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3 O SISTEMA DE SAÚDE BRASILEIRO: SEUS ASPECTOS ORGANIZATIVOS E OPERATIVOS, DILEMAS E CONTRADIÇÕES

3.2 A SPECTOS ORGANIZATIVOS , OPERACIONAIS E FLUXOS NO SUS

Entre os princípios organizativos da RAS, podem-se elencar: a economia de escala, a disponibilidade de recursos, a qualidade e o acesso da população aos serviços de saúde (ALETRAS, et. al., 1997; FERGUSON E GODART, 1997; CARR-HILL et. al., 1997; MENDES, 2011). Nessa perspectiva, eles se apresentam da forma que segue:

Na economia de escala e de escopo, os serviços que devem ser ofertados de modo

disperso revelamque há recursos suficientes e que a distância é fator fundamental para a acessibilidade. Um exemplo de serviços que devem ser dispersos são as unidades básicas (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2000). Já aqueles que devem ser concentrados beneficiam-se da economia de escala, uma vez que os recursos são escassos e a distância tem menor impacto sobre o acesso. Esse princípio tem sido acompanhado de uma discussão quantitativa sobre os procedimentos, ou seja, os serviços devem garantir a realização de tantos procedimentos quantos forem necessários para viabilizar o financiamento. Essa lógica está sedimentada em que o serviço, ao efetuar muitos procedimentos, deve apresentar a composição de equipe necessária. Além desse aspecto, também o quantitativo pode reduzir erros no processo53.

A disponibilidade de recursos engloba recursos físicos, financeiros, humanos e tecnológicos. A existência de recursos é tão importante quanto sua alocação, mas a sua disponibilidade é que determinará o seu grau de concentração de maneira direta.

A qualidade dos serviços deve garantir que eles sejam focados nos usuários, baseados em evidências, ofertados em tempo oportuno, seguros para eles, prestados em consonância com padrões ótimos predefinidos, submetidos a medidas de performance nos níveis de estrutura,

53Exemplo dessa lógica é a realização de partos em estruturas com até 20 leitos, chamados de Hospitais de Pequeno Porte (HPP), que demonstram que o risco de morte do recém-nascido por causas relacionadas ao parto é 10 vezes maior quando comparado partos em maiores hospitais que fazem mais de 365 partos/ano. Isso está relacionado à existência de uma equipe completa para a realização do procedimento, condições de estrutura e qualidade do processo de trabalho. Por isso o RS em 2017 avançou na regionalização do parto e nascimento, usando esse ponto de corte e dos vazios assistenciais. Com esses números o RS foi um dos poucos estados brasileiros a atingir as metas pactuadas pelos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio.

processos e resultados, realizados de forma humanizada, equitativos e operados com escala adequada (INSTITUTE OF MEDICINE, NATIONAL RESEARCH COUNCIL, 2009).

O acesso deve ser estabelecido a partir de quatro requisitos: o custo de oportunidade da utilização dos serviços de saúde, a severidade percebida na condição que gera a necessidade de busca dos serviços, a efetividade esperada desses serviços e a distância dos mesmos (CARR- HILL, PLACE E POSNETT, 1997). Assim, quando há conflito entre os princípios de escala e acesso – o que é comum em regiões de baixa densidade demográfica -, deve prevalecer o acesso sobre a eficiência do sistema (BRASIL, 2015a).

O acesso54 à saúde engloba inúmeros fatores e pode ser analisado sob abordagens diversas. O sistema institucional de saúde, na prática diária, apresenta dificuldades que impedem a satisfação das necessidades de assistência à saúde da totalidade da população, por isso o conceito de acessibilidade55 deve estar presente. Parece importante o conceito de equidade e de abordagem geográfica como construção da "base territorial".

Entre os fundamentos e atributos para a construção da RAS, ainda se encontram a região de saúde, as formas de integração e os níveis de atenção (MENDES, 2011).

A região de saúde é a área geográfica de abrangência para a cobertura de uma determinada RAS. São normalmente denominados distritos, territórios ou regiões sanitárias. Cada estado do Brasil tem um desenho diferente, mesmo que atendendo o que preconiza a mesma legislação. Essa concepção pode ser construída em nível local, mas exige que se amplie para um território maior, por exemplo, a rede materno infantil, que deve contar com vários serviços dispersos e, em alguns casos, concentrados, atendendo mais de uma região e localizando-se em uma macrorregião, como no caso de subespecialidades importantes como genética, cárdio, dentre outras. No Rio Grande do Sul foram definidas 30 regiões de saúde, mas os gestores continuaram utilizando também o desenho de sete macrorregiões de saúde já existente.

A integração para a construção das RAS tem como objetivo garantir um continuum de atenção à saúde, podendo ser classificada em: horizontal e vertical. A integração vertical

54Então o acesso é definido como o uso oportuno de serviços de saúde para alcançar os melhores resultados possíveis em saúde (MILLMAN, 1993). Trata, enfim dos recursos que facilitam ou atrapalham, enquanto barreiras os esforços dos cidadãos de chegarem ao atendimento (DONABEDIAN, 1973).

55 A acessibilidade envolve as características relacionadas à distância e ao tempo necessário para obter os serviços (DONABEDIAN, 1973). Ainda, pode ser analisada quanto a disponibilidade, comodidade e aceitabilidade (SHIMAZAKI, 2009).

refere-se à articulação e à coordenação de diferentes organizações de saúde responsáveis por ações de natureza diferenciada (primária, secundária ou terciária), objetivando agregar valor aos serviços. A integração horizontal diz respeito à junção de unidades e serviços de saúde de uma mesma natureza, no intuito de agregar serviços em uma mesma cadeia produtiva para obter ganhos de escala por meio de fusão ou aliança estratégica.

A organização do sistema de saúde por níveis de atenção exige que a distribuição dos serviços assistenciais seja feita com base em uma escala. Conforme essa escala, deve se repetir também entre os grupos de serviços de nível terciário em relação ao secundário (MENDES,2011). No Brasil, o SUS está organizado por níveis de atenção, portanto, a sua descentralização e capilaridade são responsáveis por promover um atendimento mais próximo à população, uma vez que cada um desses níveis corresponde a um determinado conjunto de serviços assistenciais disponibilizados aos usuários, sendo alguns de maior ou menor complexidade. Tais categorias, determinadas pela OMS, buscam promover, restaurar e manter a saúde dos indivíduos.

No nível primário de atenção, também denominado de Atenção Básica ou Atenção Primária à Saúde56, nesta tese será utilizado APS para referir a esse nível de atenção. E é nele que estão as Unidades Básicas de Saúde (UBSs) e as Estratégias de Saúde da Família (ESFs). A APS caracteriza-se por um conjunto de ações de saúde individuais, familiares e coletivas que envolvem promoção, prevenção, proteção, diagnóstico, tratamento, reabilitação, redução de danos, cuidados paliativos e vigilância em saúde. É desenvolvida por meio de práticas de cuidado integrado e gestão qualificada, realizada com equipe multiprofissional e dirigida à população em território definido, sobre as quais as equipes assumem responsabilidade sanitária, conforme previsto na PNAB.

As ações são organizadas pela esfera municipal e traduzem-se em um filtro capaz de organizar o fluxo de serviços nas redes de atenção à saúde desde as linhas de cuidado57 e

56“Há uma frequente discussão sobre a terminologia ideal para nomear o primeiro nível de atenção à saúde. No Brasil, essa discussão ganha contornos especiais: a expressão ‘Atenção Básica’ foi oficializada pelo Governo Federal, embora, em documentos oficiais brasileiros, identifique-se uma crescente utilização de ‘Atenção Primária à Saúde’. Os autores concluem que os termos ‘Atenção Básica’, ‘Atenção Primária’ e ‘Atenção Primária à Saúde’ podem ser utilizados como sinônimos, na maioria das vezes, sem que isto se torne um problema conceitual sendo incluído na nova Política Nacional” (MELLO et. al., 2009, p.204).

57Linha do cuidado é a “[...] imagem pensada para expressar os fluxos assistenciais seguros e garantidos ao usuário no sentido de atender as suas necessidades de saúde. É como se ela desenhasse o itinerário que o usuário faz por dentro de uma rede de saúde incluindo segmentos não necessariamente inseridos no sistema de saúde, mas que

diretrizes clínicas58. Elas desempenham o papel primordial de promover políticas direcionadas tanto à prevenção de doenças como à preservação do bem-estar nas comunidades.

Deve-se entender esse nível primário de atenção como a principal porta de entrada e centro de comunicação da RAS, coordenadora do cuidado e ordenadora das ações e serviços disponibilizados na rede. Aqui, a tecnologia disponível não é necessariamente avançada. Os equipamentos são voltados para diagnóstico e terapêutica. Já em relação à capacitação dos profissionais de saúde, trata-se de uma formação mais ampla, com a fundamental presença de médicos de saúde da família e clínicos gerais. Em que pese o conjunto de limitações nesse nível, o percentual de resolução dos casos que chegam ao nível primário de atenção é grande.

No nível secundário, o atendimento é especializado ou de média complexidade, portanto, é onde se encontram os laboratórios, as Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), os hospitais e outras unidades. Nesses estabelecimentos, podem ser realizados procedimentos de intervenção, tratamento de situações crônicas e de doenças agudas. Em termos de disponibilidade tecnológica, os equipamentos presentes no nível secundário são mais sofisticados que os do primário. A expectativa é que os casos recebidos no nível secundário, encaminhados pelo nível primário, possam ser atendidos satisfatoriamente por meio do trabalho de profissionais especializados e da utilização dos equipamentos que compõem essa etapa de atenção. Na assistência à saúde prestada aos usuários nesse nível, também estão presentes os serviços de urgência e emergência. Sua organização é feita com base nas regiões de saúde ou em macrorregiões de cada estado, devendo apresentar tanto ambulatórios como hospitais.

No nível terciário de atenção à saúde, estão os hospitais de grande porte (alta complexidade), estatais ou privados, embora aqueles que se apresentavam somente como privados, na atualidade, prestam serviços ao SUS de forma complementar. Isso ocorre porque eles recebem filantropia e, além disso, subsídios públicos para desenvolver determinados projetos59, ou porque são comprados serviços para o sistema quando necessário. Nessas

participam de alguma forma da rede, tal como entidades comunitárias e de assistência social” (FRANCO e MAGALHÃES, 2003, p.50).

58São documentos científicos que têm o objetivo de definir condutas consideradas mais adequadas para diagnóstico, tratamento e prevenção, através da integração da evidência científica com a experiência clínica, e de melhorar a qualidade dos cuidados à saúde dos pacientes. A elaboração da diretriz segue uma metodologia previamente estabelecida e orientada aos autores, compondo-se de revisão sistemática da literatura sobre o tema abordado, seleção dos artigos de interesse, análise crítica desses artigos e, finalmente, redação do texto com definição dos níveis de evidência para as recomendações feitas.

59O Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do SUS (PROADI-SUS) foi desenvolvido para colaborar com o seu fortalecimento. É financiado com recursos de isenção fiscal (Contribuição para o

instituições, podem ser realizadas manobras mais invasivas, caso haja necessidade, intervindo em situações nas quais a vida do usuário do serviço está em risco. No aparelhamento dos estabelecimentos do nível terciário, estão presentes máquinas de tecnologia avançada. O objetivo nesse nível de atenção à saúde é garantir que procedimentos para a manutenção dos sinais vitais possam ser realizados, dando suporte mínimo para a preservação da vida sempre que preciso.

O Brasil organiza-se em um sistema político federativo constituído por três esferas de governo – União, estados e municípios –, todas consideradas pela Constituição da República de 1988 como entes com autonomia administrativa e sem vinculação hierárquica, mas devem funcionar de forma solidária e complementar. Entretanto, são 26 estados, o Distrito Federal e 5.560 municípios e levando-se esse aspecto em consideração a complexidade ganha uma outra dimensão, pois em cada um dos sistemas podem existir diferenças muito significativas.

Por outro lado, existe a tendência de que os municípios assumam cada vez mais a responsabilidade pelo relacionamento direto60 com os prestadores de serviço. No caso do Rio Grande do Sul a rede de prestadores de serviços ao SUS conforme dados do CNES na competência julho deste ano era constituída por 6.895 estabelecimentos de diferentes tipos. Segundo o tipo de gestão, 81,19 % dos estabelecimentos estão sob a gestão municipal, 11,34% sob gestão dupla e 7,4%, sob gestão estadual. Considerando-se a esfera jurídica dos estabelecimentos, 68,82% estão cadastrados como administração pública, 22,81% como entidade empresarial, 6,28% como entidade sem fins lucrativos e 2,09% como pessoa física. Até a competência de agosto de 2018, um total de 153 municípios detinha a gestão de todos os estabelecimentos de saúde localizados em seus territórios, e, dentre estes, 63 municípios possuíam estabelecimentos hospitalares. Outro grupo de 37 municípios possuía a gestão de

Financiamento da Seguridade Social (COFINS) e cota patronal do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), concedidos aos hospitais filantrópicos de excelência reconhecidos pelo Ministério da Saúde, e que apoiam a promoção da melhoria das condições de saúde da população brasileira. Entre eles, o Hospital Israelita Albert Einstein, o Hospital Samaritano, a Associação Hospitalar Moinhos de Vento, e outros.

60A Portaria de Consolidação GM/MS nº 01, de 28/09/2017, que trata das normas sobre os direitos e deveres dos usuários da saúde, a organização e o funcionamento do SUS, no Título III, afasta a exigência de adesão ao Pacto pela Saúde ou assinatura do Termo de Compromisso de Gestão de que trata a Portaria GM/MS nº 399, de 22/02/2006 para fins de repasse de recursos financeiros pelo Ministério da Saúde a Estados, Distrito Federal e Municípios. Ainda, em 2017 foi publicada a Portaria GM/MS nº 3.992, de 28 de dezembro, que altera mais uma vez a forma de financiamento e para dispor sobre a transferência dos recursos federais para as ações e os serviços públicos de saúde do SUS.

todos os estabelecimentos ambulatoriais. Um terceiro grupo de 115 municípios tinha a gestão de um ou mais prestadores ambulatoriais (RIO GRANDE DO SUL, 2018).

O presente estudo focará a análise no nível de atenção primário pela importância que ele reserva à organização ou à reorganização do sistema de saúde e por corresponder sua responsabilidade de execução ao município. O nível secundário, que trata da média complexidade, é de responsabilidade do município e do estado, e o terciário que é relativo à alta complexidade, é de responsabilidade do estado e da União de formas complementares. Entretanto, como os entes interfederativos têm responsabilidades solidárias e é necessário a delimitação das mesmas, cada vez mais de forma clara. Os princípios e atributos apresentados oferecem um caráter intrincado para o SUS, o que determina que suas dimensões técnica, política e econômica tenham que estar claras o suficiente para a sua melhor condução. Por isso, a seguir, detalha-se cada uma delas.