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Capítulo 2 Os adjetivos modais

2.5 A interpretação média

A questão da leitura média dos adjetivos modais está correlacionada tanto ao tópico tratado na seção anterior, sobre a passiva, quanto aos tópicos das seções subsequentes, sobre genericidade e modalidade.44 Reconhecida em trabalhos prévios, a semelhança entre os adjetivos modais e

44A Professora Teresa Wachovicz (c.p.) ressalta a aproximação dos adjetivos modais com as construções médias

as médias é destacada por Oltra-Massuet (2014, p. 134), que observa que ambos “expressam alguma modalidade, são genéricos disposicionais, não-eventivos e relacionados à passiva”.45

Desde Keyser e Roeper (1984), as médias são associadas à ideia de não eventividade e à noção de genericidade (i.e., à expressão de eventos não específicos).46 Segundo Condoravdi

(1989, p. 17), as médias são genéricas e expressam generalizações não acidentais decorrentes de “características inerentes da entidade denotada pelo NP sujeito.”47 O caráter modal das

médias também é destacado em diversos trabalhos (Massam, 1989; Iwata, 1999). Iwata (1999, p. 528) observa que as médias tipicamente envolvem a noção modal de possibilidade. Por exemplo, “a louça quebra fácil” pode ser parafraseada “a louça pode ser facilmente quebrada” (exemplo nosso). Quanto à proximidade entre médias e passivas, Lekakou (2005, p. 10) destaca que:

De um ponto de vista puramente descritivo, construções médias são sentenças genéricas sobre o objeto. Elas exibem o que seria o argumento interno, o Paciente/Tema, na posição sintática de sujeito. Adicionalmente, o que seria o argumento externo, o Agente, é demovido a um argumento implícito, ou seja, é sintaticamente suprimido. Essas propriedades das médias são compartilhadas pelas passivas, um fato que levou diversos autores a propor que ambas as estruturas são derivadas da mesma maneira.48

A autora, que estudou extensivamente as médias de uma perspectiva translinguística, observa que “as médias não existem como uma construção sintática”; para ela, estas refletiriam “mecanismos independentemente existentes, que expressam a interpretação média” (Lekakou, 2005, p. 51).49 A autora atesta, com base em dados de diversas línguas, que não é possível

45“(...) they express some modality, they are dispositional generics, they are non-eventive, and they are related

to passive.”

46Mas veja Iwata (1999, p. 530) para uma discussão e para exemplos de médias que apresentam interpretação

não-genérica.

47[“[The regularity expressed by the middle is] a non-accidental one and it is due to some inherent characteristic

properties of the entity denoted by the subject NP.”]

48“On a purely descriptive level, personal middle constructions are generic sentences about the understood

object. They feature an otherwise internal argument, the Patient/Theme, in syntactic subject position. Additionally, the otherwise external argument, the Agent, is demoted to an implicit argument, in other words it is syntactically suppressed. These properties of middles are shared by passives, a fact which led a number of authors to claim that the two structures are derived in the same way.”

49“(...) middle does not exist as a syntactic construction”; “(...) independently existing mechanisms which

estabelecer uma noção sintática uniforme e coerente para definir as médias. Lekakou (2005) mostra, por exemplo, que no inglês, no alemão e no holandês, o agente implícito das médias é sintaticamente inerte. Já no francês e no grego, este é sintaticamente ativo, podendo ser realizado por uma by-phrase.

A seguir, introduzimos um exemplo da autora, que mostra que by-phrases são possíveis com as médias no francês, “contanto que asseguremos que o DP dentro do PP seja do tipo certo” (Lekakou, 2005, p. 28):50

(21) Ces

EstesétoffestecidosseREFL

repassent

passar facilementfacilmenteparportout le mondetodo o mundo Esses tecidos podem ser facilmente passados por todo mundo

O DP “do tipo certo” a que se refere Lekakou (2005) é um DP não específico, similar àquele que se combina aos adjetivos modais aludidos na seção anterior. Desse modo, no que diz respeito ao licenciamento de by-phrases, tanto médias quanto adjetivos modais parecem impor uma restrição de genericidade (essa questão é retomada no Capítulo 5). Evidentemente, esta pode ser mais ou menos severa.

Em geral, by-phrases não são permitidas com as médias no PB, como ilustrado a seguir com um exemplo de Silva (2011, p. 68):

(22) Essa porta abre facilmente (*pelo João).

A questão é se essa sentença se tornaria mais aceitável com uma by-phrase não específica, seguindo a observação anterior de Lekakou (2005), como exemplificado em (23) — que reflete o meu julgamento.

(23) Essa porta abre facilmente (??por qualquer pessoa).

Silva (2011, p. 68) retoma um dado de Cambrussi (2007), reproduzido em (24), que mostraria que by-phrases em português são permitidas se tiverem interpretação de causa.51

50“(...) [it is not impossible for middles to license a by-phrase], as long as we ensure that the DP within the PP

is of the right type.”

(24) Esse edredon lava fácil pela ação do novo jato d’água.

Como observado no início deste capítulo, adjetivos modais, do ponto de vista de sua interpretação semântica, estão mais próximos das médias e das sentenças genéricas do que das passivas, visto que expressam uma propriedade geral. Além disso, no que diz respeito ao licenciamento de by-phrases, os adjetivos modais impõem algumas restrições, aludidas na seção 2.4 (i.e., adjetivos modais apresentam preferências por by-phrases não específicas, como notado por Chapin (1967) “por todo mundo”, “por qualquer um” etc.), ao contrário das passivas. Essas restrições, contudo, não são tão severas quanto as restrições que as médias impõem às by-phrases, embora pareçam ser de natureza similar (i.e., estariam relacionadas à noção de genericidade, como mostrado no exemplo (21)).

Para concluir, buscamos isolar as propriedades que os adjetivos modais compartilham com as médias, tendo em vista o seu aspecto caracterizador/genérico (i.e., “esse vaso quebra fácil”, “esse vaso é quebrável”). Essa questão é desenvolvida subsequentemente no Capítulo 5. Discutimos as implicações da definição de passiva de Bruening (2013), que adotamos neste trabalho, para estruturas como as médias, também investigadas por esse autor, e mostramos em que medida os adjetivos modais e as médias têm aspectos comuns.