• Nenhum resultado encontrado

A inserção do item lexical

Capítulo 3 A arquitetura da gramática

3.6 A Sintaxe de Primeira Fase (Ramchand 2008)

3.6.4 A inserção do item lexical

A seguir, abordamos brevemente a questão de como ocorre a inserção lexical nesse modelo. Uma das consequências da decomposição das categorias lexicais (e da consequente não-integri- dade do evento), é o fato de não haver mais um familiar v. Ramchand (2008a, p. 57), observa que “o rótulo categorial para o Verbo está decomposto em init, proc e res, e não está mais claro

82“The general property of the Asp head, therefore, is to bind the event variable, and create a predicate over

times related to that event”.

83Como destaca Ramchand (2008a, p. 196), em termos das classes aspectuais de Vendler (1957), verbos do tipo

[init, proc] (e.g., ‘empurrar’) ou [proc] (e.g., ‘rolar’) seriam atividades; verbos do tipo [init, proc], na presença de um complemento remático do tipoCAMINHO(e.g., ‘ler um livro’) seriam accomplishments; e verbos do tipo [init,

qual deve ser a posição de Merge (ou inserção)”.84 Com isso, a questão da inserção lexical tem

que ser repensada e redefinida nesse modelo.

A fim de entender plenamente o que isso quer dizer, exemplificamos a seguir como ocorre a inserção de vocabulário na MD, em comparação ao modelo de Ramchand (2008a). A comparação é pertinente — uma vez que ambas são teorias sintáticas de inserção tardia — e permite apreciar de forma clara as consequências de se assumir a decomposição de v, ou seja, de se assumir que v não corresponde exatamente a um único terminal.85

Com um exemplo simples, Wood (2012, p. 24) ilustra, da perspectiva da MD, a derivação do nome marriage (‘casamento’) no inglês. A sua estrutura consiste em uma raiz,pMARRY, e um núcleo categorizador (nominalizador), n, realizado por -age. Segundo Wood (2012), há uma regra que lista as raízes que condicionam a aplicação desse sufixo. Raízes de nomes como marriage e carriage estão previstas por essa regra: [n] $ -age / {pMARRY,pCARN, ...} _ . Segundo Wood (2012, p. 24), essa regra “diz para realizar o núcleo categorial n como -age quando concatenado com raízes dessa lista”.86 Dessa forma, obtém-se (76).

(76) marriage (Wood, 2012, p. 24)

a. n

p

MARRY n

b. pMARRY _ n (Concatenação)

c. pMARRY _ [n, -age] (Inserção de Vocabulário)

Em (76c), fica clara a ideia da inserção do sufixo nominalizador -age em um terminal n. Ao se considerar o modelo de Ramchand (2008a), em que a categoria verbal, por exemplo, é decomposta em init, proc e res, a pergunta é onde seria, afinal, o lugar da inserção? A respeito dessa decomposição no modelo de Ramchand (2008a), Wood (2012, p. 11) observa.

84“(...) the category label for Verb has been decomposed into init, proc and res and it is no longer clear what

the position of Merge (or insertion) should be.”

85Em ambas as teorias, a inserção do conteúdo fonológico ocorre pós-sintaticamente.

Elementos distinguidos na sintaxe deveriam aparecer, pelo menos às vezes, manifestos na morfologia, como afixos e palavras funcionais (...), entretanto, muito frequentemente, elementos sintaticamente ativos são “silenciosos” (...). Apesar da frequente não-expressão de núcleos sintáticos, a expectativa de que às vezes eles devem ser manifestos parece ser necessária na presente investigação (...). Dessa perspectiva, se adotássemos o sistema de Ramchand, esperaríamos ver um verbo com um sufixoRES, seguido de um sufixoPROC,

seguido de um sufixoINIT.87

A autora, no entanto, adota uma perspectiva diferente da inserção. Ramchand (2008a, p. 59) rejeita a ideia de que os itens lexicais sejam inseridos em um único nó terminal (como exemplificado em (76)) ou que a posição de Merge inicial seja privilegiada. Em vez disso, a autora propõe que o mesmo elemento pode sofrer a operação Merge e, em seguida, Remerge, para identificar diferentes núcleos na primeira fase, como exemplificado na subseção anterior para o exemplo (71).88 Essencialmente, dessa nova perspectiva, os itens lexicais podem realizar

o spell-out de partes da estrutura arbórea. A esse respeito, Starke (2009, p. 2) destaca que “[u]ma consequência imediata de os terminais serem sub-morfêmicos é que muitos — talvez a maioria — dos morfemas vão abranger vários terminais. Assim, estes corresponderão a uma sub-árvore inteira, não a um terminal”.89

Na MD, o processo de inserção vocabular é regido pelo princípio do Subset de Halle (1997), ou o princípio do subconjunto, segundo o qual, um item de vocabulário é inserido em um terminal sintático se contiver o maior subconjunto de traços especificados pelo nó sintático. Se o item de vocabulário em questão contiver traços que não estejam presentes nesse nó sintático, a inserção não ocorre.90

87“[...] elements distinguished in syntax should show up, at least sometimes, in overt morphology, as affixes and

function words, for example [...] very frequently, however, syntactically active elements are silent. [...] despite the frequent non-expression of syntactic heads, the expectation that they should be overt sometimes seems to be necessary in the present investigation (...). From the present perspective, if we were to adopt Ramchand’s system, we would be led to suppose that we should see a verb with a dedicatedRESsuffix, followed by a dedicatedPROC

suffix, followed by a dedicatedINITsuffix.

88Segundo a autora, se a operação Merge se aplica a dois elementos e forma um conjunto {↵, }, nada impede

que determinado elemento seja membro de mais de um conjunto (Ramchand, 2008a, p. 59).

89“An immediate consequence of terminals being submorphemic is that many — perhaps most — morphemes

will span several terminals. And therefore they will correspond to an entire subtree rather than corresponding to a terminal.”

Já na sintaxe de primeira fase, a inserção dos itens lexicais é regida pelo princípio do Superset.91 De acordo com esse princípio, “um item lexical pode ser inserido para realizar o

spell-out de uma sequência de núcleos se a sua marcação categorial representa um superset da sequência a sofrer o spell-out” (Ramchand, 2008a, p. 97).92 A autora implementa o princípio

do Superset por meio do mecanismo de sub-associação, que diz respeito ao uso de determinado item lexical que representa o superset dos traços categoriais que é capaz de spell-out em uma estrutura, como exemplificado a seguir.93

Em inglês, a forma dance pode ser tanto verbal quanto nominal (‘dançar’, ‘dança’), sem qualquer marcação morfológica (e.g., “I dance” (‘eu danço’), “a dance” (‘uma dança”)). Ramchand (2008a, p. 96) hipotetiza que essa raiz é do tipo [init, proc, N],94o que permitiria a

sua flexibilidade categorial, como exemplificado a seguir em (77) e em (78). Na derivação da forma verbal, danceV, o traço categorial N estaria sub-associado, como exemplificado a seguir

em (77).95 (77) to dance a jig initP ‘x’ init dance procP <‘x’> proc <dance [N] > a jig

,! traço nominal sub-associado

91Terminologia atribuída a Starke (2009), que desenvolve essa ideia no espírito da Nanossintaxe.

92“[...] a lexical item may insert to spell out a sequence of heads if its category signature is a superset of the

sequence to be spelled out.”

93Cabe observar que esse mecanismo não é irrestrito e se aplica sob certas condições específicas descritas por

Ramchand (2008a, p. 98).

94Postular simplesmente um traço categorial N é uma simplificação da autora. É esperado que essa categoria

também seja decomponível, a exemplo da categoria V. Veja comentário de Ramchand (2008a, p. 96) a esse respeito. Igualmente, uma questão interessante é a possível decomposição da categoria A.

(78) to do a dance initP ‘x’ init do procP <‘x’> proc <do> DP a dance([init, proc])

,! traços verbais sub-associados De forma análoga, na versão nominal, danceN, os traços verbais, init, proc, estariam

sub-associados, como ilustrado em (78).96

Antes de concluir esta seção, fazemos uma observação final, no que diz respeito aos adjetivos modais. Na estrutura proposta por Oltra-Massuet (2014), o sufixo -ble é aparentemente decomposto em duas projeções, a e Mod, como repetido a seguir.

(79) ESTRUTURA DE -ble aP a -ble ModP Mod ⇧ Rc AspP ...

Essa estrutura parece ilustrar uma análise mais próxima da proposta de Ramchand (2008a), no que diz respeito à ideia de decompor as categorias lexicais e da possibilidade de inserção em nós não-terminais, do que propriamente da MD. A esse respeito, Oltra-Massuet (2014, p. 153) observa o seguinte:

Como Michael Starke (c.p) e Mercedes Tubino (c.p) apontam, há um problema potencial com as estruturas sugeridas no que diz respeito ao modelo da MD. O sufixo modal adjetival -ble está aparentemente dividido em diferentes núcleos funcionais, uma proposta que parece ir contra princípios básicos da MD, segun- do os quais itens de vocabulários são inseridos em nós sintáticos terminais. Observe que eu assumo que [bl] é especificado para inserção em um nó a, mesmo que os traços de -ble estejam distribuídos entre diferentes núcleos.97

Observamos que esse tipo de questão, em princípio, não representaria um problema em um modelo como o de Ramchand (2008a), sob uma análise concebe a existência de terminais sub-morfêmicos. Assim, em princípio, -vel poderia abranger diferentes terminais que incluiriam os componentes passivo e de modalidade. Em nossa proposta, o caráter passivo de adjetivos modais é captado a partir da combinação do sufixo, de caráter modal (aMOD), a uma projeção

não saturada do núcleo verbal de Iniciação. Com isso, assumimos que -vel corresponderia simplesmente a esse terminal a.