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A Instrução Normativa n. 39 do Tribunal Superior do Trabalho

4 A NEGOCIAÇÃO PROCESSUAL SOB A ÓTICA DO PROCESSO DO TRABALHO

4.2 A Instrução Normativa n. 39 do Tribunal Superior do Trabalho

A Instrução Normativa n. 39/2016 foi publicada através da Resolução n. 203/2016 emitida pelo Pleno do Tribunal Superior do Trabalho. O instrumento normativo faz uma interpretação incidente sobre o CPC/2015 antes da sua entrada em vigor em uma tentativa de acalmar os ânimos da comunidade jurídica, visando à segurança jurídica e à compatibilidade ou não com a aplicação ao processo do trabalho. Assim, o instrumento está dividido em artigos que retratam as normas aplicáveis (arts. 3º e 10), as não aplicáveis (arts. 2º, 5º e 11) e as aplicáveis com ressalvas (arts. 4º, 6º e 15).

227 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 224.

228 DEMARCHI, Clovis; FERNANDES, Fernanda Sell de Souto Goulart. Teoria dos limites dos limites: análise da limitação à restrição dos direitos fundamentais no direito brasileiro. In: Revista Brasileira de Direitos e Garantias Fundamentais, Minas Gerais, v. 1, n. 2, p. 73-89, jul.-dez. 2015, p. 85. Disponível em:

http://dx.doi.org/10.26668/IndexLawJournals/2526-0111/2015.v1i1.738. Acesso em: 10 ago. 2022, p. 85.

A natureza jurídica da Instrução Normativa, segundo uma concepção administrativista, consubstancia uma espécie do gênero ato administrativo classificado segundo a forma de sua exteriorização. Como exemplo, há quem entenda que as Instruções Normativas são espécies de

“regulamentos” emitidos pelos Tribunais visando ao objetivo exclusivo de clarificar as normas do ordenamento229.

Ao se analisar a IN n. 39/2016 do TST, conforme se verifica na sua exposição de motivos, aparentemente o objetivo visado vai além de aconselhar ou clarificar, impondo um verdadeiro posicionamento do Tribunal Superior do Trabalho. Assim, através desse ato administrativo, o TST entendeu que a norma instituída pelo art. 15 do CPC/2015 não possibilita a transposição de qualquer instituto do processo civil para o processo do trabalho ante a mera omissão, já que isso poderia representar uma desconfiguração do conjunto principiológico e axiológico da seara processual trabalhista230.

Nesse sentido, incidem duras críticas à IN 39/2016 do TST já que, apesar das considerações iniciais objetivarem a celeridade e a segurança jurídica, há quem entenda que a normativa acabou extrapolando sua intenção, desvirtuando seu caminho e caracterizando um verdadeiro ativismo judicial já que a interpretação da própria instrução tem um viés de supremacia sobre os entendimentos dos outros Poderes, ignorando o disposto e aprovado pelo Poder Legislativo231.

Assim sendo, a IN 39/2016 padece de vícios diversos. Embora a intensão (sic) na formulação do referido normativo tenha sido no sentido da salvaguarda de direitos, o Egrégio Tribunal utilizou meios normativos e impositivos que não lhe cabe. Observa-se que a possível vulnerabilidade e os princípios protetivos que regem o direito processual do trabalho acabaram sendo utilizados como parâmetro, ainda que de forma errônea, encorajaram o TST a manifestar-se naquele sentido. Data venia, tal postura não prospera, pois utiliza-se de balizas irreais e ainda sem debate para determinar a não aplicabilidade do instituto ao processo do trabalho232.

229 SANTOS, Tainá Angeiras Gomes dos Santos. Da força legal das instruções normativas do Tribunal Superior do Trabalho: uma análise acerca da (in)constitucionalidade da IN 39/2016 – entre erros e acertos. Revista Âmbito Jurídico n.151, ano XIX, ago. 2016. Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-151/da-forca- legal-das-instrucoes-normativas-do-tribunal-superior-do-trabalho-uma-analise-acerca-da-in-constitucionalidade-da-in-39-2016-entre-erros-e-acertos/. Acesso em: 30 ago. 2021.

230 SOUZA JUNIOR, Lasaro Farias de. Negócios processuais atípicos: compatibilidade judicial no processo trabalhista. 2020. Dissertação (Mestrado em Direito Constitucional). Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), Brasília, 2020, p. 68-69. Disponível em:

https://repositorio.idp.edu.br//handle/123456789/2896. Acesso em: 10 ago. 2022.

231 TORRES, Márcio Roberto; MALTA, Nigel Steawart Neves Patriota. A inconsistência da negação à negociação processual na justiça do trabalho. In: ISAIA, Cristiano Becker; MORAES, Daniela Marques de; BELLINETTI, Luiz Fernando (coord.). Processo, jurisdição e efetividade da justiça I [Recurso eletrônico online]. CONPEDI, fls. 266-286. Florianópolis: CONPEDI, 2017. p. 276-277. Disponível em:

http://site.conpedi.org.br/publicacoes/roj0xn13/f1iv6jxw/nB0PcDy85V50H99A.pdf. Acesso em: 10 ago. 2022.

232 SOUZA JUNIOR, Lasaro Farias de. Negócios processuais atípicos: compatibilidade judicial no processo trabalhista. 2020. Dissertação (Mestrado em Direito Constitucional). Instituto Brasileiro de Ensino,

Assim, foi vedada através do art. 2º, II, da IN 39 a aplicação do parágrafo único do art.

190 do CPC/2015 no processo do trabalho, ou seja, a negociação processual atípica.

Primeiramente, esclarece-se que a vedação expressa consta somente da negociação atípica, ou seja, não é possível dizer que a negociação típica também é vedada por esta previsão na IN 39/2016.

Além disso, a inaplicabilidade, diante da ausência de justificativas, aparentemente reside na hipossuficiência, pois a IN 39/2016 do TST parte do pressuposto de que não seria recomendável deixar à escolha das partes, naturalmente desiguais, a livre estipulação sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres233.

Não é possível, entretanto, que seja totalmente incompatível com o processo do trabalho, já que a negociação processual mais benéfica à parte obreira é algo plausível e viável em determinadas situações. Além disso, há casos em que a desigualdade não está presente, a exemplo das ações ajuizadas por sindicatos em face de empresas ou aquelas ajuizadas pelo próprio Ministério Público do Trabalho234.

Inclusive, pouco tempo depois da publicação da IN 39, o TST regulamentou a mediação pelo Ato 168/TST.G, uma tentativa de acordo antes do dissídio coletivo ser ajuizado, ou seja, uma espécie de negociação processual atípica, observando o art. 764 da CLT (valorização da conciliação) e a Resolução n. 125 do Conselho Nacional de Justiça235.

Nesse sentido, é possível utilizar os próprios fundamentos de publicação da IN 39 do TST para justificar o negócio processual na Justiça do Trabalho, como é o caso do princípio da celeridade e da efetividade (art. 5º, LXXVIII, CF/1988), ambos resultantes da garantia constitucional à duração razoável do processo. Assim, o negócio processual poderia ser plenamente aplicável ao processo laboral, já que pode gerar às partes um processo mais célere, sob a ótica do princípio da boa-fé e do contraditório, dos fins sociais, das exigências do bem comum e da dignidade da pessoa humana236.

Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), Brasília, 2020. Disponível em:

https://repositorio.idp.edu.br//handle/123456789/2896. Acesso em: 10 ago. 2022, p. 74.

233 COSTA, Rafaella Souza Oliveira. Negócios processuais: aplicação ao processo do trabalho – análise principiológica. Revista Ltr: legislação do trabalho, São Paulo, v. 80, n. 7, p. 838-848, jul. 2016, p. 318.

Disponível em: https://hdl.handle.net/20.500.12178/144261. Acesso em: 10 ago. 2022, p. 845.

234 COSTA, Rafaella Souza Oliveira. Negócios processuais: aplicação ao processo do trabalho – análise principiológica. Revista Ltr: legislação do trabalho, São Paulo, v. 80, n. 7, p. 838-848, jul. 2016, p. 318.

Disponível em: https://hdl.handle.net/20.500.12178/144261. Acesso em: 10 ago. 2022, p. 845.

235 COSTA, Rafaella Souza Oliveira. Negócios processuais: aplicação ao processo do trabalho – análise principiológica. Revista Ltr: legislação do trabalho, São Paulo, v. 80, n. 7, p. 838-848, jul. 2016, p. 318.

Disponível em: https://hdl.handle.net/20.500.12178/144261. Acesso em: 10 ago. 2022, p. 845.

236 FALCE, Lúcio Roberto. O negócio processual: o processo do trabalho e a reforma trabalhista. Revista de Direito do Trabalho, São Paulo, v. 44, n. 194, p. 99-113, out. 2018. Disponível em:

https://hdl.handle.net/20.500.12178/161011. Acesso em: 10 ago. 2022, p. 200.

Dessa forma, a vulnerabilidade das partes não pode ser conferida de forma presumida, mas diante da análise do caso concreto. Por isso, o desequilíbrio não pode ser realizado por ato administrativo, que é tipicamente genérico e abstrato, e que não analisa as peculiaridades do caso concreto, logo, não pode ser considerado um instrumento que indiscutivelmente pode desconsiderar o negócio processual atípico237.

A presunção estabelecida por lei é falha; mas porque também ela assenta numa premissa lógico-jurídica errónea: a apresentação de uma categoria genérica, abstrata e generalizada de trabalhador, com pretensão de abarcar um espectro de empregados que vão desde o operário de fábrica e empregada de limpeza, ao diretor de uma multinacional, a um chefe de restaurante ou maestro de orquestra, a um ilustre jurista e professor renomado entre seus pares na Academia, a um investigador científico, a um jogador profissional de futebol de alta categoria, a um artista de cinema ou apresentador de televisão conhecidos do grande público etc. A presunção legal estabelecida pela IN não tem em conta a existência de diferentes tipos de vulnerabilidade nas relações laborais e, portanto, ao adotar deliberadamente um regime uniforme que submete todos os empregados às mesmas regras (rectius, proibições), frustrando-se ao trabalho de averiguar e examinar os detalhes que os diferenciem, incorre numa prática claramente injusta e atentatória ao postulado de isonomia. Enquanto um alto empregado pode encontrar-se numa situação de vulnerabilidade hierárquica semelhante à de um operário, já não partilha com ele a mesma vulnerabilidade negocial. Da mesma forma, enquanto um empregado que labora em regime de exclusividade pode deter uma posição mais vulnerável do ponto de vista econômico que um trabalhador em tempo parcial, certamente partilharão do mesmo nível de vulnerabilidade hierárquica e social. É aqui que reside um dos principais problemas estruturais do Direito ao Trabalho e Processo do Trabalho: continuar a encarar o princípio da proteção do trabalhador como um fim em si mesmo que o sistema decidiu abraçar, indiscriminadamente, também no palco processual, e não como algo que se justifique apenas quando presentes motivos imperativos238.

Isto posto, a vedação sem parâmetro pode lesar os interesses daqueles considerados genericamente vulneráveis, já que é necessário analisar o caso concreto e não apenas os bens como interesses juridicamente tutelados envolvidos. Assim, o critério meramente formal de vulnerabilidade não deve ser exclusivo, já que a dignidade da pessoa humana pode ser a fonte da interpretação. É vulnerável a pessoa cujo ato possa feri-la, assim, não é possível tutelar somente a projeção formal do sujeito239.

237 SOUZA JUNIOR, Lasaro Farias de. Negócios processuais atípicos: compatibilidade judicial no processo trabalhista. Dissertação (Mestrado em Direito Constitucional). Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), Brasília, 2020. Disponível em: https://repositorio.idp.edu.br//handle/123456789/2896. Acesso em: 10 ago. 2022, p. 75-76.

238 REBELO, Maria Paulo. A admissibilidade de negócios jurídicos processuais no processo do trabalho. Tese (Doutorado em Direito). Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador, 2019, p. 394.

239 FERREIRA, Vanessa Rocha; SANTANA, Agatha Gonçalves. Aplicação dos negócios jurídicos processuais à justiça do trabalho. Revista Direito e Justiça: reflexões sociojurídicas. s/l, v. 19, n. 35, p. 127-151, set. 2019.

Disponível em: https://hdl.handle.net/20.500.12178/144261. Acesso em: 05 jan. 2022, p. 136.

Nessa toada, a negociação processual é algo que confere a quem tem mais conhecimento dos dramas do litígio a possibilidade de um ajuste através de uma forma de democratizar a relação jurídica processual. Não se entende que, através dessa negociação, haja uma diminuição da função do processo, mas que os destinatários da prestação jurisdicional possuem interesse em deliberar sobre o procedimento e estejam mais habilitados que o magistrado para escolher os rumos e as providências do feito240. Tudo isso ressaltado pelo fato de que o parágrafo único é claro em expressar que não basta a vulnerabilidade, ela deve ser manifesta.

É um equívoco, portanto, presumir que a simples condição de vulnerabilidade seja fundamento para negar toda e qualquer negociação processual, até porque nem todo acordo processual é feito para prejudicar o trabalhador, a exemplo do negócio que atribui um foro territorial mais benéfico ao trabalhador241.

Conforme exemplo trazido por Gonçalves242, já foi chancelada cláusula de foro de eleição presente em contrato individual de trabalho que estipulava uma condição mais favorável ao empregado, devendo esta permanecer, conforme se depreende do julgamento do Recurso Ordinário 0100436-52.2016.5.01.0066243.

Assim, por mais que a jurisprudência trabalhista atual interprete a IN 39/2016 como mera recomendação, o fato é que a forma como foi proposta no momento da promulgação calou muitas vozes sobre diversos temas ali propostos já que havia um tom impositivo e de obediência quanto ao que vinha disposto como vedado em prol da segurança jurídica e da celeridade.

240 TORRES, Márcio Roberto; MALTA, Nigel Steawart Neves Patriota. A inconsistência da negação à negociação processual na justiça do trabalho. In: ISAIA, Cristiano Becker; MORAES, Daniela Marques de; BELLINETTI, Luiz Fernando (coord.) Processo, jurisdição e efetividade da justiça I [Recurso eletrônico online]. CONPEDI, fls. 266-286. Florianópolis: CONPEDI, 2017, p. 331. Disponível em:

http://site.conpedi.org.br/publicacoes/roj0xn13/f1iv6jxw/nB0PcDy85V50H99A.pdf. Acesso em: 10 ago. 2022, p.

276-277.

241 FERREIRA, Vanessa Rocha; SANTANA, Agatha Gonçalves. Aplicação dos negócios jurídicos processuais à justiça do trabalho. Revista Direito e Justiça: reflexões sociojurídicas. s/l, v. 19, n. 35, p. 127-151, set. 2019.

Disponível em: https://hdl.handle.net/20.500.12178/144261. Acesso em: 05 jan. 2022, p. 142.

242 GONÇALVES, Igor Sousa. O instituto da negociação processual na justiça do trabalho: compatibilidade, limites e desafios. Revista de Direito do Trabalho, São Paulo, v. 43, n. 183, nov. 2017, p. 219-220. Disponível em: https://hdl.handle.net/20.500.12178/124349. Acesso em: 10 ago. 2022.

243 COMPETÊNCIA EM RAZÃO DO LUGAR. CLÁUSULA DE ELEIÇÃO DE FORO. CLÁUSULA MAIS FAVORÁVEL AO TRABALHADOR. PREVALÊNCIA. A competência territorial na seara trabalhista é determinada pelo local onde o reclamante presta serviços, nos termos do art. 651 da CLT. Mas, se existe cláusula de eleição de foro no contrato, estipulando uma condição mais favorável ao empregado, ela deve prevalecer.

BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho (1ª Região). RO 10100436-52.2016.5.01.0066, Rel. Rildo Albuquerque Mousinho de Brito, Terceira Turma, j. 22-02-2017, DEJT 09-03-2017. Disponível em:

https://bibliotecadigital.trt1.jus.br/jspui/handle/1001/874334?mode=full. Acesso em: 10 ago. 2022.

Por fim, atualmente, a IN 39/2016 encontra-se em confronto com o Ato n. 11/GCGJT que possibilita o negócio processual na seguinte hipótese244:

Artigo 6º. Preservada a possibilidade de as partes requererem a qualquer tempo, em conjunto (art. 190 do CPC), a realização de audiência conciliatória, fica facultado aos juízes de primeiro grau a utilização do rito processual estabelecido no artigo 335 do CPC quanto à apresentação de defesa, inclusive sob pena de revelia, respeitado o início da contagem do prazo em 4 de maio de 2020245.

Diante do relatado, assim como Rebelo246 e Souza Junior247, nos posicionamos contrariamente ao disposto na IN 39/2016 do TST, art. 2º, II, que vedou a aplicação do art. 190, parágrafo único, do CPC/2015 no processo do trabalho, ou seja, o negócio jurídico processual atípico, por se tratar de uma posicionamento genérico que presume a vulnerabilidade do trabalhador sem observar que, além da manifestação da vulnerabilidade estar com a característica de ser manifesta, ou seja, acima de uma mera condição, há situações nas quais o negócio pode gerar benefícios ao ser implementado. É o que ocorre com a facilitação do acesso à justiça a partir do foro de eleição, conforme exemplo acima.