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No atual estágio de evolução do Direito Processual brasileiro, é mister retomar as relações perdidas entre o processo e o direito substancial que o anima, reavivando a relação de dependência entre esses dois elementos.

O juiz moderno tem consciência da necessidade de estudar a natureza do direito substancial em lide para proporcionar ao jurisdicionado a tutela efetiva, que leva em conta a técnica processual adequada.

Como explicita Luiz Guilherme Marinoni124, o juiz tem o dever de

conformar o procedimento – daí a técnica processual apropriada – para que o fim último da efetividade seja atingido.

Durante o desenvolvimento do processo executivo, o direito substancial, objeto da execução, passou a ser tratado como direito obrigacional.

Isso se deu em razão da confusão que se fez ao longo do tempo, que teve como efeito o desvirtuamento da equação que liga a actio romana com a

obligatio.

Ovídio Baptista125, após longos estudos das doutrinas de Jhering e Savigny sobre o Direito Romano, concluiu que, por uma sucessão de equívocos, a

actio terminou por gerar condenação em pecúnia, num descuidado alargamento do

conceito de obligatio.

124 MARINONI, Técnica processual..., cit., p. 222. 125 SILVA, Jurisdição e execução..., cit., pp. 64ss.

O mestre gaúcho alerta que o conceito de obrigação, que tinha, originariamente, como fonte exclusiva o contrato e o delito (obligatio ex contractu e

ex delicto), se estendeu às demais relações jurídicas, culminando com a criação das

chamadas obligationes ex lege.

Tal entendimento gerou prejuízo para o conceito de vindicatio – meio de exercício de um direito real – para a qual correspondia, não uma decisão condenatória, mas um interdictum.

Segundo seus estudos da obra de Jhering, entendeu Ovídio Baptista que, no processo romano antigo, a reivindicatória era uma ação puramente real e que, posteriormente, se tornou uma ação pessoal, o que representou uma distorção das equações primitivas: actio = obligatio, e vindicatio = interdictum.

Importa transcrever uma relevante observação:

Se tivéssemos, como depois no direito moderno vulgarizou-se, de conceber uma pretensão nos direitos reais, tal haveria de ter necessariamente um conteúdo negativo, correspondente ao dever (rigorosamente não a uma obrigação) de omissão, de respeito, ao direito real de outrem. 126

Com isso, o doutrinador gaúcho quis esclarecer que a ação reivindicatória não poderia representar a “execução da obrigação” de o sujeito entregar o bem, mas, ao contrário, deveria implicar ordem para que o sujeito permitisse a tomada da posse pelo dono, ou seja, para que o demandado suportasse a ação do dono.127

126 SILVA, Execução..., cit., p. 65. 127 Ibid., p. 68.

Entretanto, não foi o que ocorreu. A excessiva importância que se deu à actio e à obligatio culminou, também, com a prevalência da iuris dictio, em detrimento das atividades de imperium.

A consequência última dessa tendência era a abstração de qualquer medida coercitiva da execução, que passou a atender, precipuamente, aos direitos obrigacionais.

Nesse panorama, é possível inferir que, no direito moderno, houve acentuada dificuldade em conceber um procedimento executivo adequado às obrigações de dar e de fazer, ou não fazer, cujo objeto não era pecuniário e nem sempre era proveniente de contrato. Tanto assim que, no direito moderno, as obrigações de fazer, se inadimplidas, eram corriqueiramente convertidas em perdas e danos.

Ilustra bem essa ideia a passagem de Ovídio Baptista, citando Giuseppe Borre:

Devemos também ter presente que o processo romano somente praticava a execução para pagamento de quantia certa, ou seja, a execução tinha sempre expressão pecuniária, sendo desconhecidas, no procedimento privado da actio – que foi o que nos restou do processo romano –, a execução das obrigações de dar, fazer ou não fazer. 128

Foram os “novos direitos” que, merecedores de tutela, forçaram o desenvolvimento das novas técnicas processuais. Entenda-se, por “novos direitos”, e.g., a pretensão à remoção do ilícito, a pretensão à obrigação específica, a

128 SILVA, Ovídio Baptista. Execução obrigacional e mandamentalidade. Disponível em:

pretensão ao ressarcimento na forma específica, que, atualmente, são merecedores da utilização das novas técnicas processuais, proporcionadas pelas reformas no sistema processual, que levou em conta o princípio fundamental à tutela jurisdicional efetiva.

Vale dizer que, especificamente em relação à tutela jurisdicional das obrigações de fazer e não fazer, a evolução também se deu a partir da tutela interdital.

As Ordenações Filipinas, vigentes no Brasil por longo período, trouxeram as ações de preceito cominatório, utilizadas para compelir ao cumprimento das obrigações de fazer e não fazer. Entretanto, com o passar do tempo, houve a eliminação do caráter interdital dessas ações, que terminaram por se transformar em ações meramente condenatórias, dando ensejo à formação de título executivo, separando-se do conceito do interdito proibitório, que permaneceram fiéis a natureza interdital.

O caráter coercitivo das ações cominatórias reapareceu com o Código de Processo Civil de 1939.

De sua vez, o Código de 1973 suprimiu as ações cominatórias, pois o art. 287 apenas possibilitava que se pleiteasse, na inicial, a imposição de multa em caso de “descumprimento da sentença”.129

Na legislação processual de 73, a tutela das obrigações de fazer e não fazer era regulada pelos artigos 644 e 645, que permitia a imposição de medida coercitiva somente na sentença; porquanto a Súmula 500 do STF130 suprimiu o caráter cominatório das tutelas de obrigação de dar.

129 Cf. TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2001. p. 116.

A Lei n. 9.952/94 e, posteriormente, a Lei n. 10.444/02, que deram nova redação ao art. 461 do CPC, conferiram ampla abertura à utilização de várias técnicas processuais, muito mais úteis às novas necessidades de tutela.

Com isso, o mesmo dispositivo, que trata, precipuamente, das “obrigações” de fazer e não fazer, passou a receber interpretação ampla, a ponto de abarcar, em uma mesma norma, o fazer oriundo de um contrato privado e o fazer decorrente de lei.

Em adendo, facultou ao julgador a determinação da restituição da coisa, a busca e apreensão, ou o ressarcimento pelo equivalente, sem o pressuposto da existência de uma relação jurídica prévia entre credor e devedor.

A bem da verdade, trata-se de dever “legal”, porque ao julgador cabe determinar ao sujeito que cumpra o preceito contido na norma.

Diante dessa assertiva, é possível sugerir que os arts. 461 e 461-A comportam três modalidades de dever: o dever originado de um direito real, o dever obrigacional e o dever legal.

4.1 Do provimento executável oriundo de contrato e oriundo de lei

É escorreita a utilização da expressão “execução da obrigação” para designar o conteúdo da sentença que determina o cumprimento de um fazer, de um não fazer, da entrega da coisa ou do pagamento de determinada quantia, nos casos em que o próprio destinatário da ordem judicial tenha assumido tal obrigação em um contrato válido.

Em contrapartida, há provimentos judiciais que visam compelir o devedor a cumprir nada mais do que a lei. Ou seja, nesses casos, é possível falar em “dever”, e não propriamente em “obrigação”, pelo fato de que tais comandos judiciais não decorrem da vontade manifestada em um contrato anterior entre as partes – de cunho eminentemente privado –, mas de um dever decorrente da lei, que pressupõe a atividade coativa do Estado-juiz para que o recalcitrante obedeça à regra jurídica.

Essas distinções ficam evidenciadas quando da comparação entre o pedido de imissão na posse de bem imóvel e o pedido de entrega da coisa. Exemplos desta distinção é a imissão na posse conferida a herdeiro necessário e a imissão na posse em contrato de compra e venda.

Ressalva Marinoni:

(...) entendeu-se que tratar em um mesmo capítulo as ações fundadas em direito real e as ações que tomam em consideração o contrato – seja uma ação para exigir o adimplemento de prestação de entrega de coisa, seja uma ação de restituição da coisa que, com base nele, era possuída – constitui a melhor maneira de se aprofundar o estudo das ações que podem se fundamentar no art. 461-A do CPC, uma vez que, como ressaltado, não é possível confundir devedor e esbulhador, ou ainda deixar de diferençar os pressupostos do direito ao adimplemento da obrigação de entrega de coisa do direito à imissão na posse. 131

Não obstante a atual constatação de um problema semântico quanto ao conceito de obrigação, as interpretações do art. 461, 461-A e, mais recentemente, do art. 475-I, do CPC, ainda se chocam com a concepção da mandamentalidade, eficácia presente nas decisões oriunda da aplicação desses dispositivos.

Sobre essa questão, Eduardo Talamini é categórico:

O sistema de tutelas estabelecido a partir do art. 461 não se limita às obrigações propriamente ditas. Estende-se a todos os deveres jurídicos cujo objeto seja um fazer ou um não fazer – como tem reconhecido a doutrina. 132

Para tal afirmação, o jovem jurista paranaense parte da premissa que uma obrigação, em sentido técnico, seria, apenas, uma das categorias de “dever jurídico”, este entendido como “imposição jurídica da observância de determinado comportamento ativo ou omissivo, passível de ser resguardada por sanção”.

A base de tal assertiva se encontra na doutrina civilista tradicional, como na obra de Orlando Gomes133, que bem retrata o desvirtuamento do conceito

de obligatio, apontado por Ovídio Baptista.

Com isso, Talamini quis justificar a razão da expedição de uma ordem judicial, com base no art. 461, à revelia de qualquer avença anterior de natureza privada, e.g., o caso da ordem judicial dirigida a determinado órgão público para que

132 TALAMINI, Tutela relativa..., cit., p. 126.

133 “É definição clássica dos romanos, incorporada às Institutas: ‘obligatio est júris vinculum, quo

necessitate adstringimur alicujus solvendae rei.” Conquanto mereça, ainda, aplausos dos civilistas, o

conceito não é inteiramente satisfatório em razão das interpretações que comporta a expressão ‘solvere rem’. Tomada no sentido literal e restrito de pagar uma coisa, não abrange todas as espécies de obrigação; na acepção ampla de prestação, compreende todos os deveres jurídicos. Admite-se, no entanto, que a expressão se refere a todas as prestações patrimoniais.” (GOMES, Orlando. Direito

reenquadre um servidor em sua função. Nesse caso, não haveria a possibilidade de identificar a relação jurídica obrigacional, de origem privada, entre o servidor público e o Estado, de modo que a executividade dependeria da inclusão, no art. 461, dos “deveres jurídicos”, a fim de ampliar sua abrangência.

Há uma explicação bastante coerente para o esforço da processualística atual: o apego à concepção da condenação. Em tese, somente com a inserção de um provimento condenatório no âmago do art. 461, seria possível aceitar os efeitos executivos que produz. Mais. Somente admitindo-se esse provimento como condenatório e, consequentemente, como título executivo, é que se poderia pensar em execução forçada.

A despeito da engenhosidade de tal construção doutrinária, um caminho tão longo se torna desnecessário, à luz do resgate das origens esquecidas do poder de imperium do Magistrado, turvadas pela função precípua que lhe foi atribuída de “dizer o direito” (iuris dictio), como se uma função excluísse a outra.

Nessa senda, vale ressaltar os ensinamentos de Lucio Bove134 – Livre Docente de Direito Romano da Universidade de Napoli – ao afirmar que o conceito de imperium não revela nada mais do que um comando ou um poder, que sofreu mutação durante o passar dos séculos, a ponto de não permitir ao estudioso moderno reconstruir um conceito unitário.

Mais à frente, o professor italiano assevera:

Ciò, in particolare, deve osservarsi per la distinzione tra imperium ed iurisdictio: come è stato ben detto (e come è confermato da quanto si è osservato circa l’inesistenza di uma nozione unitaria di

imperium), il famoso problema che per secoli ha tormentato la scienza giuridica, no merita, un fondo, nè storicamente nè dommaticamente una profonda indagine. Esso non è, a ben considerare, nepture un problema. Imperium è il potere del magistrato, inteso in un senso indefinito e generale. Iurisdictio è al contrario qualche cosa di infinitamente determinato e specifico, anche se si voglia considerarla come emanazione dell’imperium. Premesso ciò, la distinzione esiste e no esiste. Esiste in quanto imperium è un insieme di potestà, mentre iurisdictio è una singola potestà; non esiste in quanto anche la iurisdictiio è emanazione dell’imperium.135

Como se vê, a atuação jurisdicional aporta em seu seio o poder de

imperium, que passou a fazer parte das funções do magistrado com o advento da

República e, sem o qual, não lhe seria permitida a prática dos atos executivos. O imperium, antes exercido por meio dos interdicta – espécies de provimento correspondente a uma ordem –, deu origem à concepção da sentença mandamental.

Isso se explica pelo fato de serem os provimentos com conteúdo patrimonial perfeitamente adaptável à actio romana – que esteve nas bases do sistema moderno. Ao passo que, nos provimentos sem conteúdo patrimonial, a tutela passou a depender dos interdicta. Daí a razão de que muitos doutrinadores contemporâneos chegaram a atribuir, aos interdicta, natureza puramente administrativa, concepção desmistificada posteriormente.136

135 BOVE, op. cit, p. 213.

Nesse passo, é preciso focar a tutela mandamental, sistematizada nos artigos 461 e 461-A, e apoiada nos mecanismos coercitivos, à disposição do julgador. Realidade que se choca com a crença consolidada de que a exortação a uma obrigação de fazer depende de uma condenação, sucedida de execução, como se a própria tutela mandamental prescindisse de atividade executiva.

É nesse sentido que Luiz Guilherme Marinoni faz o seguinte comentário:

Para a realização da tutela ressarcitória, a sentença depende da declaração do dano (ilícito danoso) e da prática de ato pelo réu (ressarcimento na forma específica) ou da retirada de algo que está legitimamente no seu patrimônio (ressarcimento pelo equivalente monetário), ao passo que, para a realização da tutela de remoção do ilícito (p. ex., relativa à exposição à venda de produtos nocivos), é suficiente declarar que réu cometeu ato contrário ao direito, pois isso autoriza a expedição de mandado executivo, exatamente porque a execução não depende de algo que precisa ser feito pelo réu (ressarcimento na forma específica) ou da retirada de bem que está legitimamente no seu patrimônio (ressarcimento em dinheiro). Em outros termos: se a sentença declarou que o réu violou a lei, não há racionalidade em condená-lo, como se a realização do direito dependesse de uma prestação sua (de fazer ou de pagar). Basta a expedição do mandado de busca e apreensão. 137

E, mais adiante, o processualista paranaense arremata:

Tal sentença, que sequer poderia ser pensada na época em que a condenação foi concebida, tem relação com os novos direitos e, por isso, reveste-se de força executiva para bem atendê-los, ao

contrário da condenatória, que apenas abria oportunidade para o vencedor requerer, em caso de inadimplemento, que a força do Estado fosse utilizada para conduzir à realização da prestação devida. 138

Diante do que foi dito até o momento, importa frisar a prescindibilidade de conceber uma tutela condenatória inserida nos artigos 461 e 461-A; igualmente, não há utilidade prática na distinção entre obrigação (de natureza contratual) e dever jurídico, para justificar a eficácia mandamental existente nos provimentos dados com base nesses dispositivos.

Dessarte, para o estudo das tutelas provenientes das novas regras, a dicotomia entre obrigação e dever jurídico se torna despicienda.

Ademais, a emergente eficácia mandamental pode dispensar a relação jurídica prévia, como ocorre com o depositário judicial que tem o dever de restituir a coisa.

4.2 O conteúdo executável da tutela jurisdicional oriunda dos arts. 461, 461-A e 475-I do CPC

Pelo exposto nas linhas antecedentes, é permitido inferir que o conteúdo executável dos provimentos judiciais, baseados nos arts. 461, 461-A e 475-I, implicam as determinações que produzirão transformação no plano dos fatos, ou seja, resultam em repercussão física.

Nessa esteira, as obrigações (ou deveres) de fazer e não fazer, de entregar coisa e de pagar quantia, por provocarem o desapossamento ou a transformação, importam provimento de eficácia executiva.

Convém ressaltar, em apertado espaço, a obrigação de declarar vontade (ou obrigação de contratar), tão em evidência após a redação esquisita do inciso I do art. 475-N.

No projeto de lei, a norma falava expressamente em “sentença condenatória proferida no processo civil”.139

No entanto, a regra original foi modificada no Senado Federal, sob a justificativa de mera alteração de “redação”. Esta transformou profundamente a ratio da lei e culminou na defesa, por parte da doutrina, da possível execução da obrigação de declarar vontade, pois a “redação” modificada naquela Casa de Leis, ao arrepio do art. 65, parágrafo único, da CF, alude à executividade da sentença que “reconheça” a obrigação de fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar quantia.

Parte da doutrina defende que a sentença que determina ao devedor a declaração da vontade de contratar é passível de execução, por estar inserida no rol dos títulos executivos do art. 475-N.140

Contudo, ao considerar que a obrigação de declarar vontade é espécie de obrigação de fazer, mais precisamente implica prestação de fato jurídico141, fica a dúvida sobre o procedimento executivo a ser imprimido: se o do art. 461 ou do art. 475-J, e seguintes.

139 Projeto de Lei n. 3253/2004.

140 Cf. MEDINA, José Miguel G. A sentença declaratória como título executivo – considerações sobre

o art. 475-N, inc. I, do CPC. In: HOFFMAN, Paulo; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva (Coords).

Processo de execução civil – modificações da Lei 11.232/05. São Paulo: Quartier Latin, 2006. p. 119.

141 VARELA, João de Matos Antunes. Das obrigações em geral. 3ª ed. Coimbra: Almedina, 1980. p.

Outrossim, ao configurar prestação de fato jurídico (em contraposição ao fato material), não haveria efeitos de repercussão física gerados por esse provimento, razão pela qual não será incluído como sentença executiva, muito menos como título.

4.3 Breves comentários acerca da obrigação de fazer e não fazer

Sem desprezo aos mais renomados civilistas que, desde Justiniano, tecem criteriosamente seus conceitos sobre obrigação, diante da visão eminentemente processualista e útil ao estudo do procedimento executivo, é de aferir que aqueles conceitos não sejam tão adaptáveis ao conjunto das normas processuais em foco.

Considerando a imensa dificuldade que existe no conceituar os principais institutos jurídicos, pensamos que, na atual conjuntura, a melhor definição de obrigação deve ser aquela que possibilita a aplicação a maior número de casos concretos, o que compele à forma simples e garantidora da essência desse instituto. Assim, é possível afirmar que o conceito de obrigação envolve um vínculo jurídico, de natureza pessoal, que tem por objeto uma prestação positiva ou negativa, de cunho patrimonial ou não.

A própria etimologia da palavra “obrigar” – proveniente de obligare ou

ligare ob (ligar para) – já deixa evidenciado a existência de um liame entre os

sujeitos.142 Convida a este sentido figurado: estar ligado a alguém por um dever, daí

“obrigar”, ou tornar responsável. O substantivo obligatio sinonimiza a ação de empenhar a vontade, a palavra.

O elemento do vínculo jurídico deve compor o conceito de obrigação pela necessidade de diferenciá-la das obrigações de cunho moral, religioso, etc.

No núcleo desse liame jurídico está a espécie de obrigação, caracterizada pela prestação: de fazer ou não fazer, dar coisa ou pagar. E, por fim, a obrigação pode ter conteúdo não patrimonial, como a promessa de casamento, exemplo aduzido por Antunes Varela.143

Para o jurista lusitano, o caráter patrimonial da prestação não é essencial, e explica:

Quando insistem no requisito da patrimonialidade, como pressuposto de validade da obrigação, os autores fundam o seu raciocínio sobre a hipótese de o devedor não cumprir espontaneamente, e partem da ideia de que a única sanção ao alcance da justiça, capaz de assegurar a obrigatoriedade do vínculo (a execução forçada do patrimônio do devedor) só é viável se a prestação tiver valor pecuniário, pois é este valor que comanda ou orienta o fim da execução. 144

Com efeito, no campo das obrigações de fazer e não fazer é que a questão da patrimonialidade se complica, pois a obrigação de não fazer pode não ter natureza patrimonial, tampouco o interesse do credor teria.

143 VARELA, Das obrigações..., cit., p. 89, n. 2. 144 Ibid., p. 88.

As obrigações de fazer e as de não fazer pressupõem uma prestação de fato, o que implica atividade pessoal do devedor da obrigação. Ou seja, a relação obrigacional tem por objeto qualquer comportamento humano, lícito e possível.145

A prestação de fatos pode ser personalíssima, ou não. Afigura-se personalíssima quando somente ela pode ser cumprida pelo devedor –