § 1º do art. 461, no que respeita às obrigações de fazer e não fazer. De igual sorte, também se encontra garantido, quanto às obrigações de entregar coisa, por meio da regra recepcionada pelo § 3º do art. 461-A.

Por esse princípio, o bem da vida conferido ao devedor, ao fim do procedimento executório, deve coincidir com sua pretensão inicial; somente assim, estaria cumprido o preceito da tutela executiva efetiva.

7.2.2 O princípio da nulla executio sine titulo e a execução sem título

301 MARINONI, Técnica processual..., cit., p. 224.

302 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Tendências na execução de sentenças e ordens judiciais. In:

Já foi dito que a construção teórica sobre a sentença condenatória e sobre o título executivo resultou no princípio de que “toda execução tem por base um título executivo”.

A busca incessante do procedimento célere que proporcione a tutela efetiva induziu as reformas procedimentais, que levaram ao emergir de novas figuras processuais.

O provimento jurisdicional que, antes, abarcava apenas a declaração da existência de um crédito, foi munido de autoexecutividade, passou a produzir os efeitos esperados sem a necessidade da propositura da ação executiva, o que tornou o pressuposto do título despiciendo.

Nesse panorama, com a sobrevivência, no sistema, da figura do título executivo e com a realidade dos provimentos autoexequíveis, o princípio da nulla

executio sine titulo passou a ter que conviver com outro princípio, já

doutrinariamente identificado: o princípio da execução sem título.

A lei de colisão entre princípios pertencentes à mesma ordem jurídica é justificada por Robert Alexy303 pela necessidade de haver um sopesamento entre os

interesses conflitantes, visto que, considerando os fatos do caso concreto, um princípio teria peso maior que outro.

Alexy explica:

[...] se isoladamente considerados, ambos os princípios conduzem a uma contradição. Isso significa, por sua vez, que um princípio restringe as possibilidades jurídicas de realização do outro. Essa situação não é resolvida com a declaração de invalidade de um dos princípios e com sua consequente eliminação do ordenamento jurídico. Ela tampouco é resolvida por meio da introdução de uma

exceção a um dos princípios, que seria considerado, em todos os casos futuros, com uma regra que ou é realizada, ou não é. A solução para essa colisão consiste no estabelecimento de uma relação de precedência condicionada entre os princípios, com base nas circunstâncias do caso concreto. 304

Como explicitado em capítulo precedente, a Lei n. 11.232/05 persiste em mencionar a existência do título constituído pela sentença condenatória; e a interpretação da doutrina tradicional, a esse respeito, tem sido no sentido de ser o título pressuposto para a execução da obrigação por quantia.

Todavia, em consonância com as afirmações de antes, importa lembrar que as regras vigentes, reguladoras do procedimento da execução da sentença, per

se, indicam a permissão para o desencadeamento dos atos de expropriação ou

desapossamento sem o pressuposto do título executivo consubstanciado na sentença condenatória.

Do que foi afirmado até aqui, infere-se o esvaziamento do conceito do título judicial, ao menos em se tratando do procedimento de execução por quantia na forma do art. 475-J.

7.2.3 A relativização do princípio da tipicidade das medidas executivas

Pelo princípio da tipicidade das medidas executivas, o devedor somente pode sofrer os efeitos da execução, em sua esfera jurídica, por formas processuais (ou técnicas) expressamente previstas em lei. Este princípio agasalha por escopo garantir a “intangibilidade da esfera de autonomia do executado”.

De outro lado, dada a presunção de que ao executado cabe o conhecimento prévio das potenciais consequências da execução, o princípio da tipicidade enseja uma defesa oportuna e mais eficiente.

Nas bases do princípio da tipicidade das medidas executivas está o esforço do liberalismo em retirar dos julgadores qualquer atividade interpretativa e criadora de direito, limitando sua margem de atuação. Na verdade, a influência da doutrina do liberalismo forçou a tendência à via executiva única, como garantia de segurança jurídica.

Como ressalva Marinoni305, a ticipidade “objetiva garantir a liberdade do litigante contra a possibilidade do arbítrio judicial”.

Sem embargo dos bons propósitos que impulsionaram a previsão da tipicidade, percebeu-se, em tempo, que a estrita observância dos meios executivos previstos expressamente na lei, contribuía para a inefetividade da tutela executiva, em razão das muitas nuances do direito substancial apresentado.

Com efeito, a ideia nascente de que as medidas executivas devem estar adaptadas às necessidades de ordem prática do direito material a ser tutelado, terminou por gerar a relativização do princípio da tipicidade, em prol do princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, ou do direito fundamental à tutela executiva efetiva.

Como bem observa José Miguel Garcia Medina306, dada a “multiplicidade e a complexidade das situações litigiosas que podem ser levadas a juízo, tais mecanismos não podem ser previstos num rol taxativo, numerus clausus, ante o risco de (se) excluir direitos igualmente merecedores de tutela”.

305 MARINONI et al, Curso..., cit., p. 60. 306 MEDINA, Execução..., cit., p. 297.

Diante desse quadro, houve por bem o legislador pensar a inclusão de regras processuais abertas, a exemplo do que ocorreu com o § 5º do art. 461 do CPC, que autoriza o juiz, no objetivo de proporcionar ao credor a tutela específica, a determinar “as medidas necessárias”.

As normas abertas facultam maior elasticidade na determinação das medidas executivas mais adequadas à situação concreta, com isso mitigou os efeitos do princípio da tipicidade.

Porém, a liberdade do magistrado, na imposição das medidas executivas, não está imune de restrições. Estas estão no contraponto com outros princípios, de igual importância, que também integram a ordem jurídica, como o princípio da menor onerosidade possível para o devedor (ou da menor restrição).

Contudo, não se pode chegar ao exagero de falar em princípio da atipicidade das medidas executivas; porquanto a ausência de limites às determinações judiciais poderia, em tese, ocasionar o surgimento de critérios díspares em relação à forma de aplicação dessas medidas em casos semelhantes, o que culminaria com ausência total de segurança jurídica.

Desse modo, é possível afirmar que houve atenuação dos efeitos do princípio da tipicidade das medidas executivas em razão da inserção, no sistema, de regras processuais abertas, proporcionando maior margem de liberdade ao magistrado no momento da execução; no entanto, é igualmente possível afirmar que essa liberdade encontra restrições no próprio sistema. Daí a conclusão da mitigação do princípio da tipicidade, embora seja incorreto dizer de sua substituição pelo princípio da atipicidade.

Nessa mesma direção, as oportunas considerações de Débora Baumöhl:

[...] mostra-se conveniente um abrandamento desse princípio [da tipicidade dos meios executivos], mesmo em sede de execução por quantia certa, de modo a proporcionar mais mobilidade ao juiz na consecução da satisfação do crédito exeqüendo.

Isso mostra-se plenamente possível na medida em que a atipicidade dos meios executivos seria naturalmente limitada pelo princípio da menor onerosidade, nos termos do que dispõe o artigo 620 do Código de Processo Civil.307

Por derradeiro, cumpre anotar a colaboração que a mitigação do princípio da tipicidade das medidas trouxe para a efetividade da tutela executiva, na medida em que possibilita atender a pretensão substancial do credor, amparando o seu direito fundamental de ação.

7.2.4 O princípio da lealdade processual e o Contempt of Court

O processo deve ser pautado na ética. Os sujeitos do processo, unidos pela relação jurídica processual, têm sua conduta guiada pelo princípio da lealdade processual, também conhecido como princípio da probidade ou da boa-fé.

É verdade que a ética sempre informou os processos judiciais, desde os primórdios, porque, como noticia Eduardo Couture308, tinham “acentuada tonalidade moral”, que era revelada, frequentemente, pela exigência de juramentos, pesadas sanções para a parte surpreendida faltando com a verdade, etc.

307 BAUMÖHL, Débora Inês Kram. A nova execução civil: a desestruturação do processo de

execução. São Paulo: Atlas, 2006. p. 78.

308 COUTURE, Eduardo J. Fundamentos del Derecho Procesal Civil. 3ª Ed. Buenos Aires: Ediciones

Mais adiante, em observação dirigida aos ordenamentos tipicamente romanísticos, o mestre uruguaio conjectura:

El proceso moderno fue abandonando estos caracteres. No ya porque considerara innecesaria la vigencia de principios éticos en el debate forense, sino porque los consideraba implícitos. Así ha ocurrido, por ejemplo, con los preceptos que obligan a las partes a decir la verdad. Otras veces se abolió el principio por considerarse excesivo, tal como la sanción al perjuro consistente en la perdida del derecho litigado.

En los últimos tiempos, se ha producido un retorno a la tendencia de acentuar la efectividad de un leal y honorable debate procesal.309

Bem se vê que a tendência ao positivismo exacerbado fez com que caísse no esquecimento o senso de moralidade obrigatoriamente norteador da atividade do juiz e das partes no processo. O que não ocorreu com os sistemas da família do common law. Estes mantiveram a postura da lealdade no processo, porquanto não foram contaminados pelo positivismo.

Nos sistemas do common law, o princípio do devido processo legal (due process), conceito profundamente radicado na tradição constitucional anglo- americana, já guarda em si a cláusula geral da boa-fé. Nesse sistema, é o próprio

due process que funciona como critério geral, ou ponto de referência, para

identificação e valoração do comportamento abusivo no processo, que consistirá em