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Conflito mundial e crise econômica: a situação da classe trabalhadora durante a

2. Conflitos sociais e economia durante a Primeira Guerra Mundial em Buenos Aires,

2.3 Conflito mundial e crise econômica: a situação da classe trabalhadora durante a

A crise provocou um aumento significativo do desemprego no país. Os dados são um pouco dispersos, porém a preocupação sobre o tema que atingiu alguns setores da sociedade argentina é notável. Em um levantamento da época, os cálculos realizados por Alejandro Bunge baseados nos dados do censo de 1914 apontam que a desocupação, que em agosto de 1913 chegava a 6,7% da população economicamente ativa, atingiu 19,20% em 1917159. O gráfico abaixo nos fornece dados e estimativas produzidos semestralmente pelo Departamento Nacional del Trabajo sobre a ocupação na indústria e comércio da Capital Federal, baseado em 3.520 estabelecimentos recenseados entre agosto de 1914 e fevereiro de 1919:

Gráfico 2.4: Pessoal ocupado na cidade de Buenos Aires, 1914-1919

Fonte: Cronica Mensual del Departamento del Trabajo (CMNT), Nº 40, Abril de 1921, pg. 651

Depois de atingir o ponto mínimo em agosto de 1917, o grande aumento da ocupação operária já a partir de fevereiro de 1918 – segundo o estudo de Bunge, em março de 1918 a porcentagem de desemprego da população economicamente ativa havia regredido para 11% - nos indica que a recuperação da produção industrial se utilizou da reincorporação de trabalhadores desempregados à produção, como por exemplo, ocupando capacidade ociosa ou criando mais turnos de trabalho, e não por meio da imigração, já que os fluxos imigratórios haviam praticamente cessado durante o conflito – entre 1914 e 1918 o saldo migratório aponta

159Fonte: "Movimiento Economico de la República", Revista de Economia Argentina, Ano 1, Tomo I, Junho de 1918, pg. 84 260.000 280.000 300.000 320.000 340.000 360.000

Gráfico IV - Pessoal ocupado na cidade de Buenos

Aires, 1914-1919

para a saída do país de quase 210 mil pessoas160 - e, como visto anteriormente, os investimentos em bens de capital atingiam o pior desempenho do período.

Em quais condições se deu essa incorporação? A chamada carestia de la vida é outro tema recorrente nos debates políticos, na imprensa, tanto comercial quanto operária, e também entre os especialistas da época. Novamente, o economista e diretor do Departamento de Estatísticas nos fornece um detalhado estudo sobre os preços dos principais gastos da classe trabalhadora argentina, a saber, comida, aluguel e vestimenta. Segundo a pesquisa161, os gastos relativos à comida na Argentina – que compunham cerca de 50% do orçamento da família operária – podem ser decompostos da seguinte maneira: 35% gastos com carne, 25% com pão e 40% com outros produtos (como arroz, batata, farinha, azeite, banha para cozinhar, etc.). Outros 20% do orçamento familiar eram gastos em aluguel e o restante em vestimenta e outros produtos.

O principal aumento no período foi o dos produtos classificados como “Vestidos e outros”, que em 1918 chegaram a custar 300% a mais que em 1910. Os alimentos tiveram um crescimento sustentado entre 1914 e 1919, chegando a ficar 60% mais caros no último ano do que estavam em 1910. O preço das peças bovinas, que em 1914 estava por volta de 35% mais caro que em 1910, chegou a aumentar 93% em 1919 em relação a 1910. Já o quilo do pão, do açúcar e do tabaco, em 1919, custava o dobro que em 1910; café, lenha para cozinhar, chá, batata, farinha de trigo, gordura animal tiveram aumentos superiores aos 30% no período162. O consumo anual de carne bovina per capita163 era de 62,70 Kg em 1914, continuou diminuindo até atingir 46,9 Kg em 1920 e recuperou-se acima da quantidade de 1916 em 1921, chegando aos 53,7 Kg.

O aluguel, que durante o conflito chegou a ficar 10% mais barato que em 1910, a partir de 1918 disparou, chegando em 1919 a ficar 52% mais caro que em relação à data-base.

160 Alejandro Bunge analisa o enorme desemprego do período como resultado de questões mais estruturais: “Acredito haver demonstrado que o país não pode assimilar, nem incorporar os imensos saldos imigratórios posteriores a 1905. Sua presença foi tolerável nos anos de abundância; porém frente a menor dificuldade econômica e financeira, resulta simplesmente insustentável. E isto sem que a área cultivada houvesse diminuído e sem que a atividade industrial seja em conjunto inferior ao que foi em 1914”. BUNGE, Alejandro, “La inmigración en la Argentina durante la guerra (1914-1918)”, Revista de Economía Argentina, 1919, TOMO II, pp. 42-45 e Anuario Estadístico de la Ciudad de Buenos Aires, 1915-1923, Dirección General de Estadística Municipal, Buenos Aires: 1925, pg. 11-16.

161Fonte: "Movimiento economico de la República", Revista de Economía Argentina, 1922, TOMO V, pp. 363- 364.

162 BUNGE, Alejandro, FERRARI, Ludovico A. e VALLE, Juan Carlos, “Costo de la vida en la Argentina de 1910 a 1919”, Revista de Economía Argentina, TOMO IV, Fevereiro de 1920, pp. 253-260.

163 Cf. Junta Nacional de Carnes (JNC), Estadísticas básicas 1967 in FERRERES, Orlando J. (Dir.), op. Cit., pg. 411.

O índice de preços ao consumidor (IPC) saltou no ano de 1918, chegando ao máximo em 1920. Este movimento fica claro se observarmos os índices tendo como ano base 1910:

Tabela 2.3: Índice de preços ao consumidor, ano base 1910 Ano IPC (1910=100) 1914 105 1915 114 1916 122 1917 143 1918 180 1919 169 1920 198 1921 176

Outra fonte nos fornece mais dados sobre o comportamento dos preços durante o conflito mundial. Dos 65 produtos entre alimentos e bebidas pesquisados pelo DNT164, apenas 12 diminuíram ou não alteraram seu preço entre 1916-1918. Todos os sete artigos de limpeza pesquisados tiveram aumentos, assim como apenas um dos produtos componentes da categoria “vários” (que incluía do querosene até as populares alpargatas) não teve aumento algum. O informe do DNT creditava o aumento de preços dos produtos produzidos ou elaborados no país aos resultados da grande demanda por parte dos países beligerantes (caso da carne e de alguns tipos de queijo), às péssimas colheitas de 1916-1917 (caso dos diversos tipos de macarrão e pão), e às dificuldades em importar uma de série insumos para a produção.

Em relação aos salários dos trabalhadores industriais no período, duas séries estatísticas, calculadas em Pesos argentinos de 2004 e transformadas em números índice tomando como base o ano de 1910, apresentam os seguintes resultados:

164Para a variação dos preços dos artigos de alimentação, bebida, limpeza, etc., ver CMNT Nº 15, Buenos Aires, Março de 1919, pp. 238-240.

Tabela 2.4: Salário industrial real

Salário Industrial real em Pesos de 2004 (1910 = 100)

1914 1915 1916 1917 1918 1919 1920 1921

Índice

Ferreres165 117 105 98 84 72 98 101 125

Índice

IñigoCarrera166 91 81 76 65 56 76 79 97

Apesar das disparidades não sem importância – como em qual patamar se encontravam os salários reais em 1914 em comparação com 1910, ou com que vigor se recuperaram até 1921 - e que mereceriam uma análise crítica das fontes utilizadas, podemos concluir pelas duas séries que os salários reais mais baixos pagos pela indústria se encontram em 1918. Se tomarmos como base o ano de 1929, os cálculos realizados pelas equipes de Ferreres e Iñigo Carrera transformados em números índice se aproximam mais e novamente realçam 1918 como o pior momento da remuneração da mão-de-obra industrial no período e 1919 como o início de uma recuperação, que em 1921 já colocava os salários reais da indústria acima dos de 1914.

No ano de 1918 encontramos o seguinte panorama: por um lado, a redução substantiva da compra de bens de capital, o aumento do índice de preços ao consumidor, a compressão do mercado de trabalho com a suspensão da imigração e a redução dos salários; por outro, a diminuição do desemprego e o crescimento da produção industrial. Guarda este cenário alguma relação com a agitação operária durante o período?