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Afinal, o que está por trás da onda de greves de 1917-1921?

2. Conflitos sociais e economia durante a Primeira Guerra Mundial em Buenos Aires,

2.7 Afinal, o que está por trás da onda de greves de 1917-1921?

A onda de greves que atingiu a Argentina e mais especificamente Buenos Aires ao fim da Primeira Guerra Mundial teve início com a retomada das atividades econômicas no ano de 1917. Depois de um período de constantes perdas salariais, desemprego e depressão econômica, a reversão deste quadro, impulsionada pela retomada das exportações de cereais, foi sentida imediatamente pelos trabalhadores do transporte que durante o ano de 1917 iniciaram uma série de mobilizações. Derivada da posição privilegiada destes trabalhadores na cadeia produtiva, cuja expressão mais clara reflete-se em sua estratégia de começarem suas greves nos períodos de maior atividade, estes puderam iniciar suas mobilizações em um momento em que a economia ainda não apresentava claros sinais de recuperação.

Outro ramo que tomou parte nas mobilizações já no ano de 1917 foi o dos trabalhadores dos frigoríficos, indústria cujo desempenho durante o conflito foi na contramão do resto da economia argentina. Diferentemente dos trabalhadores dos outros ramos de produção, os trabalhadores dos frigoríficos não observaram durante o período a depressão econômica, mas sim o crescimento e consolidação desta indústria. Com a retomada geral do crescimento em 1918, ocorreu uma redução abrupta do desemprego, criando as condições que possibilitaram a generalização do movimento paredista.

Porém, devemos ir ao cerne da questão: as condições de trabalho, as insatisfações econômicas seguidas de uma melhoria na situação dos trabalhadores, enfim, o desempenho da economia, foi suficiente para acender o pavio da revolta operária? Duas questões devem ser levadas em conta no caso que estamos analisando: em primeiro lugar, foi de extrema importância o processo de reorganização dos sindicatos, principalmente depois da onda repressiva que desarticulou o movimento operário a partir de 1910. A reorganização do

movimento operário, como vimos, foi liderada pela FORA IXª, porém não se limitou aos sindicatos criados por ou filiados à essa central, senão que foi um movimento generalizado. A ação de solidariedade ou a ausência desta, tanto da FOM quanto da FORA IXª, foram decisivas para a sorte dos conflitos. Em segundo lugar, a mudança da estratégia do Estado argentino em reconhecer e dar alento às organizações operárias e aos movimentos grevistas, mesmo que somente para algumas mobilizações e setores específicos da classe operária, deve ser entendida como uma modificação da posição política – com todas as suas limitações - desta classe dentro da sociedade argentina. Os sindicatos, ao imporem ao governo o reconhecimento de facto como legítimos representantes dos interesses operários e conseguirem importantes vitórias, estimularam enormemente e de maneira generalizada a filiação a estes. Por outro lado, essa institucionalização ad hoc deixava-os a mercê dos caprichos do Poder Executivo. O reconhecimento político e organizacional dos sindicatos figurou como uma motivação complementar às questões econômicas.

Há outro fator que devemos ter em conta para compreender o fenômeno da onda de greves em sua complexidade, a saber: que papéis desempenharam os outros setores involucrados nesses conflitos? Como as reivindicações dos trabalhadores se relacionavam com o comportamento de patrões e do Estado? Se nos limitarmos apenas aos aspectos econômicos, como explicar a transição dos períodos de reivindicações salariais para os de reclamos organizacionais, mudança de expectativas que se traduz em uma inversão de resultados?

A organização e a busca pelo reconhecimento dos sindicatos foram os grandes problemas e o combustível que alimentou, depois da ignição provocada pela pauperização durante os primeiros anos da guerra, a mobilização operária. Porém, a relutância em reconhecer os sindicatos parece chegar a um limite. O fio da coesão social é estirado de tal maneira na semana entre os dias 7 e 14 de janeiro de 1919 que, após a “Semana Trágica”, setores da própria burguesia argentina impulsionaram projetos de leis que buscaram dar conta de regularizar e reconhecer juridicamente – com uma série de condicionantes - as associações gremiais183.

Estes projetos apresentados entre os meses de maio e junho de 1919 – que trabalharemos de maneira mais detida na segunda parte deste trabalho - pressupunham um

183 Projeto enviado à câmara de deputados pelo Poder Executivo de “Regulamentação das associações profissionais” de 30 de Maio de 1919 e o projeto elaborado pela Comissão de legislação social de 6 de Junho de 1919. Diario de Sesiones de la Camara de Diputados de la Republica Argentina, 1919, Tomo I, 2ª reunião, 3ª sessão ordinária, 30 de maio de 1919, pp. 257-259 e 8ª reunião, 6ª sessão ordinária, 6 de junho de 1919, pp. 384- 392.

ferrenho controle do governo sobre as organizações sindicais. Segundo o projeto do Poder Executivo, estas só seriam reconhecidas caso cumprissem uma série de medidas como, por exemplo, formular um estatuto que deveria ser previamente aprovado pelo DNT e fornecer informações completas sobre seus membros. O poder do Ministério do Interior de dissolver os sindicatos era total: bastava a inobservância de qualquer termo da lei, a discordância sobre qualquer sentença relativa à arbitragem ou a participação em qualquer ato que constituísse violação da ordem pública184. O despacho da Comissão de deputados – composta em sua maioria por conservadores e Radicais - foi mais longe que o do Poder Executivo: limitava o exercício de greve proibindo-as em setores de interesse público, como nos portos e ferrovias, dificultava a participação de estrangeiros nas direções de sindicato e praticamente impedia a formação de federações sindicais. Além disso, o projeto privilegiava o contrato individual de trabalho em detrimento do coletivo e deixava terminantemente proibidas as greves por solidariedade e os boicotes à fábricas e empresas – sempre puníveis com a dissolução das centrais e a proibição de seus membros de se filiarem a outra por mais de um ano. A revogação da “Lei de Residência” – que facultava ao poder executivo o poder de deportar estrangeiros sem julgamento – e da “Lei de Defesa Social”, outra pauta das reivindicações dos grevistas, nem sequer eram mencionadas.

Ao emergirem os modernos conflitos entre trabalhadores e patrões, a primeira reação das classes dominantes argentinas foi a de negar a própria existência do que foi batizado como “questão social”. Um ótimo exemplo deste pensamento nos fornece o jurista, político e decano da Faculdade de Direito, Estanislao Zeballos, em palestra ministrada no Instituto Popular de Conferencias no dia 27 de Junho de 1919 e intitulada “Cuestiones y Legislación Social”. Comentando os projetos de lei em discussão na câmara de deputados, a conferência é um bom compêndio das ideias que certos setores da classe dominante argentina tinham sobre o movimento operário.

A chamada questão social, segundo nosso palestrante, inexistia no pastoril país. Eram problemas europeus, já que os chamados “direitos sociais” estavam contemplados na Argentina por sua constituição. A Europa era assombrada pelas “questões sociais”, pois suas instituições não evoluíram em direção à democracia, senão de uma maneira gradual, de

184Sobre a violação da ordem pública, lembremos que estava em vigência a “Lei de Defesa Social” que, por exemplo, em seu Capítulo II, artigos 7º e 8º, proibia a propaganda anarquista (deve-se levar em conta o quão amplo era a noção “de anarquista” no período), restringia qualquer reunião pública e obrigava a prévia autorização das autoridades para sua realização; o artigo 10º proibia que em reuniões públicas fossem utilizados emblemas, bandeiras ou estandartes das associações proibidas pelo artigo 7º; no Capítulo III, artigo 12, punia-se com um ou dois anos de prisão quem fizesse apologia verbal ou escrita de algum feito ou personagem punido pelas disposições desta lei. Diario de Sesiones de la Camara de Diputados de la Republica Argentina, 1910, 18ª reunião, continuação da 9ª sessão ordinária, 27 de junho de 1910, pp. 359-361.

transição ainda incompleta. Segundo Zeballos, o direito dos trabalhadores era, de certa maneira, social, mas apenas pelo fato de o Estado ter por fundamento a sociedade. Porém, em termos jurídicos, os direitos operários eram constitucionais e civis: “Nossos códigos os consagram, as leis gerais afiançam e a magistratura os defende, de tal modo que não há necessidade de tal legislação operária ou social”185.

Ainda segundo o palestrante, tal questão – a necessidade de uma legislação que abarcasse os conflitos entre o capital e o trabalho – era fomentada por uma série de preconceitos, entre eles o de que o trabalhador argentino vivia em piores condições que o europeu186. O reconhecimento da personalidade jurídica dos sindicatos era combatido por Zeballos, já que os sindicatos já haviam se imposto de facto perante a nação. A personalidade jurídica seria a legalização da violência cometida por essas organizações187.

O contrato coletivo de trabalho, outra reivindicação de muitos trabalhadores relativa à sua organização e presente nos projetos em trâmite na câmara, era outro ponto que o jurista rechaçava veementemente. Muitas vezes, os casos da Alemanha e França foram utilizados como exemplos para a eficácia de tal medida. Porém, segundo Zeballos, a adoção do contrato coletivo nestes países apenas havia obedecido à necessidade de regimes recentes angariarem apoio político dos socialistas188.

Na Inglaterra e nos EUA, onde, segundo Zeballos, a estabilidade institucional era uma característica marcante, nunca existiu o contrato coletivo. O palestrante afirmava que nesses países “o contratar é uma função privada do direito civil, que sob seu regime, o mesmo [patrão] pode contratar uma entidade coletiva ou indivíduo; porém se é possível contratar voluntariamente, nenhuma lei deve mesclar-se nestas relações de direito privado apoiando os que buscam impor a força das coletividades”. Assim, a aprovação de uma lei de contratos coletivos de trabalho seria inconstitucional por ferir o Código Civil argentino que já estabelecia as regras comuns a todos os contratos tendentes a assegurar a clara vontade das partes ao celebrá-lo, suas formas ou sua autenticação e as interpretações em caso de dúvida. O contrato coletivo nada mais era que uma estratégia dos socialistas europeus que “fundam no contrato coletivo o poder de uma dupla dominação: sobre os operários que dirigem e sobre os

185 ZEBALLOS, Estanislao, “Cuestiones y legislación social”, in Anuario del Instituto de Conferencias

Populares, Segunda sessão ordinária de 27 de junho de 1919, Tomo V, pp. 18-21.

186 Ibidem, pg. 23. 187 Ibidem, pp. 27-28. 188 Ibidem, pg. 39.

patrões, a quem se impõe com a contratação coletiva de braços, igualmente onerosa para patrões e trabalhadores”189.

Zeballos versou ainda sobre temáticas como a limitação da jornada de trabalho em oito horas – “E se o trabalhador quer trabalhar mais? Para terminar de pagar suas dívidas?”190- e a

legalização do direito de greve - “toda a pressão sobre o ânimo de outrem é um fato que afeta a liberdade individual, é procedimento inconstitucional”191. Para o decano, o projeto continha

um aspecto negativo e outro positivo: o negativo é que os conflitos aumentariam substancialmente ao se legalizar as organizações e o direito de greve. O positivo seria a intenção por detrás destas medidas, que para os mais “inocentes” iriam pacificar as disputas. A nação, segundo o palestrante, “necessita que se realize o segundo aspecto da legislação, a que assegure o desarmamento dos lutadores e serene o espírito dos trabalhadores (...)” e isso seria possível através da educação para inculcar nos trabalhadores o patriotismo, a moral e a religião, assim como para ensinar aos patrões que capital e trabalho são sócios e, portanto, que o bom trato material e moral do trabalhador são os meios mais eficazes de se fazer fortuna192.

Por outro lado, alguns setores não negavam por completo a questão social. É Alejandro Bunge que nos oferece outro ponto de vista em relação ao movimento operário. Devemos lembrar que Bunge não era apenas um economista universitário e funcionário do Estado argentino, mas também oriundo de uma família dona de um dos maiores conglomerados econômicos do país, a Bunge & Born. Em um artigo chamado “Las aspiraciones gremiales y los pliegos de condiciones”, publicado na edição de 23 de abril de 1919 no jornal La Prensa, afirmava:

“Nossos industriais e comerciantes reconhecem lealmente e sem ambivalências, e desejam sinceramente arbitrar os meios para fazer possível o aumento de salários (...) É indispensável que os grêmios se organizem melhor e estudem mais detidamente seus problemas; que não compliquem as reivindicações ou demandas com reclamações de toda a ordem; que não apressem nem precipitem as soluções e, sobretudo, que tenham em conta

que hoje o essencial é o salário.”193

Mais adiante, em um texto escrito especificamente para o livro onde o artigo foi reproduzido, Bunge comenta a participação das federações sindicais nos movimentos grevistas, chamando os seus membros de “procuradores” que podiam pertencer ou não ao grêmio envolvido no conflito. Em consequência, para o autor:

189 Ibidem, pg. 43. 190 Ibidem, pg. 58. 191 Ibidem, pg. 67. 192 Ibidem, pp. 78-81.

193 BUNGE, Alejandro, “Las aspiraciones gremiales y los pliegos de condiciones”, La Prensa, 23 de Abril de 1919 in BUNGE (1920) op. Cit., pp. 140-141. O grifo é nosso.

“O resultado [da participação de membros das centrais nas greves] era desastroso; em poucas partes do mundo foram maiores que na República Argentina os fracassos das greves e tudo isso se devia, entre outras, a estas circunstâncias: 1º Os procuradores das greves seguiam sempre procedimentos anárquicos no sentido de passar para um plano secundário as questões originais e colocar as questões sindicalistas, tão arbitrárias como improvisadas e sem base real, em primeiro plano. 2º Os gestores das greves não entendiam absolutamente nada de organização sindical, nem de interesses gremiais, nem do tecnicismo das reivindicações [ou seja, das

consequências econômicas que poderiam acarretar]. Seu zelo não podia

sanar sua lamentável ignorância das questões econômicas e operárias.”194.

O economista estava longe de recusar a existência por completo dos sindicatos de trabalhadores. Pelo contrário, acreditava serem estes o resultado do “instinto de associação humana”195. Porém, estava claro para o autor que as reivindicações que ultrapassassem o

marco das questões econômicas não passavam da obra de “minorias estrangeiras”, não por serem provenientes de outros países, mas por serem “moralmente estranhos ao país”196. Este é

o ponto que separava as reivindicações “responsáveis” e aquelas que, segundo Bunge, demonstravam “o mais completo desconhecimento das repercussões e incidentes que a coordenação e o encadeamento dos distintos fatores econômicos produzem em seu próprio prejuízo”197. Outros temas que fogem ao mero ajuste dos salários não tem como serem

resolvidos da forma como são colocados pelos sindicatos: existe, nesse ponto, um nervosismo e uma inquietude muito prejudicial198.

Outras interpretações sobre a questão social vem à tona no período e sua perspectiva se recobre de maior interesse, principalmente por serem formuladas pelos membros da principal organização de industriais do país, a Unión Industrial Argentina. O Boletin del Departamento Nacional del Trabajo de número 38 dá continuidade ao informe iniciado em seu número anterior sobre diversas teorias e práticas relativas aos contratos coletivos de trabalho. Afirma seu autor, o presidente do DNT Alejandro M. Unsain, que:

“De acordo com a teoria e com a experiência, os contratos coletivos de trabalho constituiriam também outro meio preventivo para evitar certa classe de conflitos entre o capital e o trabalho, de que tendem a dar apreciáveis condições de rijeza e estabilidade à organização econômica da indústria em suas relações com os trabalhadores”199.

O departamento concluiu, por meio destas investigações, que contrário à afirmação presente, por exemplo, no discurso de Zeballos, “mesmo do ponto de vista do contrato de 194 Ibidem, pp. 150-151. 195 Ibidem, pg. 148. 196 Ibidem, pg. 153. 197 Ibidem, pg. 141. 198 Ibidem, pg. 142. 199 BDNT, Nº 39, Outubro de 1918, pg. 5.

trabalho puramente individual o atual código civil não satisfaz as exigências atuais de doadores e tomadores de trabalho (...)”200. É necessário, pelas características da moderna

indústria, que figure como pessoa jurídica não apenas patrão e operário, mas o sindicato e associação patronal.

Unsain chamava atenção para que “Salvo uma só e honrosa exceção”, se referia aos patrões e operários gráficos, “não existe entre nós nem a teoria nem a prática do contrato coletivo”. Essa situação, continua o presidente do DNT, é fundamental para entender a conflituosa relação entre o capital e o trabalho na Argentina, já que “Contrato coletivo e sindicato são, com efeito, dois termos inseparáveis de uma mesma série” e “Entre nós as associações operárias, por regra geral, gozam de uma simples personalidade de fato”201. O

informe ainda faz citação das leis em diversos países europeus que tratam da matéria.

Inspirado pelos resultados da investigação sobre o tema, o órgão governamental tomou a iniciativa de interpelar a UIA com as considerações finais deste estudo. Em nota enviada no dia 15 de maio de 1918, o DNT instava a UIA a levar em conta as propostas de se realizar gestões para elaboração de contratos coletivos. Afirmava a nota que:

“Se a prática estrangeira – e muito especialmente a dos últimos tempos – não se constitui em um argumento positivamente favorável a este pedido, indicaríamos o bom êxito alcançado entre nós pelo convênio dos operários de artes gráficas, em que essa sociedade teve e tem tão ativa participação.”202

Atendendo à especificidade de cada indústria, o DNT sugeria que cada uma das seções da UIA realizasse com seus operários contratos coletivos e que nestes se indicassem, primordialmente, a jornada de trabalho, a distribuição da mesma e a forma de percepção de salário (ou pelo menos o estabelecimento de seu valor mínimo).

As respostas coletadas por Guillermo Padilla, presidente da UIA, chegam ao DNT no fim de junho. Numa espécie de introdução, Padilla afirmava que “Todas as contestações são negativas e, em sua quase totalidade, por duas razões fundamentais que seguem: falta de responsabilidade de parte das organizações operárias e carência de legislação sobre essa matéria”. Concluía o presidente que o caso dos gráficos “é na realidade uma exceção possibilitada por peculiaridades daquele grêmio inteiramente alheias aos demais. Sua generalização não parece factível agora”203.

200 Ibidem, pg. 6. 201 Ibidem, pp. 9-11. 202 Ibdiem, pg. 16. 203 Ibidem, pg.17.

As negativas, em sua quase totalidade, são todas relacionadas à problemas relativos às organizações operárias. Silvestre Zamboni, presidente da Seção de Indústrias Metalúrgicas, contestou negativamente afirmando que as organizações operárias que atuam em seu ramo não podem ser consideradas como grêmios e ainda “fazem gala de repudiar todo acordo dessa natureza por reputá-los como contrários ao que eles titulam como suas ‘ideologias’”. O empresário ainda tece elogios à situação em que se encontram os operários e empresários gráficos, mas ressalta que “se trata de um pessoal operário que em todas as partes tem uma cultura média apreciavelmente superior a dos demais grêmios de trabalhadores”204.

Baixo nível cultural e irresponsabilidade das organizações, muitas vezes relacionados, são as principais justificativas da impossibilidade de se realizar contratos coletivos. Camilo Puriceli, empresário do ramo têxtil, contestou ao DNT afirmando que “dadas as grandes diferenças de raças e graus de educação entre os operários desse país, não será fácil fazer-lhes entender, aceitar ou cumprir condições que talvez não interpretem do mesmo modo”205.

A reprodução das demais respostas resultaria repetitiva, porém duas delas chamam a atenção, já que atribuem outra questão além das já assinaladas para o impedimento da consagração de contratos coletivos. O também empresário do ramo têxtil, Desiderio Riguet, além dos já mencionados problemas, afirmava que, em seu ramo, os empresários estariam impedidos de celebrar tais contratos, pois sua força de trabalho era “constituída em sua maioria de mulheres menores de idade”. No mesmo sentido, o empresário do ramo de perfumes, M. Piñero, afirmava que “sua realização [elaboração de contratos coletivos] seria bastante difícil, tendo em conta a característica especial de seu pessoal operário, constituído em sua generalidade pelo elemento feminino”206.

A recusa em aceitar a organização dos trabalhadores, por fim, fica ainda mais explícita se nos debruçarmos sobre as formulações realizadas pela Asociación Nacional del Trabajo (ANT). A origem desse grupo remonta aos conflitos do início do século no ramo dos transportes. Frente a crescente organização dos trabalhadores, várias empresas que atuavam no transporte marítimo, fluvial e ferroviário se organizaram em 1905 e fundaram a Sociedad Unión Protectora del Trabajo Libre. Esta sociedade proclamava-se como defensora do “trabalho livre”, perturbado pela interferência dos sindicatos, fornecendo fura-greves, listas negras e fomentando sindicatos amarelos e contratos individuais de trabalho. A ideia de uma associação protetora do “trabalho livre” ganhou mais força após o início da onda de greves em