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MACRO REGIÔES

4.3 A INDISSOCIABILIDADE ENTRE ATENÇÃO , GESTÃO E FINANCIAMENTO

A organização de sistemas e também de serviços de saúde presume um conjunto muito amplo, diversificado, e, às vezes, até mesmo contraditório de aspectos. Esta pesquisa delineou o cenário da crise orgânica que se apresenta de forma intensa e também provocando contradições. Em momentos de crise e de contrarreformas, o impacto para a políticas sociais é evidente, e com a política de saúde não será diferente, especialmente as contradições do processo, analisando-se a condução dos sistemas municipais de saúde.

Embora as perspectivas econômica e administrativa, nesse contexto, tenham que ser priorizadas, o modelo e /ou a concepção técnica que se traduzem na dimensão da atenção à saúde não podem ser desconsiderados e nem preteridos. Os resultados da pesquisa apontam a necessidade de articulação e também de que as três dimensões abordadas (atenção, gestão e financiamento) devem ocupar simultaneamente a preocupação dos gestores, dos pesquisadores e técnicos, sob pena de uma dimensão afetar a outra de forma negativa.

O debate sobre a indissociabilidade entre atenção, gestão e financiamento pretende tangenciar a extensão e a importância da integração e da articulação necessárias, mas que ainda não foram observadas na implementação do SUS. Perseguindo essa lógica, o conceito de indissociabilidade tratado por TAUCHEN (2009) e FÁVERO (2000) pode ser uma contribuição relevante para este estudo, pois remete a algo que não existe sem a presença do outro.

Na saúde, a Política Nacional de Humanização da Atenção e Gestão do SUS sustenta a indissociabilidade entre a forma de produzir saúde e a forma de administrar os processos de trabalho entre atenção e gestão, entre clínica e política (BRASIL, 2009). Ampliando esse

raciocínio, acrescenta-se que o financiamento está implícito nessa relação, outrossim, para acontecer o cuidado e a gestão, indubitavelmente será necessário o financiamento adequado.

Outros termos são propostos ao se referirem à indissociabilidade como uma relação indissolúvel e de unicidade (DIAS, 2009). As ideias de articulação e integração são tratadas como sinônimo de indissociabilidade (MOITA; ANDRADE, 2009). Sob outro aspecto, o conceito de indissociabilidade deve incorporar o caráter de simultaneidade (AXT, 2011).

Contudo, considerando-se essas concepções oferecidas, dois grupos de perspectivas apresentam-se: um que a entende como a coexistência entre as partes e outro que abrange a necessidade de interação entre elas. A discussão da indissociabilidade ainda trazida do contexto da educação também pode ser caracterizada na saúde como “um processo multifacetado de relações e de correlações[...]” (RAYS, 2003, p.73).

A indissociabilidade, nesta tese, é concebida considerando que não basta que cada uma dessas dimensões − da atenção, da gestão e do financiamento −, ocorra isoladamente, ou mesmo não basta que haja somente uma articulação entre elas. Um dos fatores necessários é a simultaneidade na perspectiva imperativa de organizar a atenção à saúde, gerenciar o sistema e garantir um financiamento compatível com as necessidades de saúde a serem atendidas. Então, conforme ressalta Funcia representante do CNS “[...] para que queremos mais recursos para o SUS? Para assegurar a mudança no modelo de atenção, para que a atenção básica seja ordenadora do cuidado? [...] (RIO GRANDE DO SUL, 2017). É exatamente a questão que precisa ser ponderada, pois não se trata apenas de falta de recursos, mas fundamentalmente de definir como aplica-los.

O debate sobre o princípio da indissociabilidade produzido entre pesquisa, ensino e extensão, remete ao cumprimento do papel da Universidade, do qual se entende oportuna a utilização como parte do aporte teórico que trata dentre outras questões, da disputa pelo modelo de universidade e mais amplamente pelo modelo de sociedade. Na saúde, também não é diferente quando a análise recai sobre as dimensões de atenção, gestão e financiamento, que significam os dilemas cruciais para sustentabilidade do SUS. Trata-se de projetos em disputa, seja o que preconiza incondicionalmente a continuidade e a sustentabilidade do SUS com as ideias da Reforma Sanitária, seja o que proclama a retração do papel do Estado, com o formato de Estado mínimo, com impacto na redução do financiamento das políticas sociais, tornando- as frágeis.

Não suficiente o Estado ainda promove um ajuste fiscal para os próximos 20 anos, com foco na educação e sua saúde, desvinculando os recursos da receita e definindo um indexador da inflação para sua reposição anual. Essa estratégia de austeridade fiscal, como já foi abordada na tese, em nada contribuiu com os países que a adotaram. No caso brasileiro, as repercussões tendem a ser ainda mais contundentes, em função das desigualdades sociais já existentes e que não atendem o conjunto de necessidades da população. Conforme lembra o representante do CNS “[...] em época de recessão, não se pode cortar gasto público, por mais que se queira induzir o setor privado, dizendo: olha, eu estou fazendo a minha lição de casa. Com o setor privado, ocorre o seguinte: só haverá investimento se houver expectativa de lucro” (RIO GRANDE DO SUL, 2017). Por vezes, observa-se a focalização, mesmo sob a perspectiva da universalidade.

O Presidente da Federação dos Empregados em Estabelecimentos de Saúde (FEESSERS)disse na audiência: “A Federação tem um entendimento muito claro de que o dinheiro é muito controlado na saída, mas não na chegada. Uma palavra do auditor que me chamou muito a atenção, e que de fato é mesmo, é que ninguém sabe qual é o real custo da saúde (Estado, Municípios e União) (RIO GRANDE DO SUL, 2017). Esse é um outro dilema que precisa ser enfrentado, pois a parametrização não é adotada, o planejamento não é ascendente e adequado, muito menos pactuado nas instâncias de governança do SUS. A possibilidade do uso de emendas parlamentares também não contribui para gerenciar o sistema com a coerência necessária, pois os recursos são captados e nem sempre podem ser concluídos os projetos.

Muito se tem discutido sobre a inviabilidade do sistema atual e para o futuro, seja pela questão do financiamento, seja pelo subfinanciamento, propagando a dificuldade para manter a universalidade e/ou a focalização, seja, ainda, pela necessidade de organizar o sistema a partir da APS e de ela não se ter constituído, na verdade, como prioridade política. Mesmo com as inúmeras experiências de outros países traduzidas em robustas evidências não são suficientes para que ocorra a mudança efetiva, do teórico ao prático.

Os resultados da pesquisa sugerem que a APS não representa prioridade política e nem estratégica para a gestão. Assim, é oportuno fazer-se a pergunta: quem ganha com isso? Quem se beneficia estruturando o sistema pela assistência hospitalar e ambulatorial? Como com todo o aumento de repasses nos últimos anos acima da inflação esse nível de atenção permanece à beira de uma crise? Todo esse investimento ampliou o acesso e a qualidade da atenção à população? Poderá o SUS ainda ser organizado para atender as condições agudas

prioritariamente, quando a realidade impõe, com dados claros, uma transição demográfica e uma mudança do perfil epidemiológico dos brasileiros? O que não se aprendeu até agora? A mais complexa das constatações é a de que os resultados em relação à saúde da população continuam sem alteração significativa, com todos os recursos aportados, basta olhar a série histórica dos indicadores.

Para o COSEMS/RS são “[...] vários os fatores e interesses econômicos, sociais e políticos, que entram no debate do Sistema Único de Saúde. Temas como o desfinanciamento e a criação de sistemas paralelos de saúde devem ser debatidos mais intensamente para que não haja a destruição do SUS” (RGS, 2017). São diferentes óticas, interesses e tensionamentos, mas o que precisa é conciliar essas diferentes perspectivas.

Esses questionamentos provocados pela reflexão a partir do processo de pesquisa podem também indicar estudos futuros, complementares e/ou independentes dos resultados atingidos até o momento. Na perspectiva epistemológica adotada a conclusão nada mais é do que um momento que pode significar o início e não necessariamente o final. Novos elementos agregam- se e podem ser explorados novos caminhos.

É imperioso ressaltar-se que a questão do financiamento da forma como está estruturado, priorizando a atenção hospitalar e a ambulatorial, não viabilizará a ampliação do acesso à população, na medida em que o tensionamento junto às gestões tem sido no sentido de ampliar cada vez mais os serviços e recursos, que, na atualidade, estão demandando quase 60% dos recursos gastos em saúde no Rio Grande do Sul. Se essa lógica persistir, muito em breve estes não serão mesmo suficientes, já que são finitos. Os municípios estão sendo tensionados pelos prestadores a complementação de valores à vários procedimentos, o parto é um deles.

Para o coordenador do Centro de Apoio Operacional dos Direitos Humanos, representando o Ministério Público, existe

[...] uma armadilha implícita quando tratamos da busca para custeio e investimentos, deixando para o gestor decidir como aplicará. Em geral, premido pela pressão, o gestor acaba canalizando mais verba para a compra de medicamentos, o que deveria ser a etapa final de um processo”, analisou. [...] há um sistema desequilibrado, em razão das interpretações judiciais, em todas as instâncias, desde o município até o STF. Enfatizou ser necessária a luta plena e permanente para que o SUS seja mantido (RIO GRANDE DO SUL, 2017).

Isso está associado a uma gestão que não atende os princípios constitucionais da administração pública, parcial ou integralmente, ou seja, a legalidade, a moralidade, a

impessoalidade, a razoabilidade e a proporcionalidade, bem como a publicidade e a eficiência. A legalidade como uma das principais garantias de direitos individuais. A moralidade é sustentada no ato administrativo, na discricionalidade dos gestores. Contudo, essa abordagem representa os pressupostos fundamentais para a administração pública. A impessoalidade é um princípio que garante o tratamento igual a todos, e a publicidade, a divulgação das ações e dos resultados. Por último, a eficiência trata de atingir os melhores resultados com os recursos existentes. Essas constatações remetem à reflexão sobre o que foi aprendido com os caminhos e descaminhos trilhados para a consolidação do SUS.

5 OS CAMINHOS E DESCAMINHOS PARA A CONSOLIDAÇÃO DO SISTEMA