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O excedente econômico

2 DESEMPREGO ESTRUTURAL E CRISE DO SISTEMA

4.2 O excedente econômico

Para além de uma atitude de enfrentamento da questão social, a intervenção estatal na esfera econômica, política e social demanda uma ampliação de todo o seu corpo burocrático e, em decorrência, a ampliação de todo o seu aparato de financiamento. Isso só foi possível, no âmbito do capitalismo monopolista, pela absorção, pelo Estado, do excedente econômico.

Em seu estudo sobre o capitalismo monopolista, a partir da realidade dos Estados Unidos, Baran e Sweezy (1978) procuram explicitar de que maneira se dá a criação e a absorção do excedente econômico no capitalismo monopolista. Os autores explicam a que se refere o excedente econômico nessa etapa mais avançada do capitalismo: O excedente econômico, na definição mais breve possível, é a diferença entre o que a sociedade produz e os custos dessa produção. O volume do excedente é um índice de produtividade e riqueza, da margem de liberdade que a sociedade tem para atingir as metas a que se propõe chegar (BARAN; SWEEZY, 1978, p.19).

Quando tratam das formas como esse excedente é absorvido, os autores citam sua absorção pelo consumo e investimento capitalistas, a administração civil e o militarismo e imperialismo. No caso da administração civil que absorve o excedente econômico, os autores procuram demonstrar que “os usos que o Governo faz do excedente que absorve são estreitamente limitados pela natureza da sociedade capitalista monopolista” (BARAN; SWEEZY, 1978, p. 146).

Eles explicam que as teorias econômicas clássicas e mesmo a teoria marxista partem do pressuposto de que a economia atua sempre no total de sua capacidade, sendo que os gastos do governo com funcionários, forças armadas e qualquer forma de assistência aos necessitados seriam sempre tomados pela tributação da parte do

excedente utilizada para o consumo próprio das classes que recebiam esse excedente. Dessa forma, era difundida a ideologia a favor de um governo de tamanho e funções menores possíveis, a fim de diminuir seus gastos e reduzir a tributação a partir do excedente dos mais ricos.

Na citação transcrita a seguir, na fase do capitalismo monopolista existe uma diferença importante nesse aspecto:

No capitalismo monopolista, as coisas são muito diferentes. Nele, a situação normal é de produção inferior à capacidade. O sistema simplesmente não cria bastante ‘procura efetiva’ (para usarmos a expressão keynesiana) para garantir a plena utilização seja do trabalho ou da capacidade produtiva (BARAN; SWEEZY, 1978, p. 147). Na continuação do trecho anterior, os autores definem quais são as estratégias do Governo para incentivar a produção econômica e para reduzir a incidência do peso da tributação nas rendas pessoais:

Se esses recursos ociosos puderem ser postos em atividade, produzirão não só os meios necessários de subsistência para os produtores, mas também volumes adicionais de excedente. Daí, se o Governo criar mais procura efetiva, poderá aumentar seu controle sobre os bens e serviços sem interferir nas rendas de seus cidadãos. Essa criação da procura efetiva pode tomar a forma de compras governamentais diretas de bens e serviços, ou de ‘pagamentos de transferência’ a grupos que podem, de alguma forma, justificar sua pretensão de tratamento especial (subvenções a homens de negócios e agricultores, benefícios aos desempregados, pensões aos velhos, etc.) (BARAN; SWEEZY, 1978, p. 147).

No sentido da explicação dos autores, fica demonstrado que, em conjunto aos aspectos políticos que marcam o início de uma intervenção estatal no período do capitalismo monopolista, as possibilidades econômicas trazidas pela manipulação do excedente econômico tornaram possível uma ampliação das funções estatais.

É importante frisar que, quando se trata dessa intervenção do Estado, no final do século XIX e início do século XX, esta pesquisa se reporta basicamente aos países centrais, Estados Unidos e países

desenvolvidos da Europa. No caso dos países periféricos, a cronologia histórica das mudanças realizadas na economia e no Estado são bem mais recentes. Se se pode pensar na influência da dinâmica capitalista mundial em países com condições de produção mais atrasadas e sob o regime de escravidão, o desenvolvimento do capitalismo urbano industrial nos países periféricos, como o Brasil, é contemporâneo da etapa mais avançada do capitalismo mundial, o capitalismo monopolista.

A dinâmica desigual e combinada do capitalismo no centro e na periferia do mundo convoca diferenças importantes na configuração do Estado e da economia. Nesse sentido, entender essa dinâmica mundial, com foco nas elaborações próprias do capitalismo norte-americano, serve como fundamento, mas é, em si, suficiente para explicar a diversidade das realidades de diferentes países. Elas evocam a base teórica estrutural de construções mais específicas sobre as diferentes realidades, como no caso latino americano. Por isso, aparecem aqui como norte de estudos posteriores sobre o caso da América Latina e do Brasil.

Baran e Sweezy (1978) apresentam os dados do dispêndio governamental entre 1929 e 1957 e apontam um acréscimo de despesas em relação à porcentagem do PNB (Produto Nacional Bruto). Sobre os gastos destinados ao bem-estar da sociedade (incluindo educação estradas, saúde), foi pequeno o aumento das despesas.

No entanto, no que se refere a transferências financeiras, os autores apontam um crescimento significativo, incluindo o pagamento de juros e grande parte destinada ao pagamento de seguro social (desemprego, velhice e veteranos). Esses gastos representam melhorias importantes no âmbito do bem-estar dos cidadãos: “É este o único elemento substancial de verdade na afirmação comum de que desde 1929 os Estados Unidos se tornaram um ‘Estado de bem-estar social’” (BARAN; SWEEZY, 1978, p. 156).

Sobre o aspecto político que envolve a absorção do excedente pelo Estado, os autores afirmam que “os modos de utilização do excedente constituem o indispensável mecanismo que liga a base econômica da sociedade com o que os marxistas chamam de sua superestrutura política, cultural e ideológica” (BARAN, SWEEZY, 1978, p. 17).

Dessa forma, entende-se que o excedente opera sempre no sentido de dar vazão aos princípios do sistema do capital por meio de sua utilização pelo Estado. A democracia, nos moldes do capitalismo, “é fortalecida por periódicas ratificações populares” (p. 159) e aqueles que tomam o poder político precisam reafirmar sua constantemente sua legitimação.

Fazem-se concessões para diminuir a agressividade dos sindicatos e dos movimentos trabalhistas políticos que professam objetivos radicais. Seus líderes são comprados – com dinheiro, lisonjas e honras, em consequência, quando conquistam o poder, permanecem dentro dos limites do sistema [...] (BARAN; SWEEZY, 1978, p. 160).

Obviamente, existem importantes exceções à situação descrita pelos autores. Não se pode considerar a classe trabalhadora como uma classe de fácil manipulação, que é sempre cooptada para atender aos interesses do capital. No caso das políticas sociais e políticas do trabalho, é preciso entender de forma dialética a relação que se estabelece entre o poder político, às necessidades econômicas, as diferentes formas e estratégias de ação. No caso dessas políticas, pode-se pensá-las também como conquistas sociais, aliadas às conquistas democráticas angariadas por meio das pressões do movimento operário, ao longo do avanço capitalista.

4.3 POLÍTICA SOCIAL EM PERÍODOS DE CRISE ECONÔMICA