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Foto 15 Manifestações no Festival da Água e do PACUCA

2.4 O ESPAÇO URBANO E O PLANO DIRETOR

2.4.4 A influência do Movimento Nacional da Reforma Urbana

As origens da ideia de reforma urbana se remontam aos anos sessenta. Embora a expressão ‘reforma urbana’ seja mais antiga, ela conheceu uma captura por um ideário de esquerda tardiamente. (SOUZA, 2010). Para ele, o que antes dos anos oitenta era chamado de reforma urbana, deveria se chamar reforma urbanística, já que esse termo recobriu até a década de oitenta intervenções estatais de cunho antipopulista.

Porém cabe comentar que as discussões sobre reforma urbana não foram exclusivas ao contexto brasileiro. Morcillo (1971), secretário da Administração Pública da Colômbia já destacava que já emergiam muitas discussões neste sentido em nível de América Latina. Este autor apontava dois possíveis cenários em se tratando de reforma urbana: o do ‘mercado socializado’, em que a terra seria propriedade do Estado; e o do ‘mercado dirigido’, em que a propriedade privada seria preservada, mas restringida.

A síntese intelectual do país, nos anos oitenta e noventa, foi fruto da sinergias de acúmulos de análises técnicas de planejamento e a experiência dos movimentos sociais.

Em meio ao contexto das reformas de base propostas no governo João Goulart (1961-1964), em 1963, foi realizado o Seminário de Habitação e Reforma Urbana, coordenado pelo Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), que chamado de "Seminário do Quitandinha", em função do nome do hotel em Petrópolis, Rio de Janeiro (RJ), que sediou este evento. O relatório final (Projeto de Reforma Urbana) incluiu a seguinte proposta: "Que o Poder Executivo envie projeto de lei ao Congresso Nacional corporificando os princípios de Política Habitacional e de Reforma Urbana aprovados neste seminário" (SERRAN, 1976).

Deste evento, de acordo com Coelho (1993), participaram políticos, técnicos e intelectuais e enfatizou a questão da moradia, que até era uma luta significativa, mas não teve a mesma expressividade e

repercussão como as lutas na esfera rural, na esteira da organização das ligas camponesas, que clamavam reforma agrária.

Assim, diante da referida expressividade restrita, Souza (2010) comenta que o período compreendido entre os anos sessenta e oitenta ficou conhecido como pré-história no cerne da reforma urbana brasileira. Isso, porque embora o discurso em favor de justiça social já tivesse um caráter crítico nos anos sessenta, apenas nos anos oitenta assumiram um ideário mais amplo, que transcendeu os limites da habitação.

Com o aumento da urbanização no país, passando de um terço em 1950 para dois terços em 1980, também se acentuaram os problemas e conflitos urbanos, o que gerou um clima favorável à reforma urbana no seu sentido mais emancipatório. A repressão política após o Golpe Militar, ou seja, de 1964 até os anos setenta, obstruiu a margem de manobra para as reinvindicações populares e por isso, se afirma que o movimento ‘hibernou’ por duas décadas. (SOUZA, 2010).

Até que em meados dos anos oitenta, a abertura política que se iniciou no governo Geisel estava prestes a culminar, no final do governo Figueiredo, com a eleição indireta do primeiro presidente civil após o golpe. A possibilidade e a esperança de elaboração de uma nova constituição serviram como estímulo à recomposição do campo da reforma urbana, e assim, além de questões relacionadas à moradia, surgiram várias outras. (SOUZA, 2010).

Como o Brasil estava mais urbanizado e complexo, a bandeira da reforma urbana teve de se adaptar a uma diversidade, a mobilização pela reforma urbana incorporou e deu origem ao Movimento Nacional pela Reforma Urbana, que entre meados e final dos anos oitenta amadureceu a questão progressista e se caracterizou, segundo Souza (2010, p. 158), como:

[...] um conjunto articulado de políticas públicas, de caráter redistributivista e universalista, voltado para o atendimento do seguinte objetivo primário: reduzir os níveis de injustiça social no meio urbano e promover uma maior democratização do planejamento e da gestão das cidades.

Diante dessa definição, nota-se que a proposta deste movimento não se fundamenta somente em funcionalidade, estética e ordem, ela visa ao aspecto social.

Ao longo do tempo, o Movimento Nacional pela Reforma Urbana (MNRU), recebeu o apoio de várias entidades: organizações ativistas de bairro; entidades profissionais, como Instituto dos Arquitetos do Brasil e Associação de Geógrafos do Brasil; bem como acadêmicas. O MNRU conseguiu preparar uma emenda popular da reforma urbana subscrita por cento e trinta mil eleitores, no entanto, a obrigatoriedade era de o Congresso a receber, mas não de acatá-la totalmente. Assim, ela foi minguando e restaram o conteúdo diluído e modificado representado nos artigos 182 e 183 da Constituição Federal de 1988. (SOUZA, 2010).

Como estes artigos são fundamentais para esta tese, são apresentados na íntegra:

Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes.

§ 1º - O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.

§ 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.

§ 3º - As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro.

§ 4º - É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:

I - parcelamento ou edificação compulsórios; II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;

III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais

e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.

Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

§ 1º - O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil. § 2º - Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.

§ 3º - Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião. (CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, 1988).

A política urbana brasileira, implantada a partir da Constituição Federal de 1988 tinha como propósito introduzir novos elementos à forma de planejar as cidades, os quais emergiram de uma reflexão autônoma sobre o território nacional, seus problemas urbanos e sua formação sócio-espacial, acerca de causas estruturais das desigualdades sociais, materializadas nos espaços das cidades.

Essas desigualdades se consolidavam por meio de irregularidade fundiária, do déficit habitacional, da habitação inadequada, da precariedade e deficiência do saneamento ambiental, da baixa mobilidade e qualidade do transporte coletivo e da degradação ambiental.

A cidade brasileira expressa como poucas, a negação do direito à cidade. As raízes do processo estão ligadas a uma modernização excludente, que resulta em uma sociedade dual, dicotômica. Neste contexto, pode-se afirmar que os paradigmas hegemônicos do urbanismo e do planejamento urbano que foram adotados revelam grandes limitações e não conseguiram dar respostas satisfatórias aos problemas contemporâneos das grandes cidades. Esta reflexão devida em parte ao Movimento Nacional de Reforma Urbana apresentou a seguinte agenda: busca da institucionalização da Gestão Democrática das cidades; a municipalização da Reforma Urbana; a regulação pública do solo urbano sob o princípio da função social da propriedade urbana; a

inversão de prioridade nos investimentos urbanos. (PEREIRA, 2011- 2º Congresso da Cidade).

Esta agenda, graças a um contexto política favorável, de reinstitucionalização da política urbana sempre afirmou a necessidade de uma reforma estrutural na forma de produzir o espaço urbano e na política de desenvolvimento das políticas públicas.

O ressurgimento das discussões em torno do planejamento urbano, nas agendas de debate público e governamental, é fruto da imposição de sua obrigatoriedade aos municípios com mais de 20 mil habitantes pela Constituição Federal de 1988, onde foi estabelecida a competência do poder público municipal sob a responsabilidade de execução da política de desenvolvimento urbano, com a cooperação das associações representativas no desenvolvimento de ações de promoção do planejamento municipal (artigo 29, inciso X) e, ao mesmo tempo, articulando-se às ações promovidas pelo governo federal. Ao governo federal compete o estabelecimento de diretrizes e a fixação de normas necessárias para a utilização dos dispositivos constitucionais que permitirão ao poder público municipal intervir no espaço urbano, conforme o inciso XX, do artigo 21. Depois de tramitar durante a década de noventa, o Congresso Nacional aprovou e a Presidência da República sancionou a Lei federal no 10.257, de 10 de julho de 2001, que, sob o título de Estatuto da Cidade, regulamentou os principais institutos jurídicos e políticos de intervenção urbana. (CARVALHO, 2001).