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Capítulo 2 Os adjetivos modais

2.4 A relação com a passiva

Grande parte das análises propostas para os adjetivos modais aborda a relação entre essas formações e a passiva. Evidentemente, essa relação é captada a partir de diferentes perspectivas teóricas. Chapin (1967, p. 65) observa diversos fatos apontados na literatura que “sugerem fortemente o envolvimento da transformação passiva na derivação de adjetivos em -able”.37

Entre eles, por exemplo, o fato de que “o sujeito de um adjetivo em -able é selecionalmente restrito ao objeto do seu verbo base” (Chapin, 1967, p. 65).38 Como discutido anteriormente,

Wasow (1977) postula uma regra lexical passiva para derivar adjetivos desse tipo no inglês. Kayne (1984, p. 140), que também associa esses adjetivos à passiva, discute o seguinte exemplo, atribuído a McCawley (1975):

(16) This

Estebooklivro isserreadableler + -velbyporaum10-year old10 anos

Este livro pode ser lido por alguém com 10 anos de idade

36’“A VERBable NOUN is a NOUN which can be VERBed”

37“(...) suggest strongly the involvement of the passive transformation in the derivation of adjectives in -able.” 38“(...) the subject of an -able adjective is selectionally restricted as the object of its stem verb”.

Segundo Kayne (1984, p. 141), “a interpretação dessa construção é a de que ela é comparável à passiva, no sentido de que contém um vestígio”, como mostrado a seguir.39

(17) This booki is readable [NPi e] by a 10-year old.

O autor destaca que uma análise sintática desse tipo não pode ser mantida para todos os adjetivos, uma vez que não se aplica a certos casos que envolvem preposições, como ilustrado a seguir (Kayne, 1984, p. 141):

(18) Mary

Mariaisserreliabledepender + -vel(cf.(cf. ‘rely‘dependeron’)de’) Maria é confiável

Fundamentalmente, Kayne (1984, p. 141) mostra que exemplos como este são incompatíveis com by-phrases, como ilustrado a seguir:40

(19) * Mary is reliable by a 10-year old.

Com base nesses dados, o autor conclui que:

formas em -able têm dois tipos de derivação. Uma envolve uma representação em LF com um vestígio, é compatível com uma ‘by’-phrase, e muitas vezes tem um caráter coloquial. Outra envolve um grau mais alto de lexicalização [...], a preposição do verbo em questão é descartada, a ‘by’-phrase é impossível e não há um caráter coloquial.41

Quanto à possibilidade de dois tipos de derivação para esses adjetivos, Oltra-Massuet (2014) propõe que uma subclasse de adjetivos modais em -ble possui um componente passivo em sua estrutura interna, vpass. Para recapitular a breve exposição da sua análise feita no

Capítulo 1, a autora explora as diferentes alturas de concatenação do sufixo (i.e., alta ou baixa).

39“Our interpretation of this construction is that it is comparable to the passive, in that it contais a trace: ‘This

bookiis readable [NPie] by a 10-year old’.”

40Exemplos adicionais são retomados no Capítulo 5.

41“(...) -able forms [(and the corresponding derived nominals)] enter into two different types of derivation.

One involves a representation in LF with a trace, is compatible with a ‘by’-phrase, and often has a colloquial flavor. Another involves a higher degree of lexicalization: (...) the preposition of the associated verb is dropped, a ‘by’-phrase is impossible, and there is no colloquial flavor”. Não exploramos em nossa discussão em que sentido Kayne (1984) entende o suposto sentido (não) coloquial desses adjetivos.

Desse modo, adjetivos do tipo high -ble possuiriam esse componente passivo em sua estrutura interna, ao contrário de adjetivos do tipo low -ble, que envolveriam a derivação de raiz.

Nos Capítulos 3 e 5, retomamos os detalhes dessa análise e discutimos algumas discrepân- cias semânticas observadas para essa classe de adjetivos (i.e., casos em que a estrutura high e low -ble não coincide com o tipo de modalidade esperada). Discutimos, ainda, alguns testes que representam contraexemplos à ideia de afixação alta ou baixa (e.g., casos em que by-phrases e modificação adverbial são possíveis com estruturas do tipo low -ble, que supostamente não teriam capacidade para tal).

No que diz respeito à questão mais geral da formação de palavras e de como a gramática deriva os adjetivos modais, propomos que estes são uniformemente derivados a partir de uma operação passiva. Assim, não estabelecemos distinções entre diferentes tipos de regras que geram esses adjetivos, como Wasow (1977), ou entre diferentes alturas de concatenação do sufixo em uma hierarquia funcional. Nesta tese, adotamos a definição de passiva proposta por Bruening (2013, p. 35):

(20) A passiva é uma operação morfossintática que impede a realização do argumento externo como um argumento.42

De acordo com o autor, “a passiva é um núcleo (Pass) que seleciona uma projeção de Voz que ainda não projetou o seu argumento externo” (Bruening, 2013, p. 22).43 Assim, do

ponto de vista sintático, propomos que o sufixo -vel é um núcleo adjetival de natureza modal que se comporta de maneira análoga a Pass. Com isso, em nossa análise, o sufixo apresenta sempre a mesma “altura” de concatenação, tendo como alvo uma projeção não saturada de Voz (Iniciação). As diferentes estruturas que o sufixo toma como complemento, contudo, não são idênticas e apresentam maior ou menor complexidade interna (i.e., podem ser formadas por subeventos), com base na arquitetura proposta por Ramchand (2008a). Ao propor que a derivação desses adjetivos envolve a modalização de diferentes estruturas de natureza verbal,

42“The passive is a morphosyntactic operation that prevents the realization of the external argument as an

a partir de uma operação passiva, exploramos as diferentes estruturas previstas na sintaxe de primeira fase e a hipótese de que a interpretação modal de adjetivos de possibilidade (e.g., quebrável) e adjetivos subjetivos (e.g., amável) envolve a relativização de propriedades de entidades que ocupam posições hierárquicas distintas. De maneira concreta, associamos a interpretação de possibilidade à presença de um subevento que codifica um resultado (i.e., que possui uma posição de especificador para o argumento resultee), e a interpretação subjetiva à presença de um complemento remático, que serve como a descrição de um estado.

Em suma, no âmbito dessa discussão, retomamos uma das nossas questões norteadoras, introduzida no Capítulo 1, intimamente relacionada ao caráter passivo desses adjetivos, que diz respeito a quando by-phrases são possíveis com adjetivos modais em -vel. Tanto Kayne (1984, p. 140) quanto Chapin (1967, p. 69) já haviam notado que se trata de uma questão importante e interessante. Especificamente, Chapin (1967, p. 70) mostra que by-phrases são possíveis caso introduzam um argumento implícito do tipo por qualquer um ou por qualquer NP (i.e., by-phrases genéricas). Essa questão também é explorada por Di Sciullo (1995) e Oltra-Massuet (2010, 2015). No Capítulo 5, investigamos essa generalização, estabelecida em propostas anteriores (Chapin, 1967; Di Sciullo, 1995; Oltra-Massuet, 2010, 2014), e trazemos à discussão novos dados do português. Apresentamos evidências do PB que mostram que by-phrases são possíveis com ambas as subclasses de adjetivos, de possibilidade e subjetivos, embora sejam severamente restritas com adjetivos do segundo tipo. Investigamos em que medida essa restrição estaria correlacionada a propriedades importantes que esses adjetivos compartilham com as médias, as sentenças genéricas e os predicados disposicionais.