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A inserção da América Latina no mercado mundial

2 DESEMPREGO ESTRUTURAL E CRISE DO SISTEMA

2.2 ANÁLISE DA PARTICULARIDADE DO DESENVOLVIMENTO

2.2.1 A inserção da América Latina no mercado mundial

Rui Mauro Marini (2000) apresenta, em sua apreciação sobre a dialética da dependência, o contexto detalhado sobre a inserção da América Latina no circuito do capitalismo mundial. Realiza também a análise das configurações políticas e econômicas que caracterizam o contexto social brasileiro desde o final do século XIX, para explicar a forma como se deu a passagem da economia oligárquica para a economia capitalista.

Cabe pontuar, inicialmente, a inserção da análise da dialética da dependência no contexto dos estudos marxistas. Marini (2000) sustenta a necessidade da análise da particularidade latino-americana a partir da constatação de dois desvios fundamentais:

Em suas análises da dependência latino-americana, os teóricos marxistas incorreram, em geral em dois tipos de desvios: a substituição do fato concreto pelo conceito abstrato ou a adulteração do conceito em nome de uma realidade rebelde em aceita-lo em sua formulação pura. [...]

Estes desvios nascem de uma dificuldade real. Frente ao parâmetro do modo de produção capitalista puro, a economia latino-americana apresenta peculiaridades, que às vezes se dão como insuficiências e outras – nem sempre distinguíveis facilmente das primeiras – como deformações. Não é, portanto, acidental a reiteração nos estudos sobre a América Latina da noção de ‘pré-capitalismo’. O que seria necessário dizer é que, ainda quando realmente se trate de um desenvolvimento insuficiente das relações capitalistas, essa noção se refere a aspectos de uma realidade que, por sua estrutura global e seu funcionamento, não poderá nunca se desenvolver da mesma forma como se desenvolveram as economias capitalistas consideradas avançadas. É por isso que, mais que um capitalismo, o que temos é um capitalismo sui

generis, que só ganha sentido se o contemplamos

tanto a nível nacional como, principalmente, a nível internacional (MARINI, 2000, p. 105-6). Para fundamentar a análise das particularidades da América Latina em sua inserção no modo de produção capitalista, Marini parte de dois pressupostos do método marxiano que explicam a abordagem dialética da realidade social, e apresentam movimentos a princípio contrários, mas que são complementares na aproximação ao objeto de estudo.

Por um lado, a tradição marxiana revela que “a anatomia do homem explica a anatomia do macaco”. Por outro, demonstra que as categorias mais simples podem expressar as relações dominantes do todo desenvolvido, como no caso da categoria da mercadoria, que expressa em seu interior as relações sociais mais complexas nas quais se fundam o modo de produção capitalista.

Desta forma, “é certo que o desenvolvimento ainda insuficiente de uma sociedade, ao ressaltar um elemento simples, torna mais compreensível sua forma mais complexa, que integra e subordina esse elemento” (MARINI, 2000, pp. 106-7). Com esses elementos, o autor

pontua a forma como as categorias fundamentais de análise podem servir de parâmetro ao estudo da realidade em suas particularidades:

[...] as categorias marxistas devem ser aplicadas, pois, à realidade como instrumentos de análise e antecipações de seu desenvolvimento posterior. Por outro lado, essas categorias não podem substituir ou mistificar os fenômenos a que se aplicam; é por isso que a análise tem que ponderá- las, sem que isto implique de forma alguma em romper com o fio do raciocínio marxista, enxertando-o corpos estranhos e que não podem, portanto, ser assimilados por ele. O rigor conceitual e metodológico: a isto se reduz em última instância a ortodoxia marxista (MARINI, 2000, p. 107). Considerando esses pressupostos referentes ao método, é possível partir para a explicação que realiza o autor sobre a integração latino- americana ao mercado mundial, a qual perpassa a categoria do intercâmbio desigual.

Conforme Marini (2000), a expansão comercial ocorrida na Europa no século XVI já conforma as bases de desenvolvimento da América Latina de acordo com o desenvolvimento capitalista mundial. Isso porque a América Latina participa da dinâmica das exportações como “colônia produtora de metais preciosos e de gêneros exóticos”, ampliando os fluxos comerciais e os meios de pagamento, abrindo caminho para a consolidação da manufatura e posterior desenvolvimento industrial.

Para Marini (2000), a revolução industrial consolidada na Europa corresponde aos processos de independência na América Latina, visto que mudam o sentido das negociações comerciais com os países colonizadores e passam a se concentrar na Inglaterra. Assim, a dinâmica de comércio entre esses países se fundamenta na exportação, pelos países latino-americanos, de bens primários e importações de manufaturas. Essa forma de comércio gera, posteriormente, os déficits na balança comercial desses países, que passam a acumular dívidas para manter o volume de importações de bens manufaturados.

Quando os saldos de exportações passam a ser positivos, o papel da dívida externa passa a ser o de “transferir para a metrópole parte do excedente obtido da América Latina” (MARINI, 2000, p. 108). Dessa forma, a divisão internacional do trabalho e o serviço da dívida passam e ser fatores fundamentais para a configuração e reprodução da dependência em escala ampliada.

A tese de Marini (2000) utiliza-se do suposto de que as relações entre a metrópole econômica, Inglaterra, e os diferentes países latino- americanos possibilitam, ou facilitam, o desenvolvimento industrial acelerado. O autor explica esta inter-relação:

A criação da grande indústria moderna teria sido fortemente obstaculizada se não houvesse contado com os países dependentes e tido que se realizar sobre uma base estritamente nacional. De fato, o desenvolvimento industrial supõe uma grande disponibilidade de bens agrícolas que permita a especialização, por parte da sociedade, na atividade especificamente industrial. No caso da industrialização europeia, o recurso à simples produção agrícola interna teria bloqueado a extremada especialização produtiva que a grande indústria tornava possível (MARINI, 2000, p. 111). Somado a isso, o autor continua afirmando o papel da população. Tendo em vista o que fora revelado por Marx a respeito da dinâmica da população no capítulo precedente, fica evidente que as relações com os países dependentes possibilitaram aos interesses do capital uma população excedente, que poderia ser manejada para atividades daqueles setores que não eram de interesse direto dos países industriais. Assim, a produção agrícola, tão necessária à subsistência, passa a ser produzida prioritariamente nos países dependentes, liberando mão de obra para as atividades industriais nos países centrais.

O forte incremento da classe operária industrial e, em geral, da população urbana ocupada na indústria e nos serviços, que se verifica nos países industriais no século passado, não teria podido ter lugar se estes não tivessem contado com os meios de subsistência de origem agropecuária, proporcionada de forma considerável pelos países latino-americanos. Foi isto que permitiu aprofundar a divisão do trabalho e especializar os países industriais como produtores mundiais de manufaturas (MARINI, 2000, p. 111). Considerando este pressuposto fundamental, Marini (2000) explica o intercâmbio desigual a partir da teoria do mais-valor da forma como fora desenvolvida por Marx. Essa explicação fundamenta o que se

entende por superexploração do trabalho e sobre as formas mais recentes em que esta superexploração se desenvolve.

Como foi dito, a inserção da América Latina no intercâmbio mundial possibilita o avanço da industrialização nos países centrais. Isso porque se tem um reforço na produção de alimentos e matérias-primas, cedendo lugar à especialização desses países na inovação industrial. Consequentemente, examina-se uma ampliação das condições técnicas de produção, que permitem produzir mais produtos em menor quantidade de tempo de trabalho.No entanto, essa inovação técnica não é suficiente para a produção do mais-valor relativo, conforme aduz o autor. Isso porque o mais-valor não tem relação apenas com a produtividade do trabalho, apesar de ser fortemente influenciada por ela, mas é determinada fundamentalmente pelo grau de exploração da força de trabalho (MARINI, 2000).

No capítulo precedente, explicou-se a “fórmula” do mais-valor, em que se relacionam tempo de trabalho necessário e tempo de trabalho excedente. Mostrou-se também a confusão da economia política clássica, ao relacionar erradamente, conforme Marx, o tempo de trabalho necessário com o tempo total de trabalho.

A fórmula demonstra que a determinação da taxa de mais-valor representa o grau de exploração da força de trabalho, pois relaciona a proporção que se estabelece, no interior da jornada de trabalho, entre o trabalho excedente (não-pago) e trabalho necessário (trabalho pago).

Dessa forma, o trabalho não pago amplia-se à medida que diminui o trabalho pago. É por isso que Marini (2000) explica que apenas o aumento da produtividade do trabalho não muda em si esta proporção. Mas esta proporção muda ao se alterar a produtividade dos bens de consumo do trabalhador, que representam o gasto do trabalho necessário. Assim, com maior produtividade desses bens, o valor do trabalho necessário diminui, ampliando a proporção do trabalho excedente e, por conseguinte, a taxa de mais-valor, no caso o mais-valor relativo.

Portanto, a produção de alimentos nos países latino-americanos, que são a base do consumo do trabalhador nestes países e nos de industrialização avançada, demonstra ser elemento-chave para a especialização desses países na atividade industrial.Além da produção de alimentos, a produção de matérias-primas também se apresenta como fator econômico importante para a produção industrial, pois o barateamento dos produtos possibilita a ampliação da massa da produção industrial, visto que o aumento da produtividade geral requer uma ampliação do uso de matérias-primas.

Marini (2000) explica que a ampliação da massa de produtos é fator fundamental para conter a tendência à queda da taxa de lucro e tende a minimizar os efeitos contraditórios da expansão capitalista:

[...] o aumento da capacidade produtiva do trabalho implica num consumo mais que proporcional de matérias-primas. Na medida em que essa maior produtividade se acompanha efetivamente de uma maior mais-valia relativa, isto significaria que baixa o valor do capital variável em relação ao capital constante (que inclui as matérias-primas), ou seja, que se eleva a composição-valor do capital. Pois bem, o que apropria o capitalista não é diretamente a mais-valia produzida, mas a parte desta que lhe corresponde sob a forma de lucro. Como a cota de lucro não pode ser fixada apenas em relação ao capital variável, mas sobre o total do capital avançado no processo de produção, isto é, salários, instalações, maquinaria, matérias-primas, etc., o resultado do aumento da mais-valia tende a ser – sempre que implique, mesmo em termos relativos, uma elevação simultânea do valor do capital constante empregado para produzi-la – uma baixa da cota de lucro (MARINI, 2000, p. 116). A tendência à queda na taxa de lucro é explicada por Marx a partir do processo de trabalho em si e também a partir da concorrência entre os capitalistas. O aumento da produtividade, nesses casos, serve como meio para ampliar o mais-valor e reduzir os custos unitários de produção. No entanto, para Marx, conforme explica Shaikh (1988), os métodos de produção mais modernos requerem maiores investimentos com instalações e materiais auxiliares, como eletricidade, e possuem ainda custos devidos à depreciação, o que interfere no custo unitário dos produtos. Ao mesmo tempo, esses métodos mais avançados reduzem os custos referentes ao trabalho, visto que garantem maior volume de produção, em menor tempo7.

7 Entende-se que Shaikh (1988) se refere aqui ao volume de mais-valia e não especificamente à ampliação na taxa de mais-valia. Dessa forma, não existe contradição na explicação apresentada anteriormente, de que apenas a produtividade não interfere diretamente na taxa de mais-valia, conforme considera Marini (2000), explicando a necessidade de que a produtividade se

Desta forma, o custo com a produção, que equivale à soma do capital constante (c) com o capital variável (v), só pode ser reduzido se o aumento do custo de c for compensado pela redução proporcional do custo de v.Esta equação permanece favorável ao capitalista até que sejam atingidos os limites tecnológicos, ou até que essa inovação tecnológica passe a ser de utilização geral pelos demais capitalistas, o que elimina as possíveis vantagens da concorrência.

A tendência à queda na taxa de lucro, explicada por Marx, é tratada pelos capitalistas a partir de alguns mecanismos, conforme observa Shaikh (1988):

Marx observa que várias influências neutralizadoras contribuem para reduzir a queda da taxa de lucro e até mesmo para inverter essa tendência. A intensificação do processo de exploração, salários menores, capital constante mais barato, o crescimento de indústrias de composição orgânica relativamente baixa, a importação de bens salariais ou de meios se produção baratos e a migração do capital para áreas em que a força de trabalho e os recursos naturais são mais baratos podem contribuir para a elevação da taxa de lucro, aumentando a taxa de exploração e/ou baixando a composição orgânica do capital. Masprecisamente porque essas contratendências operam dentro de limites estritos, a queda secular da taxa de lucro surge como a

tendência dominante (SHAIKH, 1988, p. 372 grifo

do autor).

E o inverso também se mostra verdadeiro. Conforme o mesmo autor,

Ceterisparibus, maiores salários e melhores

condições de trabalho reduzem os lucros e também estimulam maior mecanização, intensificando assim, de dupla maneira, a tendência intrínseca à queda da taxa de lucro. Mas, como Marx ressalta, essas e outras lutas centralizadas na reforma do sistema operam necessariamente dentro dos limites estritos postos pela lucratividade, pela mobilidade

amplie na produção dos bens-salário para que haja um aumento na taxa de mais-valia relativa.

do capital e pela concorrência em nível mundial, e, portanto, permanecem adstritas à dinâmica básica da acumulação capitalista. Um argumento semelhante pode ser apresentado em favor dos limites da intervenção estatal (SHAIKH, 1988, p. 372-3).

Tendo em vista a explicação geral sobre a tendência à queda da taxa de lucro, vários fatores apontados por Marini (2000) são de mais fácil visualização, e contemplam os demais fatores trabalhados pelo autor.Por fim, mais um fator trabalhado por Marini (2000) nessa explicação inicial sobre o intercâmbio desigual se refere ao fato de que, tendo ocorrido um barateamento dos preços dos produtos primários nos países latinoamericanos, os termos de troca entre estes e os países centrais industrializados tornou-se muito desigual. Deste modo, ampliam-se os mecanismos de dependência entre esses países, somando-se a isso o mecanismo da dívida externa que torna os países da América Latina vinculados fortemente aos interesses econômicos do capitalismo mundial. Marini (2000) explica as causas da depreciação nos preços dos produtos produzidos nos países latino-americanos e afirma que não se trata apenas da lei da oferta e da procura, tendo em vista a ampliação do volume de produção e negociação. Nem mesmo se detém a explicações sobre os termos políticos que envolveram as negociações comerciais entre esses países. O autor define que, na lógica das leis econômicas, essa depreciação nos preços, mesmo com o avanço lento da produtividade do trabalho, só pode ocorrer por meio da maior exploração do trabalho nos países latino-americanos. Logo, o autor abre caminho para a explicitação da superexploração do trabalho.