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O que todos querem e ninguém quer: o projeto de legislação trabalhista de 1919 e a

4. Após a “Semana Trágica”: a “anarquia de baixo” e a “anarquia de cima”

4.2 O que todos querem e ninguém quer: o projeto de legislação trabalhista de 1919 e a

Diversos eram os problemas que enfrentavam as organizações dos trabalhadores, as associações empresariais e também os políticos após a “Semana Trágica”. A FORA IXª, depois de esplendorosos anos de crescimento, sofria o questionamento por parte de alguns de seus militantes, principalmente na Capital Federal, devido à sua postura durante a greve geral; o PS comemorava, mesmo que com um tom de frustração, o que considerava uma vitória eleitoral sem esboçar a menor percepção sobre quais eram os verdadeiros problemas relativos ao seu insucesso eleitoral. Ao acusar o déficit de consciência, não se dava conta do déficit numérico de classe? Yrigoyen observava o esfacelamento de sua base de apoio político: ao mesmo tempo em que havia promovido o maior massacre da história da classe operária argentina e perdido o relativo apoio que havia angariado desta, não havia com isso caído nas graças dos conservadores.

Já o empresariado confirmava sua suspeita na incapacidade do Estado em lidar com a chamada “questão social” sob a direção Radical e aumentava sua atividade por meio da ANT, agora acompanhada pela Liga Patriótica Argentina (LPA). Por outro lado, a presidência Radical, resultado da extensão do sufrágio universal, também desvelava as dificuldades que os empresários tinham depois da “Lei Saenz Peña” em verem contemplados seus interesses pelo Estado argentino. A nova realidade política os havia afastado – ou pelo menos dificultado seu acesso – às esferas de decisão política mais imediatas. A crise econômica provocada pela guerra, aliada à ascensão do movimento operário, complementavam uma situação em que os grandes empresários eram empurrados cada vez mais a repensar suas atitudes em relação à política. O surgimento de outra organização patronal, a Confederación Argentina del Comercio, de la Industria y de la Producción em 1917, concorreu nesse sentido ao tentar articular os interesses dos grandes comerciantes, agroexportadores, empresas estrangeiras e industriais argentinos para uma ação conjunta.

Como abordamos no segundo capítulo, os eventos da “Semana Trágica” tinham colocado as discussões sobre a legislação do trabalho como pauta para as classes dominantes argentinas. A formação de uma comissão para a formulação de um projeto de lei na Câmara de Deputados já no dia 14 de janeiro disparou um alerta na Casa Rosada: Yrigoyen estava atrasado em relação aos seus adversários. Com conservadores e Socialistas trabalhando para a formulação de uma legislação trabalhista, as ações e estratégias ad hoc do governo de aproximação à classe operária deveriam ser repensadas. Como poderia surgir de outras forças políticas, principalmente opositoras, soluções que pudessem “harmonizar” os conflitos sociais, dádiva que o presidente acreditava ser uma exclusividade sua e de seu partido? Devemos somar outra vantagem que impulsionava o primeiro mandatário: caso conseguisse aprovar uma legislação que abarcasse algumas das reivindicações dos operários, é provável que Yrigoyen consolidasse de maneira definitiva sua aproximação à classe operária.

O período legislativo de 1919 se iniciou no dia 16 de Maio com duas novidades. Em primeiro lugar, Hipólito Yrigoyen não compareceu à sessão de abertura quando tradicionalmente o primeiro mandatário lia uma mensagem do Poder Executivo direcionada aos legisladores. A leitura da mensagem ficaria a cargo do Senador Ocampo que, devido à intervenção dos deputados da oposição, não a leu, distribuindo-se sua versão impressa entre os congressistas. A segunda novidade era a intenção da presidência de enviar ao Congresso uma série de projetos de lei relativos aos conflitos entre o capital e o trabalho. Constavam no pacote do Poder Executivo um projeto de arbitragem obrigatória e um referente aos contratos coletivos que deveriam se somar aos elaborados pela Comissão de Legislação Social da Câmara de Deputados331. A princípio, ao se limitar a esses dois aspectos do conflito, Yrigoyen ainda se via livre de ter de lidar com a questão mais sensível de uma legislação trabalhista, tanto para os trabalhadores quanto para os empresários: a regulamentação das associações profissionais.

De maio a junho, uma série de esboços de leis versando sobre as mais diversas dimensões do problema vão se somando na Câmara. No dia 28 de maio o projeto sobre as organizações profissionais do deputado pela Província de Buenos Aires e membro da Comissão de Legislação Social, Matías G. Sánchez Sorondo, é apresentado para os

331 “Apertura del 58º período legislativo”, La Nacion, 17/05/1919 e “El mensaje”, La Vanguardia 18/05/1919. A comissão era composta pelos deputados Carlos F. Melo (Capital Federal, U.C.R.), Rogelio Araya (Capital Federal, U.C.R.), Matías Sanchez Sorondo (Buenos Aires, Partido Conservador), Enrique Martinez (Cordoba, U.C.R.), Alberto Mendez Casariego (Entre Rios, Partido Democrata Progresista), Pedro L. Cornet (Tucumán, U.C.R.), Rodolfo Moreno (hijo) (Buenos Aires, Partido Democrata Nacional) e Mario Bravo (Capital Federal, P.S.).

legisladores. Este projeto será a principal inspiração do proposto pela Comissão de Legislação Social e aprovado pela maioria desta no dia seis de junho de 1919.

O deputado, antes de apresentar o projeto à Câmara, teceu alguns comentários. Segundo Sorondo, o direito econômico, ou seja, coletivo, havia se imposto ao individual. O sujeito de direito clássico, o individuo, havia desaparecido dando vida a um novo sujeito, o sindical. Sinais dos novos tempos, esse movimento era considerado pelo legislador como libertador, porém levava em suas entranhas, em germe, o mais temido dos despotismos, o despotismo das multidões. Assim, fazia-se necessário, para evitar tal despotismo, buscar a evolução paulatina das condições de existência das classes trabalhadoras. Diz Sorondo que “esta é a hora em que os argentinos, depois do estupor da semana de janeiro (...) nos encontramos pacificamente, em plena revolução patronal e gremial”. Os sindicatos, prosseguiu, devem ser reconhecidos, mas não os irresponsáveis,

“dirigidos por agitadores profissionais, com greves decretadas ab irato e como represália; com solidariedades que não respondem as conveniências do trabalho e que são, em definitiva, palancas para remover a ordem social”332 A regulamentação das associações tinha como principal preocupação as formas de punição de que estas estariam passíveis:

“Me preocupei de encontrar a forma de fazer efetiva a responsabilidade dos sindicatos gremiais, já que a [da] patronal é evidente, e creio que a suspensão de salário ou trabalho é a prática. O capitalista tem seu capital e responde com seu dinheiro; o trabalhador tem seu trabalho e responde com sua jornada. Não aceito a irresponsabilidade do trabalhador, pois carecendo de sanção a lei seria um conselho...”.333

O capítulo II da lei definia o que se entendia por sindicato. Em primeiro lugar (Cap. II, art. 4), só receberia personalidade jurídica - condição estritamente necessária para sua existência - os sindicatos reconhecidos pelo DNT. Por atividade ou ofício poderia existir apenas um sindicato, desde que reunisse vinte ou mais pessoas, não importando se estas estivessem sob a dependência de apenas um empregador (Cap. II, art. 5).

Já o terceiro capítulo estipulava os procedimentos para a formação de sindicatos e deixava clara a tutela estatal que se pretendia exercer sobre estes. Uma série de informações, como nomes dos associados e seus endereços, são exigidos para que se possa efetuar a inscrição do grêmio no DNT (Cap. III, art. 9). Se admitida a solicitação, caberia ao DNT convocar os membros incluídos na lista de associados para uma assembleia no domicílio legal da organização. Nesta assembleia, presidida pelo funcionário do DNT, seria eleita a mesa

332 Reunião Nº 4, 28/05/1919, Diario de Sesiones de la Camara de Diputados, TOMO I, Maio-Junho de 1919, pg. 164.

diretiva e, por fim, seria constituído o sindicato (Cap. III, art. 10.). As interferências por parte do Estado nas assembleias não paravam por aí. Em seu sétimo capítulo definia-se que para uma resolução de assembleia ser validada, esta deveria ser tomada com a assistência de um inspetor do DNT (Cap. VII, art. 20).

O projeto de lei, em seu quarto capítulo, ainda estipulava uma série de regras para que o trabalhador pudesse ser sindicalizado. São elas: ter mais de 18 anos e autorização do marido no caso das mulheres casadas; ter um ano de antiguidade na profissão; portar um certificado de moralidade expedido pelo consulado ou pelo departamento de imigração no caso dos estrangeiros não naturalizados; não ter sido condenado à prisão por delitos contra a propriedade ou a segurança individual (Cap. IV, art. 11).

As Federações não teriam o poder de representação sindical (Capítulo IX, art. 32) e os sindicatos poderiam ser dissolvidos caso violassem qualquer uma das disposições dessa lei ou não concordassem com uma resolução do tribunal de arbitragem. Os membros de um sindicato dissolvido não poderiam se filiar a nenhuma organização durante um ano (Cap. XI, art. 47 e 49). Os contratos individuais eram permitidos, mas seriam regulados tendo em vista os coletivos. Os primeiros não poderiam estabelecer piores condições que os segundos (Cap. XII, art. 56).

Greves gerais estavam proibidas, assim como a paralisação de mais de 48 horas dos chamados “serviços de caráter público”, como o porto e empresas de transporte, correios e telégrafos, mercados de alimentos, bancos oficiais e a polícia (Cap. XIV, art. 65, 66 e 67). Ainda constituíam como “delitos contra a liberdade de trabalho” toda a incitação à greve contra as prescrições da presente lei; todo ato que tente impedir a concorrência ao trabalho dos operários não afiliados ao grêmio, todo ato que tenda a destruir ou destrua os materiais de trabalho, diminua seu valor ou cause deterioro dos mesmos; toda a tentativa de boicote geral ou particular. Por fim, a lei estipulava que todas as associações consideradas ilícitas seriam dissolvidas, seus locais fechados e as pessoas nelas envolvidas, se são argentinos ou naturalizados, sofreriam pena de seis meses a um ano de prisão, se são estrangeiros, a pena de deportação (Cap. XVII, art. 94 e 95)334.

Complementando as formulações de Sorondo, foram modificados e acrescentados pela Comissão alguns dispositivos ao projeto de lei. No Primeiro Título do projeto apresentado pela Comissão era estabelecida a restrição aos estrangeiros com menos de quatro anos de residência no país de exercer cargos de direção (T. I, Cap. I, art. 5, §4) e o DNT deveria ainda

submeter ao Ministério do Interior os estatutos dos sindicatos para sua aprovação (T. I, Cap. I, art. 7), não havendo restrição, como no projeto de Sorondo, ao número de sindicatos por ofício ou ramo (T.I, Cap. I, art. 28), podendo estes se dividirem e se fundirem sempre que ajustados à lei. Os estatutos teriam que obrigatoriamente criar um fundo formado por 15% das cotizações, destinado a responder às possíveis sanções civis e abonar o total de multas estipuladas pela lei (T.2, Cap. VI art. 41, §2). O Segundo Título ainda proibia diretamente a sindicalização dos empregados da administração pública, fosse nacional, provincial ou municipal (T.II, Cap. II, art. 29), estipulava as ações que poderiam ser tomadas nas assembleias, além de estabelecer um quórum mínimo para que as deliberações chegassem a ser avaliadas pelo DNT e impunha a votação secreta (T.II, Cap. VII, art. 43 e art. 45).

Sobre os contratos coletivos e as greves, o Terceiro Título estabelecia que, durante a vigência destes contratos, os trabalhadores estariam proibidos de declarar greve e os empresários lock-out. Caso cometessem esta infração, os patrões deveriam aportar uma multa destinada ao conselho nacional ou provincial de educação e o sindicato seria imediatamente dissolvido (T. III, Cap. I, art. 76 e art. 77). Se o sindicato fosse dissolvido, o fundo estabelecido acima citado seria destinado aos conselhos educacionais e caso a organização fosse multada e suas economias não fossem suficientes para cumprir com as obrigações estipuladas em lei, os empregadores seriam obrigados a reter os salários dos trabalhadores até que se fossem quitados os valores (T.III, Cap. III, art. 86 a 88). Por fim, em seu Quinto Título, a lei estabelecia a jornada semanal em 48 horas, sendo o limite de 10 horas diárias e o aumento de 50% do salário das horas extras trabalhadas (T.V., Cap. I, art. 131 a 134).

A aprovação do despacho da maioria da comissão no dia seis de junho e seu encaminhamento para a Câmara de deputados caiu como uma bomba sobre a FORA IXª e o PS. No dia 10 de junho foi distribuído entre os sindicatos autônomos e filiados à central uma circular formulada pelo Conselho Federal na noite anterior. A circular informava:

“O Conselho Federal da Federación Obrera Regional Argentina, em reconhecimento das restrições para os direitos sindicais contidos no projeto de lei, considerou que é de imprescindível necessidade que todas as organizações operárias se debrucem ao estudo da mesma e exteriorizem sua opinião por meio de um Congresso que deverá resolver, de maneira definitiva, a atitude a seguir pelo proletariado no caso de se chegar a sancionar e ter em conta o pensamento e a aspiração dos trabalhadores organizados” 335.

335 “Importante circular del Consejo Federal: Las ‘leyes obreras’. Preparando una mordaza para los sindicatos”,

A circular seguinte confirmava o Congresso extraordinário entre os dias 26 e 29 de junho336.

Já o PS, por meio de editorial no La Vanguardia, assinalava que “a maioria conservadora do parlamento colocará todos os meios indispensáveis para conseguir anular a força da organização gremial proletária (...)” e transformar as conquistas por meio da luta sindical impossíveis. A provável aprovação do projeto prevista pelo PS, ainda segundo o editorial, mostrava que “hoje, mais que nunca (...) a importância da ação política”. Deveriam compreender os trabalhadores argentinos de uma vez por todas que aquilo que conquistavam por meio da luta sindical poderia lhes ser retirado pela força da lei. A crítica dirigida à FORA IXª transformava-se em provocação:

“Seria curioso saber agora o que pensam [os Sindicalistas Revolucionários] dos projetos confeccionados pelos representantes políticos da burguesia e de que meios deve-se valer a classe trabalhadora para que estes projetos não sejam sancionados”337.

O editorial ainda convocava todos os sindicatos para que prestassem ajuda a representação Socialista para opor-se à sanção dos projetos. A situação parecia ideal para o PS. Por fim, a necessidade da luta política parecia impor-se como primordial frente à luta sindical.

Porém, se o projeto apresentava uma série de problemas para o PS e para a FORA IXª, a verdade é que este também gerou resistências na principal patronal industrial, a Unión Industrial Argentina. As objeções da patronal contidas em um comunicado inserido no Diário de Sessões da Câmara de Deputados e direcionado a mesma no dia 17 de julho de 1919 eram quatro: em primeiro lugar, a organização questionava as modificações realizadas pela Comissão do projeto original do deputado Sorondo e que abriam margem para a criação de vários sindicatos por ramo de produção (Art. 28, 31 e 61), fossem organizações operárias ou patronais. Alegava a instituição que a desorganização era a principal fonte dos conflitos entre trabalhadores e industriais e que “o necessário (...) o que desejam a maioria dos patrões é [saber] com quem devem tratar e que responsabilidades, moral e material, representam os sindicatos operários”338. A dispersão, ainda segundo a UIA, acarretaria em diversos contratos

coletivos de trabalho e levaria a inúmeros conflitos parciais.

336 “Congreso extraordinário: Se realizará en la XX de septiembre los días 26 y 29 del corriente”, LOO, 21/06/1919.

337“Acción Gremial”, La Vanguardia, 12/06/1919.

338 Reunião Nº 24, 18/07/1919, Diario de Sesiones de la Camara de Diputados, TOMO II, Julho-Agosto de 1919, pg. 43.

Em segundo lugar, ao estabelecer a necessidade mínima de 10 membros para a formação de um sindicato patronal (Art. 62), diversos ramos produtivos de grande importância (o comunicado cita especificamente as fábricas de tecidos de algodão e de papel) não poderiam constituir associações gremiais.

A terceira objeção versava sobre a obrigação da organização e direção dos sindicatos patronais serem regidas pelas disposições do Código de Comercial relativas às Sociedades Anônimas (Art. 63). A UIA alegava que a legislação sobre as Sociedades Anônimas, por melhor fundamentada que estivesse para regulamentar estas sociedades, não tinha fundamento algum para regular a vida das organizações patronais. As diferentes naturezas das organizações, aliadas à falta de detalhamento sobre quais dispositivos sobre as Sociedades Anônimas seriam suscetíveis de serem aplicados às patronais, dariam margem para inúmeras arbitrariedades. Porém, o que mais chama a atenção é que no comunicado da UIA o único artigo citado especificamente da legislação sobre as Sociedades Anônimas do Código Comercial argentino339 é o artigo 318 (“As sociedades anônimas não poderão constituir-se definitivamente sem que se tenham verificado as seguintes condições”) que em seu primeiro parágrafo diz: “Que os associados sejam dez, pelo menos”340.

Em quarto lugar, alegava que o capítulo XI não era claro sobre qual era o papel e o real alcance das federações. Neste último quesito, o informe assinado por Guillermo Padilla era incisivo:

“Se vossa excelência não aceitar a federação nos termos de nosso projeto, ou em qualquer outra forma que aponte para o mesmo fim, respeitosamente pensamos que vossa excelência cometerá uma injustiça. Não significaria outra coisa, senão que a destruição em um golpe de sérias instituições que, como a que tenho a honra de representar, colaboraram eficientemente pelo progresso geral do país”341.

A nota terminava afirmando que “Jamais, podemos assegurar, (...) saiu dela [UIA] algum desafio ofensivo que provocasse um conflito geral. Pelo contrário (...) buscou, em todo momento, suavizar as asperezas e evitar as funestas complicações a que conduz a paixão irrefletida”.

Dois aspectos chamam a atenção em relação ao comunicado de julho de 1919 da UIA. Em primeiro lugar, os contratos coletivos de trabalho que em outubro de 1918, segundo a própria UIA, eram impossíveis de serem celebrados342, meses depois se transformaram

339 Ibidem, pg. 44;

340 Código de Comercio de la República Argentina, Livro II, Buenos Aires, Félix Lajodanb Editor, 1896, pg. 54. 341 Reunião Nº 24, 18/07/1919, op. Cit., pg 44.

naquilo que “irá trazer a indispensável harmonia entre o capital e o trabalho”343. O segundo

aspecto que nos chama atenção e que mais nos interessa nesse momento é: por que a UIA queria evitar a fragmentação dos sindicatos operários e patronais? A fragmentação dos operários não colaborava para o conflito? Aliás, em se tratando de um projeto que buscava claramente, como expusemos acima, controlar e tutelar os sindicatos por meio do Estado, não se tratava da consagrada estratégia de “dividir para reinar”?

A oposição ao fracionamento presente no comunicado dirigido à Câmara de Deputados contradiz uma circular distribuída entre os sócios da entidade e também assinada pelo Conselho Diretivo do dia 21 de abril de 1919. Publicada na edição de julho de 1919 do Boletín, esta circular expunha “Os pontos de vista do Conselho Diretivo a respeito de sua própria ação e das Seções gremiais [da UIA] com relação às greves (...)”344 e pretendia, assim,

se inserir nos debates da Comissão de Deputados. A circular do Conselho recusava-se a tomar qualquer posição sobre as leis relativas à regulamentação do trabalho, afirmando a impossibilidade de se encarar as reivindicações operárias segundo um mesmo critério - “nem de submeter todos os casos às mesmas normas (...)” para estabelecer a jornada de trabalho, a restrição ao trabalho por peças, etc. - justamente pelas distintas condições econômicas e técnicas das diversas indústrias. Diferenças essas que também refletiam nas organizações de trabalhadores, que “factíveis para indústrias determinadas (...) não resultam para outras, por que não o permite a índole em certo modo inorgânica das entidades operárias”. Julio Godio, ao analisar a circular, afirma que “Apoiando-se na diversidade de situações a UIA tratava de quebrar qualquer possibilidade de unificação da classe operária por objetivos comuns”345.

Porém, assim como a UIA, que em poucos meses modificou completamente seu discurso, Godio também, em poucas páginas, modifica sua interpretação quando analisa o comunicado de julho de 1919 enviado pela entidade patronal para a Câmara de Deputados. Para o autor, a oposição expressada no comunicado de julho da UIA à possibilidade de fragmentação dos sindicatos era resultado da experiência concreta da organização durante os conflitos entre operários e empresários, experiência esta que fundamentava a nova atitude que o autor qualifica de “mais avançada (...) que o despacho da comissão”. Ainda segundo Godio, a realidade vivida pelos empresários indicava para estes a existência de apenas uma classe

343 Ibidem, pg. 42.

344Boletin de la Unión Industrial Argentina, Nº 607, 15 de Julho de 1919, pg. 18. No livro de Julio Godio, La

Semana Tragica, a nota 139 do capítulo 18 informa erroneamente que esta circular foi reproduzida no boletim anterior.

operária e que esta se “mobilizava como tal por interesses objetivos não passíveis de serem suprimidos por um exagerado fracionamento de suas organizações”346.

Um trabalho dedicado ao período – e ao qual o próprio Godio faz menção – parece nos fornecer uma pista mais interessante sobre o porque das oscilações de posicionamento da UIA neste período quanto ao fracionamento ou não das organizações gremiais. Dardo Cúneo, autor de um trabalho clássico sobre a classe empresarial argentina, afirma que ao fim da Primeira Guerra Mundial “A União Industrial atravessava um evidente período de crise (...)”347. Que