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3 CONSOLIDAÇÃO, ALAVANCAGEM, ABERTURA E REESTRUTURAÇÃO DAS EXPORTAÇÕES BRASILEIRAS: O SETOR CALÇADISTA EM FOCO

3.5 A indústria calçadista e o mercado interno

A relação de dependência que a indústria calçadista alimentou por décadas a fio com os Estados Unidos sofreu consideráveis abalos na década de 1990 com todos os acontecimentos que já esmiuçamos nos tópicos anteriores. Neste sentido, para não sucumbir, foi imprescindível que o setor em questão buscasse alternativas para a sua sobrevivência. Diversos movimentos foram observados, especialmente aqueles voltados para a busca de mercados alternativos, independentemente de serem novos destinos para as exportações, ou mesmo, a exploração do mercado interno. Matéria veiculada pela

revista lançamentos em agosto de 2005 revela um desses movimentos no setor calçadista, principalmente em termos de mudanças no destino de suas exportações.

Dados trazidos pelo citado veículo de comunicação revelam que o Brasil, em 2005, ocupava a posição de terceiro maior produtor de sapatos do planeta, com uma fabricação anual que ultrapassava os 700 milhões de pares. A revista Lançamentos também revela na matéria que o país seria o quinto maior exportador naquele contexto, com mais de 200 milhões de pares vendidos ao exterior anualmente, o que representava 18% das exportações nacionais. De acordo com a reportagem, pouco tempo antes, cerca de 90% do total de calçados que saíam do país eram importados pelos Estados Unidos. No entanto, a reportagem revela que na década de 1990, observou-se uma diversificação gradativa dos mercados. “[...] Tanto que, em 2004, os EUA importaram 57% dos calçados brasileiros. Em 2003, eram 64% e, 2002, 71% [...]” (LANÇAMENTOS, 2005, nº4, p. 10).

Diante desta situação, a reportagem realizada pela revista Lançamentos revela que, naquele período, as exportações atingiam mais de uma centena países, ou seja, o objetivo de descentralização e aumento de volume das exportações foi progredindo aos poucos. De acordo com a revista, entre os principais clientes do Brasil estariam o Reino Unido, Argentina, México, Canadá, Espanha, Chile, Alemanha, Países Baixos, Porto Rico, Paraguai, Bolívia, Venezuela, Itália, Paraná, Equador, Uruguai, Austrália e Emirados Árabes.

Além da exploração de novos mercados, um relevante movimento no sentido de exploração do mercado interno trouxe uma sobrevida para uma considerável parcela das indústrias do setor calçadista brasileiro, conforme avalia Host Volk, presidente da Abicalçados em 1995, em entrevista concedida para o jornal Exclusivo.

Volk faz algumas considerações acerca do mercado interno no que tange a indústria calçadista brasileira como um todo. Naquele momento, devido o contexto político-econômico em que o país se encontrava, o mercado interno mostrava-se promissor para a indústria do calçado brasileira, pois se acreditava na continuidade do bom desempenho do mercado interno, uma vez que presidente recém-eleito era o “pai” do Plano Real, e certamente o levaria adiante a qualquer custo, mesmo encontrando obstáculos previsíveis para o ano seguinte, considerando que ele não permitiria o aumento inflacionário.

Já o mercado externo encontrava-se em crise naquele período. Estimava-se que naquele ano o desempenho deste setor nas exportações atingiria no máximo o montante

de 20% em relação ao ano anterior. “[...] O fato significa o aumento da queda depois de muitos anos em ascensão [...]” sinaliza Volk.

Segundo ele, se o governo não ajustasse o câmbio, não suprisse o compulsório, não controlasse os preços internos das indústrias de base, os juros, as taxas de importação das matérias-primas para calçados, este setor seria um ano muito difícil para os exportadores, principalmente para os que não tivessem condições de produzir sapatos de preços mais altos, não tem produtividade e não são capitalizados. “[...] Estes, fatalmente, terão, inclusive, grandes dificuldades quando resolverem mudar sua produção para o mercado interno, que poderá, no próximo ano, absorver alguma parcela da produção, antes destinada às exportações [...]” (EXCLUSIVO, Edição Especial, 10/01/1995, p. 11).

Prova disso são os dados revelados por Rosa e Correa (2006), acerca da situação das exportações e, do mesmo modo, do mercado interno. Segundo os autores, entre 1993 e 1999 a produção brasileira de calçados teve queda de 5%, enquanto para o mesmo período a produção mundial cresceu cerca de 15%. Todavia, como foi dito anteriormente por estes e outros autores, em 2000 houve uma recuperação considerável.

[...] Se compararmos os volumes produzidos em 1999 e 2005, constataremos um aumento de 45%. Se analisarmos o período compreendido entre 1993 e 2005, verificaremos que o crescimento foi de 38%. O consumo per capita também apresentou queda de 1% em 2005, em relação a 2004 (Gráfico 2 Brasil: Consumo Percapita de Calçados Fonte: Abicalçados) [...]” (ROSA e CORREA, 2006, p. 2).

Estes dados reiteram as afirmações de Gorini, Correa e Silva (2000). Segundo os autores, as indústrias de calçados de Franca venderam para o mercado interno, em 1999, cerca de 25,4 milhões de pares de calçados, correspondente a 86% de sua produção e 6% do consumo aparente brasileiro.

[...] As vendas internas voltaram a crescer a partir de 1996 devido ao aumento do poder de compras da população brasileira. O volume de vendas em 1998 (25,4 milhões de pares) quase atingiu os números de 1986 (26 milhões de pares), que foi o pico de vendas desde 1984 (Gráfico 6 Evolução das Vendas Internas de Calçados de Franca Fonte: SINDIFRANCA [...] (GORINI, CORREA e SILVA, 2000, p. 13).

Em contrapartida, Rosa e Correa (2006) revelam um cenário consideravelmente adverso do encontrado no final da década de 1990. Os dados apresentados pelos autores revelam que em 2005 o Brasil produziu 725 milhões de pares de calçados, apresentando queda de 4% em relação a 2004, interrompendo a tendência de crescimento iniciada em 2000. Tal queda na produção, segundo sua ótica, foi motivada, principalmente, pelo

decréscimo de 10% no volume exportado e pela estagnação no consumo interno (Gráfico 1 Brasil: Produção e Consumo Aparente de Calçados Fonte: SATRA / ABICALÇADOS) (ROSA e CORREA, 2006, p. 2).

Mas, como podemos observar a seguir, há casos em que a luta contra estes diversos entraves pode ser fundamental para a melhoria das condições das empresas produtoras de calçados no país, como é o exemplo de Saulo Pucci Bueno que tinha como lema, quando assumiu a primeira vice-presidência do Ciesp (Centro das Indústrias do Estado de São Paulo), a seguinte frase: “trabalhando pelo progresso do setor”. Em entrevista ao Jornal Exclusivo, realizada por Jussara Vieira, o empresário francano passava, naquele momento, a ser um dos líderes de uma das maiores entidades representativas da indústria brasileira, além de ocupar o cargo de diretor adjunto regional do Ciesp em Franca / SP.

Com isso o empresário passou a ser o interlocutor direto dos industriais da cidade e em todo o estado paulista, atuando em defesa dos interesses da cadeia produtiva de todos os segmentos. Segundo ele, os projetos para 2006 das entidades que representa teriam a missão de unir e fortalecer o setor calçadista brasileiro.

Além disso, Bueno avaliou o ano de 2005 como um ano “tumultuado”, especialmente para os empresários.

[...] Ao recapitular os acontecimentos no mundo, o que se vê é uma série de fusões, aquisições, reestruturações, falências, entrada e saída de empresas do Brasil, negociações difíceis entre companhias no exterior. Mas, particularmente para o setor calçadista, foi um ano difícil. Perdemos um

espeço internacional muito grande e, com baixo poder aquisitivo, estamos perdendo também o mercado interno. Não existe nada mais

desagradável do que ver nos noticiários que empresas estão fechando, dispensando inúmeros funcionários e ver o desespero das pessoas que perderam o emprego. A comitiva que esteve recentemente em Brasília foi mostrar essa realidade ao presidente Lula, que começou sua carreira no Sindicato dos Metalúrgicos e sabe muito bem o que significa a estabilidade de uma empresa para o trabalhador [...] (grifo nosso) (EXCLUSIVO, 18/01/2006, nº 2300, p. 19).

Já em 2012 deparamo-nos com um cenário bem diferente. Conforme informações reveladas pela revista Lançamentos, a indústria calçadista foi mais uma a ser beneficiada com crescimento da classe C, que aqueceu o mercado interno em 2012. “[...] O setor produziu 864 milhões de pares, atingindo R$ 23,9 bilhões, alta de 9,6%, em relação a 2011, segundo o Relatório Setorial da Indústria de Calçados do Brasil, elaborado pelo Instituto de Estudos e Marketing Industrial (IEMI) [...]” (LANÇAMENTOS, 2012, p. 7).

De acordo com Abdala Jamil Abdala, na época diretor da Associação Brasileira de Calçados (Abicalçados) e presidente da Francal (Feira Internacional da Moda em Calçados e Acessórios), havia ainda a tendência das vendas internas no segundo semestre serem ainda maiores. “A expectativa é que as vendas no varejo cresçam entre 6% e 7% após julho. Com o varejo em alta, a indústria também aumenta a produção”, diz.

Tanto a bibliografia consultada, quanto as análises das nossas fontes de pesquisa e das entrevistas realizadas com os dirigentes, ex-dirigentes dos sindicatos da indústria de Franca Birigui e Jaú, assim como empresários e ex-empresários do setor, indicaram o crescimento das oportunidades que o mercado interno passou a oferecer para a indústria calçadista, mesmo tendo momentos de “altos e baixos”, chamando a atenção para o fato de que o mercado interno de fato teve relevante papel na recuperação e manutenção da indústria calçadista de modo geral, especialmente no que tange às micro e pequenas empresas.