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3 A NOVA DISPOSIÇÃO DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

3.1 O art. 190 do CPC/2015

jurídico, mas não com tamanho espaço e incentivo de participação privada a ponto de construir o procedimento de forma negociada85.

Nesse sentido, o CPC/2015 prevê o dever geral de estímulo à autocomposição decorrente diretamente do princípio do respeito ao autorregramento da vontade no processo e a previsão do art. 190 é um reflexo disso que possibilita o ajuste sobre o procedimento ou uma mudança sem produzir-lhe alterações significativas, como é o caso das disposições sobre ônus, faculdades e deveres processuais86.

Prosseguindo, o critério para definir se um negócio jurídico processual é típico ou atípico é a existência de previsão legal. Desse modo, a distribuição convencional do ônus da prova, por exemplo, está prevista no art. 373, §§ 3º e 4º, do CPC/2015; já o pacto de non petendo não tem previsão normativa e é um exemplo de negócio processual atípico87.

Além disso, utiliza-se da técnica da cláusula geral, quando a hipótese fática é composta por termos vagos e o efeito jurídico é indeterminado. Cláusula geral é diferente do termo indeterminado já que este, apesar de possuir texto vago, possui solução jurídica prevista na norma.Assim, a técnica legislativa utilizada foi de cláusula geral para o negócio jurídico processual atípico88.

Há quem diga que a previsão da cláusula geral foi pensada para que o CPC/2015 não fosse um antro de diversos procedimentos que serviriam a direitos materiais específicos:

A cláusula geral dos negócios jurídicos processuais foi definida em termos abertos em virtude do amadurecimento da ciência processual, que atinou para a impossibilidade de se prever procedimentos especiais abstratos que permitiriam atender satisfatoriamente às mais diversas necessidades concretas. Desse modo, para não incorrer na tentativa ingênua de prever uma ampla gama de procedimentos especiais que serviriam aos direitos materiais específicos, o legislador optou por delegar às partes a prerrogativa de erigir procedimentos ou módulos procedimentais para atender aos seus interesses.

Portanto, o art. 190 do CPC/2015 (LGL\2015\1656) consiste em verdadeira

85 NOGUEIRA, Pedro Nogueira. Dos atos em geral (art. 188 a 192 do CPC/2015). In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim...[et al.] (coord.). Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. 3. ed. São Paulo: RT, 2016, p.

630-631.

86 NOGUEIRA, Pedro Nogueira. Dos atos em geral (art. 188 a 192 do CPC/2015). In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim...[et al.] (coord.). Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. 3. ed. São Paulo: RT, 2016, p.

631-634.

87 WONTROBA, Bruno Gressler. Negócios jurídicos processuais atípicos: objeto lícito, disponibilidade do direito material e disponibilidade da tutela jurisdicional. Dissertação (Mestrado em Direito). Universidade Federal do Paraná (UFPR). Curitiba, 2019. Disponível em: https://hdl.handle.net/1884/62498. Acesso em: 10 ago. 2022, p. 53-54.

88 BUCHMANN, Adriana. Limites objetivos ao negócio jurídico processual atípico. Dissertação (Mestrado em Direito), Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Florianópolis, 2017. Disponível em:

https://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/176772. Acesso em: 10 ago. 2022, p. 139-142.

caixa de ferramentas a permitir a construção de técnicas processuais efetivamente idôneas para atender aos programas contratuais89.

Por fim, outro destaque é a inovação trazida com o texto que, agora, deixou de lado a redação amplamente criticada prevista na Lei n. 9.307/1996 (Lei de Arbitragem), que adotava a nomenclatura “direitos patrimoniais disponíveis”, passando a prever “direitos que admitam autocomposição”. Assim, conforme será debatido na seção seguinte, houve uma evolução;

diante dessa mudança, os termos utilizados pelo CPC/2015 e pela Lei n. 9.307/1996 não podem ser equiparados.

3.1.1 A diferença entre direitos indisponíveis, direitos que admitam autocomposição e direitos irrenunciáveis

No que tange à diferença entre direitos indisponíveis e direitos que admitam autocomposição, segundo a teoria sobre a efetivação dos direitos fundamentais, a indisponibilidade de direitos “comporta gradações, na medida em que a autonomia da vontade, associada a outros valores, como a celeridade na concretização dos direitos, podem determinar a necessidade de disposição, em alguma medida, dos direitos materiais ou processuais”90.

Nessa vereda, indisponibilidade não é apenas a impossibilidade de privar direitos mediante um ato unilateral, como é o caso da renúncia, mas também veda a privação por ato bilateral, como ocorre na transação, o que ressalta a importância de se distinguir irrenunciabilidade e indisponibilidade de direitos. Desse modo, parte da doutrina considera que a irrenunciabilidade estaria em um patamar inferior quando comparada com a indisponibilidade, pois os direitos irrenunciáveis não podem ser atingidos ou serem deixados de lado pelo titular quando uma norma tiver conferido inderrogabilidade. É diferente da indisponibilidade, que permite a negociação do direito já que não necessariamente o direito indisponível é inegociável ou não transacionável91.

Como se infere da previsão legal, somente é possível haver negócio jurídico processual em causas que admitem autocomposição, o que não é o mesmo que vincular e restringir a

89 DI SPIRITO, Marco Paulo Denucci. Controle de formação e controle de conteúdo do negócio jurídico processual – parte II. Revista dos Tribunais. Revista de Processo, v. 248, São Paulo: RT, 2015, p. 91 (online).

90 ALVIM, Eduardo Arruda. Direito processual civil. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 404.

91 REBELO, Maria Paulo. Negócios processuais trabalhistas. Salvador: JusPodivm, 2021, p. 399-401.

direitos disponíveis, pois é possível haver direitos indisponíveis sem perder a qualidade autocompositiva (por exemplo, direito aos alimentos)92.

Assim, a indisponibilidade do direito material não ocasiona necessariamente a indisponibilidade sobre o processo ou a tutela jurisdicional, pois os interesses materiais em disputa podem ser indisponíveis, mas resguardarem a possibilidade de acordar sobre diversos aspectos processuais (exemplos: eleição de foro, redistribuição de ônus da prova, suspensão do processo e dilação de prazo)93.

Esse posicionamento também é previsto pelo FPPC através do seu Enunciado 13594. Diante disso, há que se refletir que a adoção do termo “autocomposição” pelo legislador permite a negociação ser realizada em termos amplos, sem estar adstrita à discussão incidente sobre a disponibilidade do direito discutido na lide.

A opção por “autocomposição” e não “disponibilidade” ou

“patrimonialidade”, serve um propósito deliberado: permitir que a negociação processual se faça em termos amplos, sem ficar limitada à disponibilidade ou não do direito discutido na lide; em outras palavras, obstar a quaisquer balizas ou limites que se coloquem hermeneuticamente como entrave à negociação processual em razão da indisponibilidade do objeto litigioso95.

Malgrado, não é porque se permite a autocomposição processual mesmo diante de direito indisponível que não será resguardada a subordinação da validade e eficácia do negócio processual a não afetação a este direito:

Estando, porém, em causa um direito indisponível, a validade e a eficácia do ajuste processual se subordina a não afetação reflexa a este direito. Será possível, por exemplo, que os litisconsortes ajustem a melhor forma de distribuição do tempo na sustentação oral, a escolha consensual do perito ou a forma de apresentação dos memoriais finais. Nos processos estruturais, a modulação da eficácia da decisão judicial a partir de uma implementação estratégica em etapas sucessivas pode apresentar horizonte infinitas vezes mais vantajoso do que a utilização das técnicas tradicionais de execução, mas nem por isto poderá dizer-se que houve renúncia de direito indisponível96.

92 COSTA, Rafaella Souza Oliveira. Negócios processuais: aplicação ao processo do trabalho - análise principiológica. Revista Ltr: legislação do trabalho, São Paulo, v. 80, n. 7, p. 838-848, jul. 2016, p. 318.

Disponível em: https://hdl.handle.net/20.500.12178/144261. Acesso em: 10 ago. 2022, p. 318.

93 CABRAL, Antonio do Passo. Convenções processuais. Teoria geral dos negócios jurídicos processuais. 3. ed.

Salvador: JusPodivm, 2020, p. 368.

94 Enunciado 135, art. 190. "A indisponibilidade do direito material não impede, por si só, a celebração de negócio jurídico processual". ENUNCIADOS FPPC. Enunciados do Fórum Permanente de Processualistas Civis FPPC 2022. Disponível em: https://diarioprocessual.com/2022/03/23/enunciados-fppc-2022. Acesso em: 10 ago.

2022.

95 REBELO, Maria Paulo. Negócios processuais trabalhistas. Salvador: JusPodivm, 2021, p. 450.

Dessa forma, inquestionável que o direito do trabalho se reveste de cunho especial diante da vedação da negociação incidente a uma gama de direitos, entretanto, isso não veda que os titulares de direitos indisponíveis trabalhistas no âmbito processual negociem, por exemplo, suas faculdades processuais, desde que não implique afetação do próprio direito material97.

3.2 Negócio jurídico processual: análise dos elementos do negócio jurídico processual