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A vulnerabilidade do trabalhador e o suposto óbice para a aplicação do negócio jurídico processual no processo laboral

4 A NEGOCIAÇÃO PROCESSUAL SOB A ÓTICA DO PROCESSO DO TRABALHO

4.4 A aplicação de negócios processuais na Justiça do Trabalho: uma nova visão

4.4.1 A vulnerabilidade do trabalhador e o suposto óbice para a aplicação do negócio jurídico processual no processo laboral

A vulnerabilidade do trabalhador tem representado o maior óbice aplicado na seara trabalhista quanto à negociação processual. Nesse sentido, o direito do trabalho possui

272 ENUNCIADO 6 FNPT – CLT, ARTS. 769, 849, 852-C E NCPC, ART. 190 NCPC. NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL. INEXISTÊNCIA DE LACUNA ONTOLÓGICA OU AXIOLÓGICA. PREVISÃO NA CLT E NA LEI N. 5.584/70. CELERIDADE DOS RITOS TRABALHISTAS, ORDINÁRIO, SUMARÍSSIMO OU ALÇADA. DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO. A previsão contida no art. 190 do NCPC não se aplica aos processos que envolvam dissídios individuais de RELAÇÃO DE TRABALHO, tendo em vista que a CLT tem rito próprio (ordinário, sumaríssimo ou alçada), conforme arts. 849, 852-C e art. 2º, §§ 3º e 4º, da Lei n. 5.584/70.

Aplicação dos arts. 769, 849, 852-C da CLT e NCPC, art. 190.

273 JUNQUEIRA, Fernanda Antunes Marques; MARANHÃO, Ney. Negócio processual no processo do trabalho:

apontamentos gerais. Revista eletrônica [do] Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, Curitiba, v. 6, n.

55, p. 44-70, out.-nov. 2016. Disponível em: https://hdl.handle.net/20.500.12178/100260. Acesso em: 10 ago.

2022, p. 65.

características diferenciadas ao prever uma tutela especial quanto à proteção do trabalhador, já que, por características históricas, é possível depreender uma necessária proteção diante da existência de certa dependência econômica na relação, além da presença da subordinação hierárquica, o que, à luz do direito do trabalho, traz à tona a necessidade de proteção visando uma aparente isonomia274.

É desse entendimento que a doutrina, ao tratar da negociação processual, acaba pecando ao interpretar a vulnerabilidade de forma equivocada como sinônimo de subordinação jurídica ou dependência econômica na seara trabalhista, interpretação que não observa que a classe trabalhadora, na realidade, pode assumir divergentes manifestações quanto às circunstâncias que revelam desigualdades, não necessariamente vulnerabilidade, nos âmbitos material ou processual275.

Nesse sentido, apesar da forma abstrata e genérica ser a tendência prevista pela lei trabalhista, a manifestação da vulnerabilidade pode assumir diferentes gradações ou, a depender do caso, nem existir quando analisada a situação concreta276.

Diante disso, não é possível padronizar a situação quanto à aplicação do negócio processual, já que a análise genérica deve ceder lugar para uma incidência real sobre a pluralidade de circunstâncias quanto às desigualdades, por exemplo, negocial, hierárquica, econômica, técnica, social ou informativa277278.

274 SOUZA JUNIOR, Lasaro Farias de. Negócios processuais atípicos: compatibilidade judicial no processo trabalhista. 2020. Dissertação (Mestrado em Direito Constitucional). Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), Brasília, 2020. Disponível em:

https://repositorio.idp.edu.br//handle/123456789/2896. Acesso em: 10 ago. 2022, p. 76.

275 REBELO, Maria Paulo. Negócios processuais trabalhistas. Salvador: JusPodivm, 2021, p. 478.

276 REBELO, Maria Paulo. A admissibilidade de negócios jurídicos processuais no processo do trabalho. Tese (Doutorado em Direito). Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador, 2019, p. 370.

277 TUPINAMBÁ, Carolina. Ao seu dispor! A lenda da indisponibilidade dos direitos dos trabalhadores. In:

TUPINAMBÁ, Carolina (coord.). Soluções de conflitos trabalhistas: novos caminhos. São Paulo: LTr, 2018, p.

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278 Nesse sentido, Rebelo interpreta da seguinte forma: “[...] Em todo o caso, (i) a contratação de um sujeito por outrem revela a presença de uma certa fragilidade negocial daquele que procura o emprego; (ii) a condição de sujeição a ordens, instruções e plano econômico-empresarial do empregador, a que se submete esse trabalhador contratado, é indicativo de uma vulnerabilidade hierárquica; (iii) a dependência do trabalhador em relação ao seu soldo mensal, indiciam idêntica vulnerabilidade económica; (iv) a inserção organizacional do trabalhador na estrutura da empresa na vigência do vínculo empregatício, apontam também para uma vulnerabilidade organizacional-técnica; (v) o status que o trabalhador assume no contexto social, pertencendo à minimizada classe da força de trabalho que produz bem alheio sem partilhar dos respetivos proventos, induz ainda o empregado a uma situação de vulnerabilidade social; e, por último, (vi) a falta de percepção e consciência de todos os direitos de que são titulares relativamente à sua relação profissional, revela uma vulnerabilidade informacional”. REBELO, Maria Paulo. A admissibilidade de negócios jurídicos processuais no processo do trabalho. Tese (Doutorado em Direito). Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador, 2019, p. 367-369.

Dessa forma, não há dúvidas de que é em razão da tendência da generalização protecionista concedida a todos os trabalhadores que o direito do trabalho construiu sua base de garantias limitando a autonomia da vontade279.

Assim, Junqueira e Maranhão280 entendem pela vedação à negociação pré-processual diante da vulnerabilidade material ressaltando que esta vulnerabilidade não desaparece quando se adentra no plano processual. Diante disso, fundamentam pela exclusividade do negócio processual chancelado pela Justiça do Trabalho, ou seja, apenas diante de um processo em curso, e entendem pela necessária homologação do negócio. Nesse aspecto, Falce281 também nega a possibilidade do negócio pré-processual se firmado sem a presença de advogado, além de vedar negócio em situações de jus postulandi.

Discorda-se do posicionamento acima, visto que não reflete os inúmeros negócios processuais desde muito tempo praticados na Justiça do Trabalho no curso da ação, como nos exemplos trazidos por Souza Junior282: dispensa de produção de prova testemunhal, dispensa de perícias, limitações de recorribilidade em recurso ordinário e penalidades pelo descumprimento de obrigações judiciais. Assim, o trabalhador, por exemplo, poderia negociar de forma pré-processual uma determinada situação conjuntamente com direitos materiais e apenas pedir homologação posterior de acordo extrajudicial com a presença de advogado; outra situação seria o procedimento tocado por jus postulandi, as partes negociarem adiamento da audiência, ou seja, exemplos que confrontam com a posição de Junqueira, Maranhão e Falce.

Ademais, concorda-se com Tupinambá: “[...] o princípio protetor representa incremento da posição jurídica do empregado, mas não viabiliza que o mesmo abdique ou enfraqueça sua própria posição”283. Desse modo, o autor critica a situação em que a proteção

279 REBELO, Maria Paulo. A admissibilidade de negócios jurídicos processuais no processo do trabalho. Tese (Doutorado em Direito). Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador, 2019, p. 369.

280 JUNQUEIRA, Fernanda Antunes Marques; MARANHÃO, Ney. Negócio processual no processo do trabalho:

apontamentos gerais. Revista eletrônica [do] Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, Curitiba, v. 6, n.

55, p. 44-70, out.-nov. 2016. Disponível em: https://hdl.handle.net/20.500.12178/100260. Acesso em: 10 ago.

2022, p. 62.

281 FALCE, Lúcio Roberto. O negócio processual: o processo do trabalho e a reforma trabalhista. Revista de Direito do Trabalho, São Paulo, v. 44, n. 194, p. 99-113, out. 2018. Disponível em:

https://hdl.handle.net/20.500.12178/161011. Acesso em: 10 ago. 2022, p. 106.

282 SOUZA JUNIOR, Lasaro Farias de. Negócios processuais atípicos: compatibilidade judicial no processo trabalhista. 2020. Dissertação (Mestrado em Direito Constitucional). Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), Brasília, 2020. Disponível em:

https://repositorio.idp.edu.br//handle/123456789/2896. Acesso em: 10 ago. 2022, p. 80.

283 TUPINAMBÁ, Carolina. Ao seu dispor! A lenda da indisponibilidade dos direitos dos trabalhadores. In:

TUPINAMBÁ, Carolina (coord.). Soluções de conflitos trabalhistas: novos caminhos. São Paulo: LTr, 2018, p.

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do trabalhador passa muito próximo de considerar a condição do trabalhador como uma tutela ou curatela, retirando seu poder de escolha284.

Sempre existirão desigualdades em qualquer tipo de relacionamento jurídico, baseiem-se elas em critérios pessoais, econômicos, sociais etc. O problema não é a sua existência, porque elas são inevitáveis. Não acreditamos que exista, alguma vez, uma igualdade absoluta entre partes. O problema é, então e apenas, quando alguns desses desequilíbrios são usados sob a forma de poder e de manipulação, de exploração contra o outro. Só nestes, e apenas nestes casos, faz sentido estender um regime tutelar. E é aqui, data venia, que a maioria da doutrina trabalhista peca: por não reconhecer a diferenciação e querer forçar uma presunção indiscriminada, que não leva em consideração as características do trabalhador em concreto e do momento ou local da prática do ato285.

Diante disso, o art. 190 do CPC/2015 prevê que não basta a situação de vulnerabilidade para o negócio ser rechaçado, mas ela deve ser manifesta. Mesmo para aqueles que consideram o trabalhador vulnerável pela simples situação quanto à subordinação jurídica ou econômica sendo transportado para o processo do trabalho, há que se observar a situação de desequilíbrio manifesto, ou seja, a vulnerabilidade como situação de exploração no negócio processual.

Ademais, a proteção na seara processual e a vulnerabilidade devem ser interpretadas em conjunto com outros princípios, como o da conciliação, da cooperação e da celeridade. Com base nesse entendimento, a própria conciliação é externada pelas normas processuais trabalhistas (ex. arts. 764, 831, 846 e 850 da CLT); a cooperação prevista no art. 6º do CPC/2015 estando ligado ao poder dos litigantes de influenciar na solução da controvérsia; a celeridade decorrente, por sua vez, dos princípios constitucionais da eficiência e da duração razoável do processo, o que é propiciado pelo negócio processual, como é o caso da calendarização286.

Assim, não basta a vulnerabilidade estar presente, mas é necessário que dela decorra situação manifesta a desequilibrar a relação jurídica processual. Ainda, é possível existir situação na qual o negócio jurídico seja válido, desde que assegurada a igualdade real, assim como nos casos em que a parte vulnerável seja beneficiada. Portanto, cabe ao juiz, diante de

284 TUPINAMBÁ, Carolina. Ao seu dispor! A lenda da indisponibilidade dos direitos dos trabalhadores. In:

TUPINAMBÁ, Carolina (coord.). Soluções de conflitos trabalhistas: novos caminhos. São Paulo: LTr, 2018, p.

54.

285 REBELO, Maria Paulo. A admissibilidade de negócios jurídicos processuais no processo do trabalho. Tese (Doutorado em Direito). Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador, 2019, p. 367-369.

285 REBELO, Maria Paulo. A admissibilidade de negócios jurídicos processuais no processo do trabalho. Tese (Doutorado em Direito). Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador, 2019, p. 374.

286 GONÇALVES, Igor Sousa. O instituto da negociação processual na justiça do trabalho: compatibilidade, limites e desafios. Revista de Direito do Trabalho, São Paulo, v. 43, n. 183, nov. 2017, p. 221. Disponível em:

https://hdl.handle.net/20.500.12178/124349. Acesso em: 10 ago. 2022, p. 217-218.

um caso concreto, analisar a validade do negócio jurídico processual, inclusive quanto à manifesta situação de vulnerabilidade, negando validade em determinadas situações, inclusive de ofício287.