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Convenção processual probatória sobre ônus

5 ANÁLISE DE HIPÓTESES DE NEGOCIAÇÃO PROCESSUAL APLICÁVEIS NA JUSTIÇA DO TRABALHO

5.5 No campo probatório

5.5.1 Convenção processual probatória sobre ônus

A convenção processual probatória está prevista no art. 373, §§ 3º e 4º, do CPC/2015391. Trata-se de negócio jurídico processual típico que possibilita às partes negociarem para uma distribuição diversa do ônus da prova, desde que a situação não gere impossibilidade ou excessiva dificuldade para uma delas, nem recaia sobre direitos indisponíveis.

389 AMBROSIO, Graziella. A distribuição dinâmica do ônus da prova no processo do trabalho. São Paulo:

LTr, 2013, p. 19.

390 PIRES, Libia da Graça. Teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova no processo do trabalho, 2011, 249 f. Tese (Doutorado em Direito do Trabalho). Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2138/tde-04052012-101854/pt-br.php. Acesso em: 23 jan. 2022, p. 63.

391 BRASIL. Código de Processo Civil (2015). Art. 373. § 3º. A distribuição diversa do ônus da prova também pode ocorrer por convenção das partes, salvo quando: I – recair sobre direito indisponível da parte; II – tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito. § 4º. A convenção de que trata o § 3º pode ser celebrada antes ou durante o processo.

A convenção processual sobre prova busca derrogar as regras ordinárias da instrução para estabelecer disposições consensuais, seja para admitir, produzir ou valorar a prova, modular ônus, poderes, faculdades e deveres em relação às provas, podendo, inclusive, disciplinar, criar ou modificar procedimentos, regras, meios, fontes, elementos e argumentos de prova 392.

Nessa vereda, não objetiva fins escusos, mas adequar o procedimento às especificidades do direito material e às peculiaridades das partes no processo, encontrando raízes no princípio do dispositivo do qual decorrem as faculdades quanto à alegação de fato e produção de prova. Assim, o princípio do debate acaba concedendo aos sujeitos o poder de disposição e renúncia, devendo ser observados sob a égide da natureza pública da relação jurídica processual e dos interesses privados393.

Quanto aos requisitos para formalização, Theodoro Júnior394 argumenta que se aproxima de uma convenção sobre foro, ou seja, deve observar as disposições gerais sobre negócios (agentes capazes e legítimos, objeto lícito e forma admitida ou não defesa em lei). A forma é livre diante da ausência de exigência pela lei; além disso, o CPC/2015 autoriza ser antes ou durante o processo, podendo ser convencionado por instrumento público ou particular, por petição conjunta ou mediante termo nos autos. Além disso, diante da restrição do negócio aos direitos disponíveis, segundo o autor, estão excluídos do negócio os litígios que versam sobre direitos de incapazes, pois os representantes legais possuem apenas poder de gestão, ou seja, não podem dispor sobre o patrimônio administrado.

No que tange à sua aplicação na seara trabalhista, a IN n. 39/2016 do TST, em seu art.

2º, VII, vetou expressamente a distribuição diversa do ônus da prova por convenção das partes (art. 373, §§ 3º e 4º, do CPC/2015). Apesar de a Instrução Normativa não apresentar fundamentação quanto à sua inaplicabilidade, a doutrina entende não ser possível transpor essa distribuição para o processo do trabalho diante da vulnerabilidade material e processual do trabalhador:

O principal fundamento para negar a ferramenta processual tem sido, mais uma vez, a alegada vulnerabilidade material e processual do trabalhador que ficará potencialmente sujeito a suportar ônus processuais que não tem como cumprir, assim como a tendencial indisponibilidade dos créditos salariais. Esta

392 RAVAGNANI, Giovani dos Santos. Convenções processuais em matéria probatória no processo civil.

Dissertação (Mestrado em Direito Processual), Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2019.

Disponível em: https://doi.org/10.11606/D.2.2019.tde-03072020-171746. Acesso em: 11 ago. 2022, p. 91.

393 RAVAGNANI, Giovani dos Santos. Convenções processuais em matéria probatória no processo civil.

Dissertação (Mestrado em Direito Processual), Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2019.

Disponível em: https://doi.org/10.11606/D.2.2019.tde-03072020-171746. Acesso em: 11 ago. 2022, p. 88-90.

394 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil, v. I: teoria geral do direito processual civil, processo de conhecimento, procedimento comum. 60. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 1.291-1.292.

vulnerabilidade que seria ainda agravada se se admitisse que estas convenções pudessem inclusivamente ter lugar em momento pré-contratual durante a plena vigência do contrato de emprego, em pleno estado de subordinação.

Argumenta-se ainda que uma convenção como a presente afetaria significativa e intoleravelmente o poder inquisitivo típico do processo trabalhista, além de afetar diretamente a natureza cogente da norma resultante do art. 818 da CLT.

Por outro lado, o fato de no processo do trabalho grande parte dos meios probatórios convenientes à lide (documentação afeita ao contrato de trabalho, testemunhas que partilhavam o ambiente de trabalho do reclamante e que se encontram ainda sob vínculo empregatício) concentrar-se nas mãos do empregador, tornando o empregado um sujeito processual com grande vulnerabilidade informacional. A admissão de uma convenção sobre a inversão do ônus probatório que coloque o trabalhador numa posição processual onde se torna impossível livrar-se do ônus probatório convencionado tenderia a ser insustentável. Por último, aponta-se ainda o fato de a Reforma Trabalhista, quando adotou um sistema dinâmico de ônus da prova nos termos do 373 do CPC, ao excluir da sua previsão o regramento da inversão convencional, tomou uma posição política e jurídica sobre o assunto, no sentido de não o admitir395.

Nesse sentido, Teixeira Filho396 avalia não ser possível nem mesmo quando a convenção probatória estiver condicionada à validade e eficácia à inexistência de prejuízo ao trabalhador ou à ocorrência de benefício ao obreiro, já que essa mera adaptação formal não retira o seu véu civilista.

Já Bezerra Leite397 concorda com o art. 2º, VII, da IN n. 39/2016 do TST explicando que a aplicação desse dispositivo é difícil diante da indisponibilidade dos direitos dispostos em uma ação trabalhista, salvo as decorrentes de uma relação de trabalho diversa da de emprego.

Nesse sentido, Rebelo398 segue Bezerra Leite no que se refere às relações diversas da de emprego. Argumenta, ainda, que o dispositivo seria aplicável a todas as partes não consideradas vulneráveis, concluindo pela sua permissão no que tange à negociação pré-processual. Quanto aos empregados regulares, entende ser aplicada a dinâmica prevista no CDC (art. 51, VI, do CDC399), desde que a parte vulnerável tenha benefícios ou do negócio não resultar prejuízo400.

395 REBELO, Maria Paulo. A admissibilidade de negócios jurídicos processuais no processo do trabalho. Tese (Doutorado em Direito). Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador, 2019, p. 543-544.

396 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. Comentários ao Novo Código de Processo Civil: sob a perspectiva do processo do trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2016, p. 505.

397 LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2022, p. 962.

398 REBELO, Maria Paulo. A admissibilidade de negócios jurídicos processuais no processo do trabalho. Tese (Doutorado em Direito). Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador, 2019, p. 545.

399 BRASIL. Lei n. 8.078/1990, Art. 51. "São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que IV estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade";

400 REBELO, Maria Paulo. A admissibilidade de negócios jurídicos processuais no processo do trabalho. Tese (Doutorado em Direito). Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador, 2019, p. 544-545.

Ressalta-se que a reforma trabalhista alterou as disposições celetistas quanto ao ônus de prova, passando a prever regramento para a atribuição do ônus de prova de modo diferente, conforme agora dispõe o art. 818, §§ 1º ao 3º, da CLT401. Diante da nova previsão desse artigo, ficou expressamente previsto que o juízo poderá atribuir o ônus da prova diversamente nos casos previstos em lei, diante das peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou excessiva dificuldade quanto ao cumprimento do encargo, ou diante de uma maior facilidade para se obter ou produzir a prova do fato contrário, devendo dar oportunidade para a parte se desincumbir desse encargo.

Desse modo, concorda-se com Rebelo já que, diante das novas disposições trazidas pela reforma trabalhista quanto ao ônus de prova, não há qualquer lógica argumentativa em vedar que as partes disponham sobre ônus processual desde que resguardados benefícios aos vulneráveis ou que não lhe resultem prejuízos.

Observe-se, por exemplo, uma situação na qual a prova documental seja de difícil acesso ao empregado vulnerável e, diante da convenção sobre o ônus, foi acertado que o simples acostamento aos autos dessa prova documental, independente da inversão probatória, fosse pactuada como obrigação da empresa sob pena de multa ou má-fé. A simples negação ao negócio com único fundamento na condição vulnerável do empregado prejudica a situação processual deste vulnerável, deixando a mercê da vontade do juiz aplicar o art. 818 da CLT já que, além de ser uma faculdade do magistrado, não há obrigação expressa em fundamentar caso simplesmente não entenda pela aplicação.

Por esse motivo, Bezerra Leite avalia que o art. 818, § 1º, da CLT deva ser interpretado como dever:

Não obstante a lei estabeleça que o juiz “poderá” atribuir o ônus da prova de modo diverso da regra geral prevista nos incisos I e II do art. 818 da CLT, parece-nos que não se trata de mera faculdade do órgão julgador, e sim de um

“poder-dever”, isto é, se estiverem presentes quaisquer das condições previstas no § 1º do art. 818 da CLT, caberá proferir decisão interlocutória fundamentando os motivos da necessidade da inversão da distribuição do ônus probatório de acordo com as aptidões das partes402.

401 BRASIL. Decreto-Lei n. 5.452/1943, Art. 818. "O ônus da prova incumbe: I – ao reclamante, quanto ao fato constitutivo de seu direito II – ao reclamado, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do reclamante. § 1º Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos deste artigo ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juízo atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído. § 2º A decisão referida no § 1º deste artigo deverá ser proferida antes da abertura da instrução e, a requerimento da parte, implicará o adiamento da audiência e possibilitará provar os fatos por qualquer meio em direito admitido. § 3º A decisão referida no § 1º deste artigo não pode gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil.

402 BEZERRA LEITE, Carlos Henrique. Curso de direito processual do trabalho. 18. ed. São Paulo: SaraivaJur, 2020 (ebook), p. 963.

Discorda-se do autor nesse aspecto, pois isso representaria um contrassenso com a própria jurisprudência do TST ao analisar analogicamente a homologação da conciliação e a impossibilidade de se impetrar Mandado de Segurança para tanto (Súmula 418 do TST).

Assim, a aceitação da convenção processual nos casos acima é de grande valia ao processo, resguardando, inclusive, as garantias constitucionais e o fim social do processo ao proporcionar não apenas a porta de acesso ao Poder Judiciário, mas também a caminhada pelos corredores do processo para possibilitar a chegada a uma tutela jurisdicional justa e equânime, já que de nada valeria o simples acesso àqueles que não têm condições de produzir a prova.

5.5.2 Negócio jurídico processual sobre prova pericial e possibilidade da prova