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Os adjetivos em ble (Oltra-Massuet 2010, 2014)

Capítulo 3 A arquitetura da gramática

3.3 Diferentes estruturas: alturas de concatenação

3.3.2 Os adjetivos em ble (Oltra-Massuet 2010, 2014)

Oltra-Massuet (2010, 2014) subdivide os adjetivos em -ble em duas grandes classes, (i) high -ble e (ii) low -ble, com base em argumentos de natureza semântica, sintática e morfológica. A título de revisão, repetimos a seguir os exemplos de Wasow (1977), propostos para ilustrar sua tese de que os adjetivos em -able no inglês não são uniformemente associados a uma contraparte passiva (i.e., uma transformação passiva) — o que levou esse autor a propor que esses adjetivos são derivados de uma regra lexical (passiva).32

(21) X His handwriting can be read/XHis handwriting is readable Sua letra pode ser lida Sua letra é legível (ler + -vel)

(22) ?The condition of the library can be deplored/XThe condition of the library is deplorable A condição da biblioteca pode ser deplorada A condição da biblioteca é deplorável Na proposta de Oltra-Massuet (2010, 2014), essas generalizações são captadas da seguinte maneira: adjetivos do tipo high -ble, como em (22), são deverbais e possuem em sua estrutura interna um componente passivo (vpass) e um modal (Mod); já adjetivos do tipo low -ble, como

em (23), são derivados de raiz e não possuem uma etapa verbal em sua estrutura interna, mas, sim, o componente modal (Mod) (ver Oltra-Massuet, 2014, p. 26). Com base na proposta de Embick (2004), Oltra-Massuet (2014, p. 150) analisa um adjetivo como readable como uma “estrutura resultativa modalizada”, e um adjetivo como deplorable simplesmente como um “adjetivo modalizado”.33

Segundo a autora (Oltra-Massuet, 2014, p. 78), o sufixo -ble impõe dois requistos à sua base: (i) a presença de um argumento interno (ou locativo); e (ii) (pelo menos a implicação de) um originador, entendido como agente, causa, experienciador ou força natural, que deve estar sintaticamente, lexicalmente ou conceitualmente disponível.34 Portanto, o sufixo -ble

32Oltra-Massuet (2010, 2014) não parte da análise de Wasow (1977) em seu trabalho. Essa comparação é

estabelecida nesta subseção pois tomo o trabalho desse autor como ponto de partida da discussão.

33“ (...) modalized resultative structure”; “ (...) modalized adjective”.

34O argumento locativo, segundo a autora, é necessário para dar conta de casos como navegável, que exigem a

pode se combinar a diferentes estruturas, desde que estas preencham seus requisitos. Na classe high -ble, o sufixo se combina acima do núcleo verbalizador, e na classe low -ble, a uma raiz (estativizada por Asps, mas não categorizada). Essas duas classes estão correlacionadas

à distinção entre formações deverbais e de raiz, de forma análoga ao que Embick (2004) propõe para as passivas resultativas e estativas (v. também (18)). As estruturas propostas para representar essas classes estão exemplificadas em (23).35

(23) a. HIGH-ble b. LOW-ble

aP a ModP Mod ⇧ Rc AspP AspR vP vpass pROOT p ROOT DP aP a ModP Mod ⇧ Rc AspP Asps pROOT p ROOT DP

A seguir, em (24), focamos unicamente na estrutura do sufixo -ble, compartilhada pelas duas classes de adjetivos. (24) ESTRUTURA DE -ble aP a -ble ModP Mod ⇧ Rc AspP ...

Segundo Oltra-Massuet (2014, p. 26), -ble é inserido em um núcleo adjetival, a, que mantém uma relação de c-comando com um núcleo modal, Mod. Para a autora (Oltra-Massuet, 2014, p. 117), -ble expressa uma relação modal de possibilidade, representada por ⇧ (diamond), restrita por uma base modal circunstancial do tipo “em vista de propriedades do argumento externo do adjetivo”,36 representada pelo restritor circunstancial R

c, estrutura que a autora

adapta de Hackl (1998).37

A variação na interpretação semântica desses adjetivos depende de o operador modal estar combinado a uma estrutura verbal, como em (23a), em que está presente um v com sabor passivo e um núcleo aspectual resultativo, AspR; ou a uma raiz, como em (23b), estativizada

por Asps. Segundo Oltra-Massuet (2014, p. 150), adjetivos do tipo high -ble, que recebem uma

interpretação de possibilidade, “apresentam propriedades mistas das duas estruturas participiais eventivas de Embick (2003, 2004), uma vez que estes são resultativos e apresentam traços passivos verbais relacionados ao agente”.38 Adjetivos do tipo low -ble, por sua vez, têm

significado não é estritamente composicional. Para a autora,“boa parte dos casos que expressam o que se chama de modalidade avaliativa ou de necessidade se deve ao fato de que ModP se combina com complexos do tipo p-Asps, ainda não categorizados, de modo que o significado

pode aparecer como não estritamente composicional” (Oltra-Massuet, 2014, p. 154).39

Os testes usados para motivar essas estruturas são os testes familiares na literatura — (im)possibilidade de modificação adverbial, de expressar o argumento externo por meio de uma

36“In view of certain properties of the external argument of the adjective.”

37Na teoria da modalidade de Kratzer (1981, 1991), a base modal é um dos fundos conversacionais que

determina o sabor de uma expressão modal. A questão da modalidade, crucial para entender esses adjetivos, é discutida no Capítulo 4. O que introduzimos sobre a modalidade de -vel no Capítulo 2 (a ser desenvolvido adiante), ainda que não explore a ideia de uma base modal circunstancial, é compatível com o que a autora propõe para -ble em termos de “propriedades (do argumento externo do adjetivo)”.

38“[In a sense, then, high -ble adjectives] show mixed properties of the two eventive participial structures

in Embick (2003, 2004), as they are resultative and show agent-related verbal passive features.” Observação importante: assumo que a autora tenha se referido a “duas estruturas participiais eventivas” em referência à passiva verbal (claramente eventiva) e ao fato de que a passiva adjetiva resultativa denota um estado resultante de um evento prévio. Cabe ressaltar, contudo, que a passiva adjetiva resultativa é estativa na análise de Embick, não eventiva.

39“(...) that most cases express what has been called an evaluative or necessity modality is due to the fact that

ModP combines with still uncategorized complexes of p-Asps, so that the meaning may appear as non-strictly

by-phrase, entre outros. Como observado na subseção anterior, esses testes são comumente usados para diagnosticar a complexidade interna de palavras e mostrar se determinada formação possui em sua estrutura interna um núcleo verbal ou Voz. A seguir, apresentamos algumas evidências providas pela autora que justificam postular as classes high -ble e low -ble. Quanto a evidências morfológicas e semânticas, a autora propõe que adjetivos derivados de raízes, como perceptible (pPERCEPT), têm significado idiossincrático. Já adjetivos deverbais, como

perceivable (perceive ‘perceber’), apresentam significado composicional, como mostram os exemplos seguintes, do inglês (Oltra- Massuet, 2014, p. 31).

(25) a. perceptible/perceptível: ‘significativo’ LOW-BLE

b. perceivable/percebível: ‘capaz de ser percebido’ HIGH-BLE

Quanto a evidências sintáticas, Oltra-Massuet (2014, p. 57) mostra em (26a), para o espanhol, e em (26b), para o catalão, que as duas classes de adjetivos exibem capacidade distinta de combinação com modificadores adverbiais.40

(26) a. *un sonido perceptible durante una hora LOW-BLE

un som perceptível durante uma hora

b. un llibre traduïble en una setmana HIGH-BLE

um livro traduzível em uma semana

Quanto à evidência da presença de um argumento externo implícito, Oltra-Massuet (2014, p. 74-108) mostra que essas classes também se subdividem, de acordo com a (im)possibilidade de ocorrer com by-phrases, como ilustrado a seguir com exemplos do catalão.41

(27) a. *L‘atac és deplorable per el govern/la Maria LOW-BLE

O ataque é deplorável pelo governo/pela Maria

40A escolha do modificador temporal “durante uma hora” em (??) e (??) talvez não seja um bom teste. A forma

deverbal do adjetivo é igualmente ruim no meu julgamento “*percebível durante uma hora” ou mesmo a forma verbal “*percebi o som durante uma hora”, uma vez que se trata de uma eventualidade momentânea, nos termos de Bach (1986, p. 6), o que enfraquece esse teste. Essa questão é retomada no Capítulo 5.

41A autora observa que esses adjetivos só aceitam by-phrases genéricas. A questão da interpretação

necessariamente genérica de by-phrases, observada pela primeira vez por Chapin (1967), é retomada adiante. Heloisa Salles (c.p.) questiona se by-phrases não seriam possíveis com a classe low -ble, como em “Esse caso é deplorável por qualquer um que tenha um pouco de sensibilidade”. Essa questão é retomada no Capítulo 5.

b. Aquesta afirmació és justificable per qualsevo HIGH-BLE

Esta afirmação é justificável por qualquer um

Quanto à interpretação semântica, Oltra-Massuet (2014, p. 148-150) propõe que a classe de adjetivos do tipo high -ble sempre expressa possibilidade (e.g., traduzível, justificável). Esses adjetivos correspondem ao que a autora denomina estrutura resultativa modalizada. Já a classe de adjetivos do tipo low -ble é idiossincrática e, segundo a autora, pode expressar necessidade, possibilidade ou nenhum tipo de modalidade (e.g, perceptível, deplorável).42

Nesse caso, o que se tem é o que a autora denomina simplesmente um adjetivo modalizado. Essa proposta é resumida a seguir.

(28) PROPOSTA DE OLTRA-MASSUET(2014)

Há dois tipos de adjetivos em -ble, estruturalmente distintos, derivados sintaticamente: (I)HIGH-ble: [aP a [ModP [Mod⇧ Rc] [AspPAspR[vPvpass[pROOT

p

ROOTDP ] ] ] ] ]

(II)LOW-ble: [aPa [ModP [Mod⇧ Rc ] [AspPAsps[pROOT

p

ROOTDP ] ] ] ]