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Nota sobre os predicados subjetivos

Capítulo 3 A arquitetura da gramática

4.7 A interpretação semântica dos adjetivos modais

4.7.4 Nota sobre os predicados subjetivos

Ao longo deste trabalho, denominamos adjetivos como adorável, admirável, amável, deplorável, invejável e odiável subjetivos. Como o objetivo deste capítulo é analisar as propriedades semânticas dos adjetivos modais, nesta subseção, introduzimos algumas considerações sobre a discussão de predicados subjetivos, de maneira geral. Nosso objetivo é o de ampliar a caracterização dessa classe de adjetivos, justificar a terminologia utilizada e fortalecer algumas intuições, importantes para complementar as ideias desenvolvidas no capítulo subsequente.77

Predicados subjetivos ou de gosto pessoal são aqueles cujo valor de verdade é relativizado a um indivíduo, denominado juiz (Lasersohn, 2005). Segundo o autor “[o] ‘juiz’ de um contexto será o indivíduo do qual depende o valor de verdade de uma sentença que contém um predicado de gosto pessoal” (Lasersohn, 2005, p. 665).78 Predicados subjetivos ou de gosto pessoal

incluem bonito, divertido, gostoso, legal, agradável, entre outros, que se opõem a predicados não subjetivos, como vegetariano, triangular ou brasileiro. O que um indivíduo julga ser bonito, divertido ou legal pode ser considerado exatamente o oposto por outro indivíduo. Ambos, contudo, estariam “certos”, uma vez que o valor de verdade do predicado é relativizado ao indivíduo em questão. Dessa forma, há espaço para discordância e diferentes julgamentos.

O juiz de predicados subjetivos pode ser explicitado, como ilustrado a seguir. (67) Fazer linguística é divertido pra mim.

77Agradeço imensamente ao Professor Chris Kennedy e à Tamara Vardomskaya por discutirem predicados

subjetivos comigo, particularmente os testes para acessar subjetividade.

78“The judge of a context will be the individual on which the truth value of sentences containing predicates of

(68) Para o Rafael, Sofia Loren é a atriz mais bonita de todos os tempos.

Predicados não subjetivos não apresentam esse padrão, ou seja, não dependem do que se denomina parâmetro do juiz. Uma comida é ou não vegetariana, um objeto é ou não é triangular, e uma pessoa é ou não é brasileira. Nesse caso, não há espaço para discordância, como mostra a comparação entre os exemplos seguintes.

(69) a. Para a Paula, essa comida é gostosa.

b. #Para a Paula, essa comida é vegetariana.79

A seguir, aplicamos dois testes simples para diagnosticar a subjetividade (Kennedy, 2013) aos adjetivos modais. O primeiro é o teste da “discordância perfeita” (faultless disagreement), ilustrado a seguir.

(70) a. BETE: O novo espaço do Lefog é muito agradável!

b. PAULA: Não, não é.

(71) a. BRUNO: Pode escrever com pincel nesse quadro, ele é lavável!

b. MOACIR: Não, não é.

Em (70), existe a possibilidade da chamada discordância perfeita, ou seja, não é possível determinar quem está certa, Bete ou Paula. O valor de verdade do predicado agradável depende do parâmetro do juiz. Nesse caso, temos um predicado de gosto pessoal.80 Já em (71), não

há possibilidade da discordância perfeita, e um dos falantes está certo. As propriedades que determinam se o quadro é lavável ou não são objetivamente avaliadas. Um teste simples poderia determinar quem está certo, Bruno ou Moacir.

O segundo diagnóstico de subjetividade é o da complementação com o verbo de atitude achar, exemplificado a seguir.

79‘#’ indica a disponibilidade de uma leitura não relevante para a discussão.

80Há uma rica discussão a respeito da natureza dessa discordância. Remeto o leitor a Kennedy (2013) para duas

visões. Grosso modo, na primeira visão, entre as coisas que são consideradas divertidas, indivíduos discordariam quanto a quais elementos devem fazer parte desse conjunto. Na segunda, os indivíduos discordariam da própria

(72) a. João Carlos acha/achou a atitude do irmão louvável. b. Vinícius acha/achou a postura do chefe deplorável. c. #Arion acha/achou o contrato de aluguel renovável. d. #Wagner acha/achou o número divisível.

Em (72a) e (72b), os adjetivos modais subjetivos são aceitáveis como complemento do verbo de atitude proposicional achar, que diagnosticaria a presença do juiz ou experienciador, o indivíduo que avalia certas propriedades da atitude do irmão e da postura do chefe. Ao contrário, em (72c) e (72d), os adjetivos modais de possibilidade não são aceitáveis no mesmo contexto. Isso se deve ao fato de que os predicados renovável e divisível não possuem um parâmetro de juiz.

Com esses dois diagnósticos simples, mostramos que adjetivos modais como agradável, louvável e deplorável passam nos testes de subjetividade. O objetivo dessa constatação é demonstrar que o indivíduo juiz ou experienciador tem um papel importante na interpretação dos adjetivos modais, uma vez que influenciaria um dos seus parâmetros. Na subseção 4.7.2, estabelecemos que a base modal de adjetivos disposicionais é relativizada a determinadas propriedades. Assim, que essas propriedades podem ser subjetivamente apreendidas, ou seja, podem depender do parâmetro do juiz, no caso dessa subclasse de adjetivos modais.

4.8 Conclusão

Este capítulo examinou as principais propriedades semânticas dos adjetivos modais, com o objetivo de (i) determinar qual é o domínio de modalidade expresso por -vel e (ii) explicar a variabilidade semântica dos adjetivos formados por esse sufixo. Partimos da distinção entre duas grandes subclasses de adjetivos modais, os adjetivos de possibilidade e os subjetivos. Tendo em vista a relevância da modalidade na caracterização contrastiva desses adjetivos, investigamos em mais detalhe essa categoria. Adotamos como referência a teoria da modalidade de Kratzer (1977, 1981, 1991), baseada na semântica de mundos possíveis, segundo a qual a interpretação de expressões modais depende essencialmente de três componentes: (i) a força

modal ou quantificacional; (ii) o sabor modal, que é determinado pela interação entre (a) a base modal e (b) a fonte de ordenação; e (iii) o complemento do modal.

No que diz respeito ao domínio de modalidade expresso por -vel, situamos o estudo dos adjetivos modais no âmbito da modalidade dinâmica (Von Wright, 1951), que abrange o estudo dos predicados de habilidade e dos predicados disposicionais. Discutimos aspectos importantes de análises prévias sobre predicados desse tipo (Brennan, 1993; Hackl, 1998; Giannakidou e Staraki, 2013), os quais substanciaram a nossa análise. Particularmente, caracterizamos -vel como um sufixo de caráter disposicional.

Quanto à variabilidade semântica exibida por esses adjetivos, atribuímos a presença ou ausência da interpretação de possibilidade à interação do sufixo com a sua base. Propomos que -vel tem força quantificacional quasi-universal, uma base modal composta de propriedades e uma fonte de ordenação, em geral, estereotípica.

Finalmente, mostramos que diferentes propriedades serão mais ou menos relevantes, a depender da disposição em questão. Algumas propriedades são a pré-condição para um estado, e a leitura de possibilidade estaria presente, outras são uma condição suficiente para um estado, e a leitura de possibilidade estaria ausente ou amenizada. Discutimos, ainda, a questão do juiz, indivíduo ao qual predicados subjetivos ou de gosto pessoal são relativizados, associando a sua presença à possibilidade de uma leitura subjetiva ou avaliativa dos adjetivos modais.