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EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO PROCEDIMENTO DE EXECUÇÃO

2.1 Relevância das origens históricas

A tentativa de trazer mais celeridade ao procedimento executivo nas obrigações de pagar quantia, refletida na Lei n. 11.232/2005, parece ser a reminiscência da chamada executio per officium iudicis, procedimento executivo que vigorava durante a Idade Média, marcado pelo sincretismo das atividades cognitiva e executiva.

Guardadas as distinções cabíveis, examinadas logo adiante, é importante reconhecer que tanto a execução de sentença, antes da reforma, quanto o procedimento atual se espelham em institutos que existiram há muitos séculos, e que nada de realmente novo foi criado pelo legislador na atualidade.

O procedimento de execução de sentença por quantia, previsto no CPC antes da última reforma, lembra a actio iudicati romana, que, semelhantemente ao ocorrido há pouco, também foi substituída, em certo momento da história, por um procedimento mais rápido: a executio per officium iudicis.

Em recentes comentários à Lei n. 11.232/2005, o Min. Athos Gusmão Carneiro ressalta que ela “consagra o abandono do sistema romano da actio iudicati, com o retorno ao sistema medieval pelo qual a sentença habet paratam

executionem”. 42

42 CARNEIRO, Athos Gusmão. Do “cumprimento da sentença”, conforme a Lei 11.232/2005. Parcial

São as semelhanças dos fatos históricos com os últimos acontecimentos no Direito Processual brasileiro que impõem a análise dos institutos anteriores face ao modelo atual. Assim, o estudo das raízes históricas da actio

iudicati e da executio per officium iudicis é necessário, no panorama atual.

2.2 A evolução da atividade executiva no Direito Romano

O Direito Romano pode abrigar suas fases evolutivas, classificadas por diferentes critérios: o histórico, que leva em consideração os vários períodos – arcaico, clássico e pós-clássico; o político, que considera as formas de governo – régio, republicano, principado e dominato; e o religioso, que considera a mudança do paganismo ao cristianismo. E ainda, focando exclusivamente o desenvolvimento dos institutos processuais, pode-se ter um Direito Romano processual segmentado em três fases: legis actiones (ações da lei), per formulas (das fórmulas escritas) e a fase

cognitio extra ordinem (do juízo oficial unificado ou processo extraordinário). 43

As fases das legis actiones e per formulas constituem, juntas, o período da ordo judiciorum privatorum (ou ordem judiciária privada), e a fase da

cognitio extra ordinem representa a publicização do processo, que deu origem aos

sistemas jurídicos contemporâneos.

Historicamente, o período arcaico do Direito Romano corresponde à fase da legis actiones, que vai da fundação de Roma (ano 753 a.C.) até o século II a.C. Quanto ao período clássico do Direito Romano, tipifica a fase do processo per

nova execução de títulos judiciais: Lei 11.232/2005. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, v. 3. p.

53.

43 Cf. SIDOU, J. M. Othon. Processo Civil comparado: histórico e contemporâneo. Rio de Janeiro:

formula, que vai do século II a. C. ao século III d.C. Já o período da cognitio extra ordinem, que se iniciou no século III d.C., guarda relação com a fase da justiça

pública, prevalecendo nos últimos séculos do Império e culminando com Justiniano.44

A principal fonte que narra o desenvolvimento histórico do Direito Romano são as Institutiones, escritas pelo jurisconsulto Gaio, provavelmente, entre os anos 138 e 161 d.C. e a obra Noites Áticas, de Aulo Gélio, datada do ano 175 d.C. 45

Para adequado entendimento do desenvolvimento da execução de sentença, é mister a análise perfunctória de alguns marcos históricos da organização jurídica romana.

A Lei das XII Tábuas (Lex Duodecim Tabularum), elaborada no século V a.C., precisamente no ano 450 a.C., foi a primeira importante lei escrita romana. Tal codificação teve como motivação levar o conhecimento do Direito às classes inferiores, já que, até então, o conhecimento das leis se fazia privilégio da classe patrícia.46

O texto legislativo foi preparado por uma comissão constituída por dez membros, denominados decênviros. Curiosamente, a autenticidade da Lei chegou a ser contestada por alguns historiadores porque as tábuas nunca foram encontradas.47

44 Cf. CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; e DINAMARCO, Cândido

Rangel. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Malheiros, 2000, pp. 22 e 23; e cf. THEODORO JR., Humberto. O cumprimento da sentença e a garantia do devido processo legal. Belo Horizonte: Mandamentos Editora, 2006. p.98.

45 Cf. SIDOU, op. cit., pp. 25 e 29.

46 Cf. NADER, Paulo. Introdução ao estudo do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 1987. p. 253. 47 Ibid., p. 253.

O procedimento, no período da legis actiones, era desenvolvido por meio de gestos, símbolos e palavras abstratas. Daí a tarefa dos decênviros, a quem cabia positivar por escrito as ações da lei. 48

Cinco as ações da lei: a sacramentum, a iudicis postulatio, a condictio, a manus injectio e a pignoris carpio, registrando que as três primeiras tinham natureza declaratória e constitutiva de direitos e as duas últimas, executivas. 49

Inicialmente, os litigantes recorriam ao magistrado, que representava o Poder Público. Embora não tivesse a função de julgar, cabia ao magistrado (praetor) presidir a disputa judiciária e supervisionar o comportamento das partes. Caso houvesse necessidade de instrução e julgamento, a causa era encaminhada ao

judex, o juiz privado. 50

Na Lei das XII Tábuas, portanto, no período das legis actiones, a execução recaía sobre a pessoa do devedor pelo sistema da manus injectio. Esta, a ação da lei que implicava a execução coercitiva. O procedimento executivo era acentuadamente privado, pois cabia ao próprio credor levar o devedor, à força, à presença do magistrado. E, em razão da sumariedade do rito, não havia previsão de defesa para o executado.

A Lei das XII Tábuas, em sua Tábua Terceira, Leis IV a IX, dispõe:

IV – Aquele que confessa dívida perante o magistrado ou é condenado, terá 30 dias para pagar; V – Esgotados os 30 dias e não tendo pago, que seja agarrado e lavado à presença do magistrado; VI – Se não paga e ninguém se apresenta como fiador, que o devedor seja levado pelo seu credor e amarrado pelo pescoço e pés com cadeias com peso até o máximo de 15 libras; ou menos, se

48 Cf. SIDOU, op.cit., p. 25. 49 Ibid., p. 25.

assim o quiser o credor; VII – O devedor preso viverá à sua custa, se quiser; se não quiser, o credor que o mantém preso dar-lhe-á por dia uma libra de pão ou mais, a seu critério; VIII - Se não há conciliação, que o devedor fique preso por 60 dias; durante os quais será conduzido em três dias de feira ao comitium, onde se proclamará, em altas vozes, o valor da dívida; IX – Se são muitos os credores, é permitido, depois do terceiro dia de feira, dividir o corpo do devedor em tantos pedaços quantos sejam os credores, não importando cortar mais ou menos; se os credores preferirem, poderão vender o devedor a um estrangeiro, além do Tibre. 51

É possível verificar que o credor tinha total disponibilidade sobre o corpo do devedor, podendo torná-lo escravo, matá-lo, e, se houvesse mais de um credor, cada qual poderia reclamar parte do cadáver. O inadimplente era considerado tão indigno que sua venda, como escravo, teria que ocorrer trans

Tiberium, ou seja, em terras dos etruscos. 52

A ação da manus injectio se voltava diretamente contra a pessoa do devedor, e não contra os seus bens. Como efeitos, a morte civil do devedor, já que era reduzido à condição de escravo, e a vacância dos bens do devedor. 53

Outra ação da lei que comportava execução era a pignoris carpio, forma executiva limitada a alguns casos de direito público ou sacro. 54 Tal procedimento não visava dispor sobre a pessoa do devedor, mas sobre seu patrimônio. O credor procedia, de mão própria, à apreensão dos bens do devedor, em presença de três testemunhas, sem a participação do magistrado ou mesmo do devedor. Após, constituía-se a penhora, a fim de coagir o devedor a cumprir a

51 MEIRA, Sílvio A. B. A Lei das XII Tábuas, fonte de direito público e privado. Rio de Janeiro:

Forense, 1972, pp. 149-170, apud AZEVEDO, Álvaro Villaça. Prisão civil por dívida. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 21.

52 Cf. THEODORO JR., op.cit., p. 103. 53 Ibid., p. 105.

obrigação. Entretanto, essa penhora não resultava em direito de alienação dos bens apreendidos para o credor, assegurando-lhe apenas a retenção ao tempo em que o devedor não efetuasse o adimplemento. 55

Como assevera Humberto Theodoro Jr., “a pignoris carpio, diversamente do que se passava com a manus injectio, não dependia jamais de uma sentença anterior. Representava puro e simples ato de defesa privada exercida pelo credor para coagir, extrajudicialmente, o devedor a resgatar a dívida”.56

Pouco mais tarde, ainda que no período da legis actiones, houve o abrandamento das penas para o devedor inadimplente, com o início da humanização do procedimento. Os novos costumes dispensaram o devedor da pena de morte ou de ser vendido como escravo. Ao contrário, o devedor passou a ter a alternativa de pagar a dívida com o fruto do seu trabalho. Além disso, por força da lei

Poetelia, que remonta ao ano 313 a.C., houve a proibição, para o credor, de

acorrentar o devedor. 57

Não obstante, o sistema da manus injectio perdurou ainda no período

per formulas, que sucedia já durante o Direito Romano clássico.

O período per formulas era caracterizado pela exigência da utilização dos termos prescritos nos litígios. Outrossim, nesse período, cresceu a participação do magistrado, que ganhou maior importância à medida que passou a exercer poder de inspeção, apesar de ainda imperar a atividade privada.

Como ressalta Othon Sidou58, “a fórmula escrita nada mais terá sido do

que um modus lege agendi, não significando qualquer mudança essencial com

55 THEODORO JR., op.cit., p. 106. 56 Cf. THEODORO JR., op. cit., p. 107. 57 Ibid., p. 105.

respeito à condução do processo, tanto assim que o procedimento permaneceu obedecendo à mesma ordo iudiciorum”.

Assim, por volta do século II a.C., a lei Ebúcia e as leis Julias revogaram o regime da legis actiones. O magistrado possuía uma espécie de álbum, denominado edictio actionis, que ele próprio fazia publicar ao assumir suas funções, com as diretrizes a serem seguidas na administração da justiça durante seu exercício. Posteriormente, o edictum passava a ser seguido também pelo magistrado seguinte, até que se tornou perpétuo, já no alto Império, por imposição do imperador Adriano. 59

Como noticia Othon Sidou60, essa obra-padrão foi posta em vigor no ano de 134, e compondo-se de duzentos e vinte parágrafos, divididos em sete partes: iniciação do processo; jurisdição ordinária; jurisdição extraordinária; execução das sentenças e nulidades das sentenças; interditos, exceções, estipulações pretórias; fórmulas das ações; e os editos dos edis e dos curuis.

Quatro eram as partes ordinárias da fórmula do litígio: demonstratio,

intentio, condemnatio e adiudicatio. Entretanto, nem todas as fórmulas tinham

obrigatoriamente essas quatro partes. A “intentio era a única parte constante em toda espécie de ação, por ser o substrato da demanda”. 61

A intentio era delimitada pela litis contestatio, “que se consubstanciava num comportamento processual das partes, dirigido a um escopo comum, qual seja o compromisso de participarem do juízo apud iudiciem e acatarem o respectivo julgamento”. Assim, pode-se afirmar que o objetivo da litis contestatio conferia com o

59 Cf. THEODORO JR., op. cit., p. 109; e SIDOU, op. cit., p. 30. 60 SIDOU, op. cit., p. 30.

de fixar os limites do litígio, definindo o molde da sentença a ser prolatada pelo iudex.62

A condemnatio era o desfecho da fórmula e autorizava o juiz a atribuir valor à pretensão do autor, conforme constava da intentio, caso suas alegações lhe parecessem procedentes, ou, ainda, a absolver o réu em caso contrário. 63 E, ressalte-se, a condemnatio tinha como objeto uma quantia em dinheiro (certa

pecunia).64

Importante observar, em linha não diversa, que durante o período per

formulas, o magistrado (que nem sempre era praetor), exercia o poder de imperium

– poder coercitivo que dá suporte ao Estado –, mas não exercia a iurisdictio. Essa era atribuição do juiz privado (iudex). Posteriormente, com o advento da República, o praetor passou a exercer também a função de julgar, portanto cumulando as duas funções: o imperium e a iurisdictio.

Os interdicta romanos eram institutos que complementavam a tutela de direitos, fundados que estavam preponderantemente no imperium do magistrado, e implicavam decisões inspiradas na equidade. 65

A criação desses institutos processuais foi impulsionada pela necessidade de proteção da posse e propriedade, já que inexistia actio que a assegurasse, reconhecido assim o interesse público existente na proteção possessória.

Em síntese, um interdictum correspondia a uma ordem (um comando) do pretor, requisitada por um particular e dirigida a outro particular, para que este

62 AZEVEDO, Luiz Carlos de. CRUZ E TUCCI, José Rogério. Lições de história do Processo Civil

romano. São Paulo: Revista dos Tribnunais, 2001. pp. 99 e 100.

63 Cf. SIDOU, op. cit., p. 30.

64 Cf. AZEVEDO e CRUZ E TUCCI, op. cit., p. 95. 65 Ibid., p. 109.

fizesse ou deixasse de fazer alguma coisa. 66 Com efeito, os interdicta deram

origem, entre outros institutos, ao mandado de segurança e ao habeas corpus, tutelas eminentemente mandamentais.

Ainda no período da ordo judiciorum privatorum, houve lenta transição da fase das ações da lei para a fase do processo formulário, e, com tal transformação, o sistema da execução per manus injectio, cujo objetivo era reduzir o devedor à condição de escravo, sujeito a ser vendido ou morto pelo credor, foi substituído também gradualmente pelo instituto da actio judicati, tendente a ser mais simples e mais adequada à sociedade da época que passava a repudiar a execução pessoal, ante a alternativa da execução no patrimônio do devedor.

Segundo Liebman, a actio judicati tinha a verdadeira natureza de uma

actio romana, já que permitia a defesa do réu, havendo, portanto, oportunidade para

uma litis contestatio e para um judicium.67

Obtida a sentença condenatória, o credor precisava aguardar trinta dias (tempus judicatus) para poder propor a actio judicati, em caso de não pagamento nesse prazo.

A actio judicati deveria observar procedimento idêntico às demais ações de conhecimento no sistema per formulas, de modo que os atos executivos propriamente somente se iniciassem após nova sentença proferida pelo iudex, reconhecendo o inadimplemento do devedor e o condenado a cumprir agora o comando judicial, e não mais a obrigação de direito material.68

66 AZEVEDO e CRUZ E TUCCI, op. cit., p. 112.

67 Cf. LIEBMAN, Enrico Tulio. Embargos do executado. Campinas: Bookseller, 2003. p. 21.

68 THEODORO JR., Humberto. O cumprimento da sentença e a garantia do devido processo legal.

Assim defende Liebman, ao afirmar que “efeito da sentença era, pois, unicamente o de fazer surgir uma nova obrigação, que não a precedente, porque provinha do julgado e não do vínculo originário”.69

Explica, ainda, que haveria uma diferença entre o exercício da ação originária e a actio judicati: no caso desta última, ocorrendo a confissão do devedor, o credor poderia, imediatamente, requerer a autorização para proceder pela via executiva. Do contrário, revelando-se infundada a contestação do devedor, ocorreria a condemnatio dupli, ou seja, o credor estaria autorizado a propor nova actio judicati, com pedido de uma soma que implicava o dobro da primeira.70

Relevante ressaltar a natureza obrigacional da sentença condenatória prolatada no período per formula. O iudex privatus não possuía a soberania emanada do Estado, daí a necessidade de recorrer ao praetor, este, sim, detentor do imperium. Diante disso, é possível concluir que a sentença condenatória não alcançava a condição de título executivo.71

Segundo alerta Humberto Theodoro Jr. 72, “a execução – ato do pretor – não se situava dentro da actio iudicati, mas depois e fora dela”.

A decisão proferida na actio judicati comportava acertamento da existência e da validade da obrigação, tanto assim era que, ao réu, cabia apenas defender-se alegando a inexistência ou invalidade da sentença condenatória ou, ainda, sustentar a extinção da obrigação em razão de fato posterior.

Humberto Theodoro Jr. ensina que a execução da sentença no processo formulário, em razão da actio judicati, apresentava alguns traços característicos:

69 LIEBMAN, op. cit., p. 27. 70 LIEBMAN, op. cit., p. 22.

71 THEODORO JR., op. cit., p. 116. 72 THEODORO JR., op. cit., p. 117.

a) era sempre por quantia certa, porque até mesmo as sentenças de ações reivindicatórias ou reipersecutórias deveriam ser executadas pelo valor do bem litigioso, fixado na condenação.

b) era universal, pois mesmo que a dívida fosse menor do que o valor dos bens do executado, a bonorum vendictio abrangia todo o seu patrimônio.

c) a bonorum vendictio, forma prática de expropriar-se o patrimônio do devedor inadimplente para realização da garantia dos credores, só era atingível por via da actio iudicati. 73

Ao período da ordo iudiciorum privatorum, seguiu-se o período da

cognitio extra ordinem, pontuado pela importância da atividade do praetor –

magistrado detentor do imperium –, que passou a conhecer, ele mesmo, da causa e a proferir a respectiva sentença. Operou-se, nessa época, a publicização do processo, com o ingresso no período pós-clássico do Direito Romano.

O período da cognitio extra ordinem foi conhecido também como período de juízo unificado, pois o praetor passou também a resolver pendengas de natureza administrativa, inconciliáveis com o procedimento per formulas, albergando caráter estritamente civil. Ou seja, em sua função judiciária, o praetor, com poder de

imperium, não designava iudex para julgar a causa, mas ele próprio se encarregava

de admitir a ação e de julgá-la. Dessa forma, o procedimento passou a ser público, e a exceção passou a ser o julgamento arbitral.74

Na fase da cognitio extra ordinem, destacou-se o desuso das fórmulas, nota marcante da fase privatista do processo civil romano, chegando mesmo a desaparecerem por total falta de utilidade prática.

73 THEODORO JR., op. cit., pp. 120 e 121. 74 Nesse sentido, OTHON SIDOU, op. cit., p. 45.

E, não obstante, o procedimento executivo sofreu transformações, principalmente com a criação de um procedimento próprio para as execuções de entrega de coisa.

Entretanto, a despeito de certa divergência doutrinária75, a actio judicati parece sobreviver à nova fase do direito processual romano, como meio legal para a execução do comando judicial.

Segundo Theodoro Jr. 76, “o apego às tradições fez com que o Direito Justiniano continuasse a proclamar que o efeito da sentença condenatória consistia apenas em gerar entre as partes novo vínculo obrigacional – a obligatio judicati (C.7, 54, 3 § 2º)”. A novidade é que o próprio pretor passava a julgar a actio judicati e a atuar o próprio comando judicial.

A sentença deixou de ser mera opinião ou parecer dada por um juiz privado que não dispunha de meios hábeis a fazer atuar sua vontade expressada na decisão.

Apesar da resistência do instituto da actio judicati, houve significativas transformações em seu procedimento, já que todo o processo romano se simplificou nessa fase.

Assinala ainda Theodoro Jr. 77, outra novidade na fase da cognitio extra

ordinem: a eliminação da cadeia sucessiva de actiones judicati, toda vez que se

operasse o inadimplemento do devedor, com condenações em dobro como forma de coerção, objetivando sua confissão ou o pagamento. A pena de dupla condenação

75 Divergência relatada por Humberto Theodoro Jr., em relação ao entendimento dissonante entre

Wetzel, que propagava o fim da actio judicati, e Wenger, que afirmava sua continuidade no período da extraordinaria cognitio, ambos grandes estudiosos do Direito Romano, cf. op. cit., p. 140.

76 THEODORO JR., op. cit., p. 137. 77 THEODORO JR., op. cit., pp. 137-138.

foi eliminada, porque o magistrado podia se valer de seu poder de imperium para ordenar, desde logo, o início dos atos executivos.

O que de mais relevante se pode observar sobre a fase final e mais evoluída do direito processual romano é que nunca chegou a existir o instituto do título executivo. O título executório somente emergiu muitos séculos mais tarde.

2.3 A execução de sentença no direito medieval (intermédio)

Após a queda do Império Romano, em decorrência das invasões bárbaras, passou a prevalecer o Direito Germânico, cuja sistemática executiva favorecia nitidamente o credor e o uso da força contra o inadimplemento do devedor.

Nos meandros dos séculos IX e X, esse procedimento executivo, ao contrário do Direito Romano, autorizava a penhora privada dos bens do devedor, realizada sumariamente pelo próprio credor, independentemente de apreciação judicial.

Esclarece José Alberto dos Reis:

A execução assentava sobre a simples afirmação do credor. Este, arrogando-se o direito de crédito, iniciava, sem mais formalidades nem delongas, a via executiva. Só depois de iniciada ou de concluída a execução é que surgia nela, como ocorrência incidental, o juízo de conhecimento, quando o executado contestava o direito do exequente. 78

O processo evolutivo atravessado pelo Direito Germânico culminou por condicionar a penhora privada à prévia autorização judicial, sem, no entanto, retirar o caráter unilateral da execução, porquanto ainda era essencial a simples afirmação do crédito pelo exequente.

Arremata, Humberto Theodoro Jr. 79, ser traço característico do

processo germânico a fusão das atividades cognitiva e executiva. Tal sincretismo era reflexo da mentalidade dos povos bárbaros, a quem repugnava a ideia de que, para se chegar à execução, o credor deveria se valer de uma outra ação.