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A industrialização da região de Buenos Aires: surgimento, características e sujeitos

1. Argentina, 1790-1914: formação da estrutura social de acumulação capitalista

1.5 A industrialização da região de Buenos Aires: surgimento, características e sujeitos

Podemos encontrar duas correntes interpretativas que dominaram as análises sobre o período nas décadas de 1950 até 1970. A primeira – representada por Aldo Ferrer83, Guido Di

Tella e Manuel Zymelman84 - atribuiu o débil desenvolvimento industrial do período do boom exportador à falta de suporte político e financeiro (privado ou público), uma vez que o Estado, bancos e empresas comerciais estavam totalmente sujeitos aos interesses das elites agroexportadoras e seus sócios internacionais até o choque externo da década de 1930. A segunda corrente teve duas vias de desenvolvimento: por um lado, a releitura mais detida dos dados disponíveis acusou um significativo crescimento industrial do período das indústrias ligadas ao setor agroexportador (frigoríficos, moinhos de trigo e produtores de vinho); por outro lado, Roberto Cortes Conde85 e Carlos Diaz Alejandro86 observaram o processo como o crescimento baseado em vantagens comparativas e a alocação mais racional de investimentos

81 Nociones útiles sobre la República Argentina, Ministério de la Agricultura, Dirección General del Comércio, Buenos Aires, 1921, pp. 67-68.

82 São diversas as passagens em que Alejandro Bunge chama atenção para o problema. Uma das mais emblemáticas, quando relaciona a industrialização e a independência econômica da Argentina dos países compradores de seus produtos agrícolas, pode ser vista em BUNGE, Alejandro, Los problemas económicos del presente, Buenos Aires, 1920, pg. 15.

83 FERRER, Aldo, La economia argentina: Las etapas de su desarrollo y problemas actuales, Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 1963.

84 DI TELLA, Guido e ZYMELMAN, Manuel, Los ciclos económicos argentinos, Buenos Aires: Editorial Paidós, 1973.

85 CORTES CONDE, Roberto, “Problemas del crecimiento industrial Argentino (1870-1914)”. Desarollo Económico- Revista de Ciencia Sociales, vol. 3, Nº1-2, Buenos Aires, abril-septiembre, 1963.

86 DIAZ ALEJANDRO, Carlos, Ensayos sobre la historia económica argentina, Buenos Aires: Amorrortu Editores, 1975.

promovida pela liberdade econômica do período. Longe de querermos esgotar esta discussão, vamos ressaltar apenas alguns aspectos e conclusões dos trabalhos acima citados.

Para Aldo Ferrer, a diversificação da demanda resultante do aumento de ingressos durante o boom exportador não refletiu/resultou em uma transformação na estrutura produtiva. A enorme capacidade de importação que as divisas obtidas no comércio dos produtos agropecuários supriu, em grande medida, as necessidades de bens de consumo, principalmente das classes mais altas. As indústrias de produtos com pequeno grau de elaboração e as de beneficiamento dos produtos agropecuários eram as principais do ramo manufatureiro. Segundo o autor, “(...) a desigualdade da distribuição de renda [resultado da enorme concentração de terras] impulsionou o aumento das importações de bens de consumo e investimento suntuários, desestimulando o desenvolvimento de atividades voltadas ao mercado interno”87 .

A economia agroexportadora limitou o desenvolvimento da indústria ao que ele chama de “bens de utilização final”, ou bens de consumo direto, pois os investimentos na produção de bens de capital são extremamente arriscados devido ao montante inicial de capital necessário, ao tempo de maturação dos investimentos e à complexidade técnica. Assim, segundo Ferrer, na Argentina “o livre jogo das forças do sistema econômico tende a orientar o processo de industrialização para a expansão das manufaturas que produzem bens de utilização final, enquanto as indústrias de base e capital de infraestrutura são sonegados”88.

Para Di Tella e Zymelman89, a existência de uma incipiente indústria, principalmente de alimentos e vestimentas, foi decorrente do surgimento de um mercado para alguns produtos, resultado do grande fluxo migratório do período. Os estabelecimentos industriais existentes - em sua grande maioria eram pequenos e dedicados ao setor de alimentos e confecções - produziam mercadorias que as importações não podiam competir e de qualidade inferior, destinadas aos setores de menor renda. A Primeira Guerra Mundial teria produzido um processo de concentração de capitais ao encarecer os insumos industriais e criar reservas de mercado para alguns produtos específicos. Porém, uma política clara de estímulo à indústria teria de esperar até a depressão da década de 193090.

Roberto Cortes Conde, apesar de também observar o crescimento da indústria na região de Buenos Aires ao fim do século XIX e relacioná-lo à urbanização, expansão da produção agrícola e imigração, aponta duas grandes limitações para o processo de

87 FERRER, Op. Cit., pp. 140-145. 88 Ibidem, pg. 179

89 DI TELLA e ZYMELMAN, op. Cit., pp. 106-108. 90 Ibidem, pp. 144-146.

industrialização argentino, resultado da própria lei das vantagens comparativas que impulsionou o desenvolvimento agropecuário do país.

Em primeiro lugar, por se tratar de um processo de industrialização dependente do ingresso de capitais estrangeiros e da intensificação do comércio agropecuário, este estava condicionado pelas flutuações cíclicas dos países credores e dos preços internacionais. Além disso, o aumento da demanda por produtos alimentícios não aumentou na mesma proporção que a demanda por produtos manufaturados, prejudicando os países agroexportadores ao diminuir os investimentos externos e ao produzir uma balança comercial cronicamente instável.

O segundo motivo foi o fato de que os capitais que afluíram para a Argentina estavam prioritariamente destinados à produção agropecuária. Segundo o autor:

“Na realidade, a indústria apareceu em certo sentido como uma prolongação da atividade agropecuária principal. E precisamente foram esses tipos de atividades (saladeiros, frigoríficos, moinhos de farinha e fábricas de vinho) que receberam grandes aportes de capitais. Por outro lado, a maior parte dos estabelecimentos recenseados foram pequenas oficinas que sofriam de uma aguda escassez de capitais”91.

Do ponto de vista político e social, Cortes Conde afirma a inexistência de grupos econômicos dinâmicos capazes de impulsionar um processo de industrialização. As atividades industriais mais importantes estavam ligadas à produção agropecuária, o que convergia, ao invés de contrapor, seus interesses. Nas outras manufaturas, onde prevaleciam as pequenas oficinas com poucos operários, seu isolamento e sua debilidade econômica indicavam a falta de poder político desse setor. E por último, o grande número de estrangeiros proprietários de manufaturas mantinha-os afastados das esferas de decisão política do país, o que implicava em uma total ausência de políticas que incentivassem a industrialização por meio, por exemplo, de medidas protecionistas.

Para Carlos Diaz Alejandro, a origem da indústria argentina é resultado da propagação do dinamismo do setor agroexportador para outros setores da economia e, portanto, “os frigoríficos e outros estabelecimentos fabris que se utilizam de produtos agropecuários, como principais insumos fornecem um enorme impulso para a indústria”. Porém, este crescimento anterior a 1930 produzido pelas exportações agropecuárias e importações de capitais não era resultado de um aumento da demanda global crescente, mas “porque – e isso é o mais importante – as exportações e as entradas de capital originaram uma distribuição de recursos

muito mais eficiente que as que poderiam ter resultado de políticas autárquicas”92. O

crescimento industrial entre 1900 e 1929, assim, deve ser atribuído às exportações (frigoríficos e moinhos de farinha) e ao crescimento da demanda interna por alimentos, com uma contribuição pequena do processo de substituição de importações93. O livre comércio foi o grande impulsor da indústria argentina.

Ambas as correntes colocam como crucial a crise de 1929 e a década de 1930 para o desenvolvimento industrial argentino. A intervenção estatal a partir de 1930, responsável tanto por transformar a indústria no setor mais dinâmico da economia argentina, quanto por promover a estagnação econômica ao alocar recursos dos setores mais dinâmicos para a promoção da substituição de importações, é colocada como principal personagem. As mudanças ocorridas na condução do Estado argentino na década de 1930 e 1940 – com a defenestração dos produtores rurais do poder político - teriam, segundo alguns, promovido a possibilidade de um verdadeiro processo de industrialização e do chamado crescimento endógeno da economia, e para outros, promovido a estagnação econômica ao impulsionar, mediante o sangramento dos setores mais dinâmicos, uma política artificial de substituição de importações. Construtivo ou destrutivo, resgatando as reflexões de Waldo Ansaldi, para ambos, o processo de industrialização argentino estaria ligado à crise econômica e consequentemente política que se abateu sobre os grandes produtores rurais depois de 1929.

Em relação aos conflitos entre os interesses agroexportadores e industriais, que teriam se resolvido, segundo as interpretações acima citadas na década de 1930 em favor dos segundos, os estudos de Miguel Murmis e Juan Carlos Portantiero realizados no final da década de 196094 jogaram uma nova luz sobre o tema. Apesar de aceitarem o paradigma da crise de 1929 como fundamental para o surgimento da moderna indústria no país, afirmam que o golpe de 1930 que derrubou o presidente Hipólito Yrigoyen não significou a ascensão de novos grupos sociais ao poder, mas o retorno dos grandes proprietários de terra, parcialmente excluídos do Estado argentino desde as eleições de 1916. Portanto, a política deliberada de industrialização não surge concomitantemente à ascensão e pressão exercidas pelas camadas médias e operárias ou por uma burguesia industrial, mas sim “são as forças conservadoras oligárquicas que controlam o Estado (...) e a elas devem-se atribuir, portanto,

92 DIAZ ALEJANDRO, op. Cit., pp. 20-24. 93 Ibidem, pp. 210-211.

94 A série de artigos publicados no final dos anos de 1960 foram transformados no livro MURMIS, Miguel e PORTANTIERO, Juan Carlo, Estudios sobre los orígenes del peronismo, Buenos Aires, Siglo Veintiuno Argentina, 1971.

as medidas e propostas estatais que favoreceram de fato o progresso da indústria”95. Ao

contrário, os setores médios – urbanos e rurais agrupados na Unión Cívica Radical e derrubados no golpe de setembro de 1930 - foram os grandes opositores da política de industrialização, tida como artificial e contrária à vocação natural do país: a agricultura.

Se do ponto de vista político 1930 não havia representado uma ruptura – mas, teria sido o retorno dos grandes proprietários rurais ao poder -, o que dizer sobre o nascimento da moderna indústria argentina, já que aquelas forças sociais que pretendiam ter desencadeado este processo não foram responsáveis por ele? Ainda debruçada sobre os mesmos dados que as interpretações acima citadas – censos oficiais e dados macroeconômicos elaborados principalmente pela CEPAL - uma terceira corrente de interpretação relativa ao nascimento da moderna indústria argentina começou a se desenvolver nos anos 1970. Javier Villanueva, em seu artigo “El origen de la industrialización argentina”, publicado em 1972 na revista Desarrollo Económico, chama atenção para as taxas de crescimento da capacidade industrial pelo menos igual ou maior no período compreendido entre 1911-1929 que entre 1929-1939. A participação da indústria no produto interno bruto, a taxa de formação bruta de capital fixo e as importações de máquinas e equipamentos atingem seus picos entre os anos de 1923 a 1930. Analisando as datas de fundação das indústrias constantes nos censos industriais de 1935 e 1946, Villanueva revela que em 1935 cerca de 78% do valor da produção industrial proveio de estabelecimentos fundados antes de 1930 e que representavam 66% do total das indústrias; em 1946, estes estabelecimentos ainda são responsáveis por 60% do valor da produção e de 36% do total de indústrias. Assim, segundo o autor, o nascimento da moderna indústria argentina antecedeu em uma década ao que as interpretações acima citadas tinham estabelecido. A base para a expansão industrial pós-1929 se deu através da utilização da capacidade ociosa produzida pelos enormes investimentos da década de 192096.

Poderíamos incluir no mesmo percurso de investigação, ou seja, na busca das origens da indústria argentina antes da década de 1930, a interpretação de Jorge Schvarzer e seu livro La industria que supimos conseguir: Una historia político-social de la industria argentina. Recorrendo a memórias e anedotários, como o livro de Alfredo Malaurie e Juan Gazzano La industria argentina y la Exposición del Paraná de 1888, Schvarzer localiza alguns pioneiros da moderna indústria na Argentina já na década de 1860: o alsaciano Emilio Biecketer e sua cervejaria fundada em 1860 com uma chaminé de 65 metros de altura; o norte-americano

95 Utilizamos aqui a tradução para o portguês de J.A. Guilhon, MURMIS, M. e PORTANTIERO, J.C., Estudos

sobre as origens do Peronismo, trad. J.A. Guilhon Alburquerque, São Paulo, Editora Brasiliense, 1973, pg. 16.

96 VILLANUEVA, Javier, “El origen de la industrialización argentina”, Desarrollo Ecónomico, Vl. 12, Nº 47, pp. 471-476.

Melville S. Bagley, que ao lançar seu licor de cascas de laranja em 1864, a Hisperedina, causou furor na cidade ao utilizar-se de estratégias publicitárias inéditas na região do Prata e de lograr contratos de fornecimento exclusivo para o exército argentino durante a Guerra do Paraguai; o francês Benito Noel, fundador em 1847 de uma fábrica de doces que nas décadas seguintes se transformou na maior do país; e alguns outros casos de empresas que lideraram seus ramos de produção por décadas e existem até os dias atuais.

Segundo Schvarzer, estes primeiros estabelecimentos industriais foram impulsionados em grande medida devido ao crescimento do mercado consumidor da Capital Federal e tinham três características comuns: seus fundadores eram imigrantes cujo principal ativo era sua experiência profissional no ramo, um certo espírito empreendedor (característico de suas origens sociais e culturais) e a sensibilidade para perceber quais as possibilidades de negócios que produziriam uma alta rentabilidade desde o primeiro momento, a única forma de superar a escassez de crédito e capitais naquele período.97.

Para o autor, esse padrão de pequenos empreendedores foi sepultado já a partir da década de 1880, ainda mais depois da crise de 1890, e substituído pela formação de grandes indústrias ligadas a grandes e diversificados grupos econômicos que cresciam com o ritmo alucinante das exportações agrícolas. O fluxo migratório transbordava a capital, formando cidades no interior que, conectadas às estradas de ferro, criaram um mercado nacional e novas possibilidades de lucrativos investimentos no setor produtivo: as têxteis Fábrica Argentina de Alpargatas e La Primitiva; a cervejaria Quilmes; as alimentícias La Matrona, Río de la Plata Flour Mills and Grains Elevators, mais tarde Molinos Río de la Plata; as metalúrgicas Tamet, La Cantábrica e Vasena são alguns dos exemplos citados pelo autor destas grandes e modernas fábricas que surgem neste período. Segundo Schvarzer:

“Um grupo de indivíduos, muito dinâmicos, controlava porções decisivas do poder econômico e do acesso à riqueza social durante o período analisado [1880-1914]. Formavam parte da elite social, exibiam notável capacidade de decisão, conhecimento dos mercados locais, acesso fluido aos escritórios do governo (que às vezes ocupavam eles mesmos), contatos muito estreitos com instituições financeiras externas e outros fatores semelhantes que os colocavam em uma posição privilegiada para captar as possibilidades de negócios, potenciais ou reais, na economia local e convertê-las em lucrativas operações de acumulação de riquezas”98.

97 SCHVARZER, op. Cit., pp. 70-73. 98 Ibidem, pg. 94.

Uma rápida passagem por este grupo de empresários99 é suficiente para corroborar a sugestão de Murmis e Portantiero sobre a compatibilidade entre os interesses agroexportadores e a indústria, e não somente naqueles ramos ligados aos produtos agrícolas e pecuários. Conforme demonstra Schvarzer, se trata de uma convergência que antecedeu a conjuntura econômica específica posterior à crise de 1929.

Entre estes empresários se encontrava, por exemplo, Ernesto Torquinst. Nascido em 1842 em uma família de comerciantes ligados ao comércio de exportação, foi sócio de um frigorífico, fundador da Tamet – maior empresa metalúrgica da Argentina -, dono da primeira refinaria de açúcar do país, além de um banco. A Casa Torquinst era uma holding que detinha as empresas acima citadas e controlava uma vasta gama de empreendimentos, desde milhares de hectares de terra até negócios de importação.

A Bunge y Born foi fundada por Jorge Born e seu cunhado Ernesto Bunge no começo da expansão da produção de grãos na década de 1870. Ao fim do século XIX e início do século XX, a empresa havia expandido do comércio de exportação para a produção fabril. Da compra de uma pequena latoaria, formou-se a Centenera, a maior empresa de latas e embalagens metálicas do país. Fundaram também a Molinos Río de La Plata, principal fabricante de farinha na Argentina, além de uma fábrica de juta que dominou o setor por mais de meio século. As famílias Demarchi e Devoto, ligadas ao Banco de Italia y Rio de la Plata, além de possuírem extensões quilométricas de terras, fundaram a Compañia General de Fósforos que detinha o monopólio deste produto e o controle vertical de toda sua produção: do papel e cartão para as embalagens até a química para o próprio fósforo100.

Algumas pesquisas mais recentes corroboraram o cenário descrito por Schvarzer e aprofundaram os conhecimentos sobre as primeiras fases da moderna indústria argentina ainda no século XIX. O trabalho de Fernando Rocchi, Chimineys in the Desert: Industrialization in Argentina during the export boom years, 1870-1930, ao se debruçar sobre dados desagregados e pouco estudados – como manuscritos dos censos, memoriais, relatórios de empresas, etc. – é o principal exemplo.

99 Ressaltamos aqui que a diversificação era característica de um grupo de empresários, e não uma característica do empresariado argentino, da classe dominante argentina. Ao contrário, como demonstra Roy Hora, a passagem do século XIX para o XX é um período em que o empresariado nacional se especializa sobremaneira na produção agrícola, delegando ao capital estrangeiro as atividades de transporte, comercialização e financiamento da produção agrária. A riqueza baseada na propriedade da terra vai ser a responsável pelas fabulosas fortunas e também por mais de 70% do patrimônio total das fortunas pesquisadas pelo autor. Em suma, Roy Hora conclui que “(...) a elite proprietária argentina das décadas do fim do século [XIX] foi, essencialmente, uma burguesia latifundiária e que os empresários diversificados conformaram um apêndice significativo, mas em definitiva secundário, deste grupo”. HORA, Roy, Los terratenientes de la pampa Argentina. Una historia social y política, 1860-1945, Buenos Aires: Siglo XXI Editora, 2005, pp. 80-101.

Para Rocchi dois fatores concorreram a partir da década de 1870 para sustentar o processo de industrialização nas décadas seguintes: a depressão econômica mundial e a imigração. Após viver o boom da lã nas décadas de 1850 e 1860, a Argentina entra na década de 1870 com sérios problemas relativos ao seu déficit comercial, decorrentes da queda do preço da lã. Em 1876 o país abandonou o padrão ouro (adotado desde 1867) e começou a taxar a importação de alguns produtos para tentar reduzir o déficit comercial. Aliado a essas taxas, a desvalorização do peso, o crescimento populacional decorrente da imigração e a recuperação econômica depois da depressão - impulsionada pelo crescimento da produção de grãos e dos investimentos britânicos - criou um clima favorável para a substituição de alguns produtos importados.

Porém, segundo o autor, o grande salto da indústria ocorreu depois de 1890, quando uma crise bem maior que a desencadeada em 1873, decorrente de uma enorme especulação com terras e estradas de ferro – e a quebra da casa Baring Brothers em Londres -, levou o governo a realizar novos aumentos de tarifas sobre produtos importados para tentar conter o déficit comercial. A enorme quantidade de máquinas que foram introduzidas nos prósperos anos 1880 na produção de cerveja, artigos de couro, cigarros, fósforos, sabão, velas, papéis e sapatos, sustentou o grande crescimento da indústria observado na última década do século XIX em um ambiente recessivo, porém bastante protecionista provocado pela crise de 1890.

Algumas fábricas mais que dobraram o número de operários no período compreendido entre 1880 e 1900: a Vasena aumentou o número de operários de 68 em 1887 para 500 em 1898; a Compañia General de Fósforos saltou de 600 operários em 1893 para 1500 em 1905; a cervejaria Quilmes de 200 operários em 1893 para 800 em 1898. Trabalhando com dados fornecidos por Roberto Cortes Conde, Rocchi estima um crescimento entre 1875 e 1900 de 16,7% da produção industrial, crescimento maior que os 15,9% do PIB argentino no mesmo período101.

A expansão do consumo de bebidas industrializadas promoveu primeiramente o desenvolvimento da indústria de garrafas, que depois se diversificou em outros artigos de vidro. O crescimento da infraestrutura urbana e das oficinas de reparação das estradas de ferro promoveu também o desenvolvimento de um notável setor de metalurgia leve – o consumo de ferro e aço por habitante dobrou nas primeiras décadas do século XX. A Argentina passou a produzir parafusos, porcas, rebites, pregos e alfinetes, estruturas metálicas para construção e alguns implementos agrícolas.

101 ROCCHI, Fernando, Chimneys in the desert: Industrialization in Argentina during the export boom years,

Deve-se notar que a abordagem mais original de Fernando Rocchi para a discussão é