• Nenhum resultado encontrado

Hipersuficiente e altos empregados

4 A NEGOCIAÇÃO PROCESSUAL SOB A ÓTICA DO PROCESSO DO TRABALHO

4.4 A aplicação de negócios processuais na Justiça do Trabalho: uma nova visão

4.4.2 Hipersuficiente e altos empregados

um caso concreto, analisar a validade do negócio jurídico processual, inclusive quanto à manifesta situação de vulnerabilidade, negando validade em determinadas situações, inclusive de ofício287.

todos os efeitos legais e, por fim, a quarta que, diga-se de passagem, é seguida por Leite, para a qual somente o diretor que se apresenta dono do negócio ou acionista controlador deve ser considerado excluído da proteção celetista. Os demais cargos de gestão, como é o caso do gerente ou do chefe de departamento (filial), enquadram-se no art. 62, II, da CLT292.

É fato que os empregados classificados acima podem ser enquadrados também como hipersuficientes, se preenchidos os requisitos do art. 444, parágrafo único, da CLT. Entretanto, a situação aqui vai além do mero enquadramento diante do salário e ensino superior, como ainda será debatido, o que reforçaria sua posição negocial.

Além destes cargos voltados à direção e gestão, há ainda os trabalhadores de elevado valor econômico, como atletas profissionais de alto desempenho, jornalistas prestigiados, artistas, celebridades e trabalhadores que possuem um conhecimento técnico especializado.

Essa classe não sofreu impacto direto com a Lei n. 13.467/2017, mas, apesar da presença de um poder maior negocial, esses profissionais não podem ser considerados com poder pleno de autonomia293.

Quanto aos trabalhadores de elevado valor econômico, segundo Rebelo294, há uma situação cujos traços de assimetria econômica possibilita uma compensação do desnível inicial, colocando as partes do vínculo em uma posição de igualdade para negociar livremente os termos do seu contrato. Entretanto, entende-se também não ser aplicada a plena autonomia, ou seja, resguarda a aplicação da situação geral.

Desse modo, em todos os exemplos trazidos acima, diverge-se da posição que entende pela igualdade negocial. Evidente que, na realidade dos fatos, no que tange ao direito material, há maior poder do próprio empregado em impor sua vontade negociada, mas isso não o torna pleno em sua autonomia.

Nesse sentido, são raros os casos nos quais o empregado pode ser considerado ou aproximar-se da condição classificada por Rebelo295 como “para-capitalista”, ou seja, situações as quais o prestador de serviços possui o reconhecido e especializado conhecimento, uma imagem com valor econômico considerável, ou talento diferenciado, entre outras qualidades de relevante repercussão, que acabam por se equiparar a meios de produção próprios. São situações

292 BEZERRA LEITE, Carlos Henrique. Curso de direito do trabalho. 14. ed. São Paulo: SaraivaJur, 2022, p.

397-398.

293 REBELO, Maria Paulo. A admissibilidade de negócios jurídicos processuais no processo do trabalho. Tese (Doutorado em Direito). Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador, 2019, p. 405-406.

294 REBELO, Maria Paulo. A admissibilidade de negócios jurídicos processuais no processo do trabalho. Tese (Doutorado em Direito). Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador, 2019, p. 406-407.

295 REBELO, Maria Paulo. A admissibilidade de negócios jurídicos processuais no processo do trabalho. Tese (Doutorado em Direito). Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador, 2019, p. 405.

raras ocorridas quando as próprias empresas disputam ou assediam o prestador de serviços, que, por isso, tem amplo poder de barganha, inclusive processualmente, desde que observados a efetividade e o núcleo dos direitos fundamentais já debatidos.

Nos demais casos, concorda-se com Rebelo296 ao dispor que não é possível classificar esses trabalhadores de forma idêntica aos trabalhadores vulneráveis ou hipossuficientes materiais, mas entende-se que ainda assim a efetividade negocial deverá ser observada.

Por fim, a reforma trabalhista trouxe previsão expressa inovadora ao dispor sobre o que atualmente a doutrina denomina hipersuficiente:

Art. 444, CLT – As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes.

Parágrafo único. A livre estipulação a que se refere o caput deste artigo aplica-se às hipóteaplica-ses previstas no art. 611-A desta Consolidação, com a mesma eficácia legal e preponderância sobre os instrumentos coletivos, no caso de empregado portador de diploma de nível superior e que perceba salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.

Esse artigo é amplamente debatido na doutrina trabalhista, inclusive com posição doutrinária afirmando sua inconstitucionalidade297. Por não ser objeto desse trabalho, partimos do pressuposto de sua constitucionalidade ante a ausência de manifestação do Pretório Excelso através de processo abstrato e da Corte Superior Trabalhista em sede incidental.

Diante disso, Rebelo298 entende que a escolaridade e o salário são indícios que demonstram diferentes níveis de vulnerabilidade do seu titular. Concorda-se com a visão, desde que ela incida no caso concreto em relação ao negócio processual.

Da mesma forma que não é possível haver exclusão presumida da aplicação do negócio jurídico processual na seara trabalhista, por coerência de raciocínio, não é possível afirmar que nas situações nas quais o empregado se enquadra como hipersuficiente, a negociação seja aplicada de modo irrestrito, já que isso demandaria graves ofensas ao trabalhador. Esse contexto é bem visível, por exemplo, no caso dos bancários, já que não é raro encontrar trabalhador neste

296 REBELO, Maria Paulo. A admissibilidade de negócios jurídicos processuais no processo do trabalho. Tese (Doutorado em Direito). Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador, 2019, p. 405-406.

297 “Esse dispositivo, a nosso ver, é de induvidosa inconstitucionalidade por atritar com os arts. 1º, III e IV, 3º, IV, 7º, caput, e XXXII, e 170 da CF, os quais enaltecem a dignidade da pessoa humana, o valor social do trabalho, a função social da empresa e do contrato de trabalho, a proibição de discriminação de qualquer natureza e abominam qualquer distinção entre trabalho manual, técnico ou intelectual ou entre os profissionais respectivos”. BEZERRA LEITE, Carlos Henrique. Curso de direito do trabalho. 14. ed. São Paulo: SaraivaJur, 2022, p. 354-355.

298 REBELO, Maria Paulo. A admissibilidade de negócios jurídicos processuais no processo do trabalho. Tese (Doutorado em Direito). Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador, 2019, p. 408-409.

ramo recebendo salários consideráveis e possuidores de pós-graduação. Todavia, diante do poderio da empresa, não há que se falar em exclusão ou diminuição da vulnerabilidade.

Portanto, no caso da hipersuficiência, apesar desta situação ser indício de diminuição da vulnerabilidade, para o negócio processual, a aplicação deve ser norteada de forma idêntica aos demais, ou seja, deve-se observar a efetividade e analisar intrinsecamente a situação concreta.

Ao final, a discussão quanto a estes empregados tenderá a perder importância caso não seja alterado o entendimento encampado pelo julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n. 324299 e do Recurso Extraordinário n. 958.252300 que tornou possível terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, firmando a tese do Tema 725301 de repercussão geral do STF.

Com isso, o STF vem aceitando Reclamações Constitucionais com base na aplicação destes precedentes para assegurar a pejotização, por exemplo: a Reclamação Constitucional n.

47.843 AGR/BA302, que versa sobre contratação de médicos; a Reclamação Constitucional 39.351303, que versa sobre contratação de profissionais liberais, e, por fim, a decisão liminar na Reclamação Constitucional n. 53.899304, que versa sobre contratação de advogados.

Não é preciso, portanto, profundo conhecimento e raciocínio para avaliar que para todos os empregados mencionados acima, mantendo-se firme o posicionamento do STF, a tendência será por acatar a pejotização para fugir das amarras dos direitos fundamentais sociais e dos demais previstos no texto celetista, o que tornará difícil qualquer análise ou construção de pensamento que verse sobre a vulnerabilidade.

299 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADPF 324, Rel. Roberto Barroso, Tribunal Pleno, j. 30-08-2018.

Processo Eletrôico, DJe-194, Divulg. 05-09-2019, Public. 06-09-2019. Disponível em:

https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=750738975. Acesso em: 10 ago. 2022.

300 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 958252, Rel. Luiz Fux, Tribunal Pleno, j. 30-08-2018, Processo Eletrônico, Repercussão Geral, DJe-199, Divulg. 12-09-2019, Public. 13-09-2019. Disponível em:

https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search?classeNumeroIncidente=%22RE%20958252%22&base=acordaos&

sinonimo=true&plural=true&page=1&pageSize=10&sort=_score&sortBy=desc&isAdvanced=true. Acesso em:

10 ago. 2022.

301 Tema 725. Terceirização de serviços para a consecução da atividade-fim da empresa. É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante.

302 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RCL 47843 AGR/BA. Disponível em:

https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=760099218. Acesso em: 10 ago. 2022.

303 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Rcl 39.351 AgR. Rel. Rosa Weber, Rel. p/ acórdão Alexandre de

Moraes, Primeira Turma, j. 11-5-2020. Disponível em:

https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=752712760. Acesso em: 10 ago. 2022.

304 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar na Reclamação n. 53.899, Minas Gerais, Rel. Min.

Dias Toffoli, j. 30-06-2022, Public. 04-07-2022. Disponível em:

https://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15352168253&ext=.pdf. Acesso em: 10 ago. 2022.