D ECISÕES DE GOVERNO : I NSTRUMENTOS DE I NVESTIGAÇÃO E ORGANIZAÇÃO DA
3. PARA UMA “EDUCAÇÃO NACIONAL” GARANTINDO AOS CIDADÃOS A “INSTRUÇÃO GRATUITA”: LEIS EDUCACIONAIS DO PERÍODO JOANINO E
3.1 A INSTRUÇÃO NOS T EMPOS DA C ORTE P ORTUGUESA 1808-1822:
A educação no início do século XIX carregava as marcas deixadas pelas
reformas ilustradas, ou seja, após a expulsão dos jesuítas não houve de forma sistemática a
introdução de um modelo ou método de ensino capaz de reajustar todo o “sistema educativo”
através da substituição do modelo jesuítico de educação. Mas em contrapartida, houve a
implementação de escolas e cadeiras de ensino, cursos e academias que traduzem as tentativas de
construção de uma educação mais voltada para os pensamentos modernos.
Autores atestam a precariedade no ensino durante os últimos anos do século
XVIII e na primeira década do século XIX, e as preocupações que cresceram pela instalação da
corte no Brasil162. Deste modo, em 18 de fevereiro de 1808 temos a criação do primeiro Curso de
Medicina163, pelo Colégio Médico Cirúrgico instalado na Bahia, e no dia 1º de abril de 1813, por
meio de uma carta régia, foi instalado na capital do Reino um novo curso de cirurgia164.
162
Arnaldo Niskier (1989) e Fernando de Azevedo (1976), em suas análises discutem rapidamente este período em suas obras, apontando a precariedade do ensino e por vezes chegam a afirmar, como é o caso de Azevedo, que existiu um vazio educacional entre a expulsão dos jesuítas e a lei de 1827. Mas este trabalho tem o objetivo de recuperar pelas decisões de governo, decretos, cartas régias e alvarás, e ressaltar as experiências educativas neste período, revelando a importância da educação do pensamento ilustrado e sua aplicação no Brasil, mesmo sendo esta precária e sem um modelo definido de atuação. NISKIER, loc. cit. E AZEVEDO, loc. cit.
163
BRASIL. Decisão de Governo de 18 de fevereiro de 1808: Manda criar uma Escola de Cirurgia no Hospital Real da Cidade da Bahia. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1891. P. 2.
164
BRASIL. Decreto de 1 de abril de 1813: Aprova o plano dos Estudos de Cirurgia no Hospital de Misericórdia no rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1890. P.8.
Em 23 de fevereiro deste mesmo ano, foi promulgado o decreto que criou a
cadeira de Ciência Econômica 165 e em 5 de maio a Real Academia de Guardas-Marinhas, cuja
instituição recebeu grande atenção pelo governo real, se estabeleceu no Rio de Janeiro166. Entre
estes, outros estabelecimentos de ensino superior foram implantados. Em 1810, por carta de lei de
4 de dezembro houve a instalação da Academia Real Militar da Corte, que recebeu com o passar
do tempo os cursos de engenharia.167 Não houve a implementação do curso jurídico, e suas
atividades ficaram no ambiente da Universidade de Coimbra.
No ensino primário e secundário, não houve uma organização que envolvesse
todo o território brasileiro. Era corrente a falta de um plano geral, que pudesse abarcar todas as
capitanias do Brasil. Ocorriam pedidos de criação de cadeiras e escolas de primeiras letras, pelos
representantes políticos das províncias. Neste período cadeiras de ensino freqüentemente eram
instaladas, conforme tais solicitações. Havia muitos requerimentos, que chegavam às mãos de D.
João VI e posteriormente, com a permanência do príncipe regente, D. Pedro, onde as câmaras
municipais trabalhavam pedindo a instalação de tais estabelecimentos de ensino. 168
As cadeiras de ensino de Primeiras Letras foram distribuídas e ministradas, de
acordo com as solicitações dos presidentes de províncias. Desde os primeiros tempos da elevação
da colônia brasileira a Reino Unido, pelo regente D. João, escolas foram implementadas para a
população. O regente e depois Imperador, começando pela instrução pública e depois para as
165
BRASIL. Decreto de 23 de fevereiro de 1808: Cria na cidade do Rio de Janeiro uma cadeira de Ciência Econômica. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1891. P.2.
166
BRASIL. Marinha. Decisão de Governo de 05 de maio de 1808: Manda estabelecer a Real Academia de Guardas Marinhas no Convento de São Bento. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1891.
167
BRASIL. Carta lei de 4 de dezembro de 1810: Cria uma Academia Real Militar na Corte do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro:Imprensa Nacional, 1891.
168
Academias e cursos de nível superior, tinha o objetivo de desenvolver um projeto de unificação
cultural, através da instrução pública. 169
Medidas são tomadas, como a criação de diversas cadeiras de Primeiras Letras
e a busca de incentivos financeiros que garantissem a “instrução pública e nacional”. A decisão
de governo de 5 de março de 1816, diz:
O príncipe regente Meu Senhor, dignando-se benignamente aceitar a generosa oferta que, em testemunho de gratidão pela elevação deste Estado do Brasil à preeminência de Reino, lhe tem feito os negociantes desta praça, de formarem um capital cujo rendimento seja perpetuamente aplicado para estabelecimentos que promovam a instrução nacional: é servido ordenar a V. S (por ter sido na sua augusta presença órgão da referida oferta): (...)
2. Que os novos estabelecimentos sejam erigidos nesta corte (...).
3.Que o mesmo senhor mandará unir às cadeiras das ciências que se houverem de criar, em ordem de completar um Instituto Acadêmico que compreenda (...) ao mesmo tempo o das Bellas Artes(...)
5. que mandará expedir ordem aos diretores do Banco do Brasil, para que formem uma relação dos nomes dos contribuintes (...) outro sim para que nele continue sempre aberta a mesma subscrição, afim de não privar as outras muitas pessoas, igualmente animadas e tão honrosos sentimentos, da satisfação contribuem para um estabelecimento de tão manifesta e geral utilidade. 170
Esta decisão de governo indica alguns dos caminhos traçados por D. João para
o estabelecimento e financiamento das instituições educacionais no Brasil. Primeiramente, D.
João aceita a oferta dos comerciantes da corte do Rio de Janeiro, que se interessam por enviar
fundos para o estabelecimento de uma “instrução Nacional”. E vai além, com a criação no Banco
do Brasil de uma relação de nomes de pessoas que “igualmente animadas” podem também
contribuir com o estabelecimento de escolas de “tão manifesta e geral utilidade”.
169
Neves, através da análise do método Lancasteriano de ensino, na sociedade brasileira, descreve as iniciativas de D. João para implementar no Brasil a instrução pública, de acordo com o pensamento ilustrado português, incrementando as escolas e cadeiras de ensino, buscando recursos para garantir a instrução gratuita aos cidadãos do Brasil. NEVES, Fátima. O Método Lancasteriano e o Projeto de Formação Disciplinar do Povo: São Paulo 1808- 1889. 2003. 293 p. Tese (Doutorado em História) Universidade Estadual Paulista. Assis/ São Paulo.
170
BRASIL. REINO. Decisão de Governo. Nº. 5 de 5 de março de 1816: Agradece o oferecimento que fazem os negociantes desta praça, de formarem um capital, cujo rendimentos seja perpetuamente aplicado a estabelecimentos que promovam a instrução nacional. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1890. P. 4.
E ao Banco do Brasil, o regente manda “fazer (...) um registro dos subscritores
para a fundação do estabelecimento que promova a instrução pública.”171 Estas entre outras
iniciativas, comprovam o interesse de se promover a unificação cultural no Império português, e
isto significa que ao Brasil, local que até então deteve a posição colonial, necessitava cada vez
mais, para se tornar uma Nação, de mecanismos que contribuíssem com o projeto de
transformação dos dois reinos, em um grande Império.
Em 3º de junho de 1821, as Cortes Gerais Extraordinárias e Constituintes da
Nação Portuguesa, exprimem o decreto com a rúbrica do Príncipe Regente D. Pedro, permitindo
“qualquer cidadão o ensino, e abertura da escola de Primeiras Letras, independentes de exames
ou licença.” 172 Assim, escolas e cadeiras de ensino primário poderiam ser criadas, sem uma
avaliação prévia das condições dos estabelecimentos e do corpo de professores que ministrariam
as aulas. Inicialmente nas discussões das cortes a questão educacional não ocupou as principais
discussões da situação política, econômica e cultural de Portugal e do Brasil. Contudo, no
decorrer das falas e das decisões tomadas pelos representantes de ambos os lados do hemisfério, a
instrução começa a ser articulada como meio de reestruturação econômica, moral e política. 173
Durante todo este período, não verificamos a introdução de um método de
ensino que garanta a eficácia do ensino no Brasil. Desde 1808 até meados de 1818 e 1819, são
encontradas nos documentos oficiais, determinações que mandam instalar várias cadeiras e
Escolas de Primeiras Letras, e cadeiras de Retórica, Filosofia, Matemática, Gramática, entre
171
BRASIL. REINO. Decisão de Governo. Nº. 6 de 5 de março de 1816:Manda fazer no Banco do Brasil um registro dos subscritores para a fundação do estabelecimento que promova instrução pública. Rio de Janeiro: Imprensa nacional, 1890. P. 5.
172
BRASIL. Decreto de 30 de junho de 1821. Permite qualquer cidadão o ensino e a abertura de escolas de primeiras, independente de exame ou licença. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1889.P. 18.
173
FERNANDES, Rogério. As Cortes constituintes da Nação Portuguesa e a Educação Pública. IN: Stephanou, Maria & BASTOS, Maria Helena. Histórias e Memórias da Educação no Brasil Vol. II – Século XIX. Petrópolis, Rj: Vozes, 2005.
outras disciplinas. Contudo, não encontramos a adoção de um método que configure, de uma
maneira geral, um “sistema educativo”, com suas regras e normas capazes de solidificar a
eficiência do ensino. Ao ensino secundário, no período joanino, verificamos a continuação do
regime de aulas régias, ou seja, aulas esparsas, cujas cadeiras de ensino eram aplicadas nas
províncias sem um planejamento prévio, porém com ênfase no estudo de línguas estrangeiras e
nas disciplinas que, de acordo com o ideal iluminista, rompiam com o ensino clássico-
humanístico dos jesuítas.174
Ao entrarmos na década de vinte, encontramos, com mais freqüência, cadeiras e
escolas, ministradas pelo método de ensino Lancaster ou Ensino Mútuo. O Método Lancaster de
ensino foi introduzido no Brasil pela expansão e divulgação que ultrapassou os limites da
Inglaterra, país em que originalmente foi criado pelo clérigo Andrew Bell e adotado por Joseph
Lancaster. Lancaster fez algumas modificações por divergir em questões pontuais sobre a
propagação da instrução pública. Enfim, salvo os debates entre os dois “pedagogos”, foi o
método Lancaster que seduziu os políticos e letrados brasileiros, devido o objetivo principal do
projeto de Lancaster: a transformação de seu projeto pedagógico, em um plano nacional
formando assim um sistema educacional. 175
Atendendo aos anseios dos ideais ilustrados, que credita à educação a
importância decisiva no processo de formação da Nação, algumas cadeiras e escolas de Primeiras
174
Veiga, Ariclê. O ensino secundário no século XIX: Instruindo as Elites. In: STEPHANOU, Maria & BASTOS, Maria Helena Câmara. Histórias e Memórias da Educação do no Brasil. Séculos XVI-XVIII. Petrópolis, Rio de Janeiro, 2004. P. 79, 80 e 81.
175
A tese de doutorado de Fátima Maria Neves oferece uma explicação mais completa sobre o Método de Ensino Mútuo, o contexto histórico inglês e a expansão do método por vários Estados da Europa e América. É importante ressaltar que o método de ensino Mútuo ou Lancaster nasce em meio ao turbilhão industrial da Inglaterra, assim, como aponta a autora, “Lancaster pretendia associar a indústria ao aprendizado, elevando o sistema de educação”. NEVES, op. cit., p. 67
Letras passam a serem implantadas no final da primeira década do século XIX e ministradas
através do Método Lancaster.
A adoção do método de Ensino Mútuo, ou Lancaster colabora com os estudos
das práticas científicas no Brasil imperial, pois anotamos a existência de um processo de
incorporação de ciências de contextos culturais diferenciados, inserindo o Brasil no conjunto do
desenvolvimento científico. Neste sentido, a história das políticas empregadas para a educação
brasileira constituem as análises do papel que desempenhou a ciência em nossa sociedade e as
dificuldades estruturais encontradas para se consolidar como nacional, observando as instituições,
as políticas e os estabelecimentos de ensino. Assim, a relação entre a ciência e o Estado, que aqui
configuram as ações educacionais para o ensino de primeiras letras e demais cadeiras de ensino e
para o ensino superior, foram definitivas para a organização e promoção de atividades científicas,
desencadeadas principalmente no Brasil pelos cursos acadêmicos implantados durante o período
imperial.176
Ressalta-se que a experiência única de uma colônia que se torna sede do
Império, provocou sérias mudanças dentro do que Portugal achava seu. A questão aqui elaborada
é, dentro de todo o processo que vai desde 1500, com a colonização até a elevação à categoria de
reino unido, em 1808, o Brasil desenvolveu experiências particulares, que, por mais que as
iniciativas de Portugal em manter a união com a colônia fossem implantadas, mesmo assim, o
Brasil se configurou como um território de lutas de interesses particulares. E o processo de
interiorização da metrópole, os regionalismos provocados pela extensa falta de comunicação entre as capitanias durante os séculos de colonização?177 Desde a formação colonial do Brasil,
176
FIGUEROA, op. cit.
177
com a formação dos núcleos isolados de povoamento no continente, sem as mesmas finalidades,
não houve uma unidade:
Algumas dessas áreas haviam passado por uma fase de diversificação e expansão de suas atividades econômicas durante a segunda metade do século XVIII, como resultado de políticas metropolitanas e das necessidades do mercado internacional... Na Bahia e em Pernambuco... a ampliação das zonas dedicadas à lavoura da cana foi acompanhada de investimento na criação de gado e no cultivo de outros gêneros. Em São Paulo e no Rio de Janeiro, novas áreas projetaram-se como importantes produtoras de açúcar..., tabaco, arroz , algodão e anil... A região centro sul foi uma das mais favorecidas nesse processo de expansão, aliando a exploração do ouro e diamantes em Minas Gerais...178
Tudo isso vem à tona, no momento em que se discute a possibilidade da retomada do Brasil como
colônia e com o retorno da corte para Portugal no início da década de 1820.
Desde 1808 verificamos o intenso trabalho das cortes portuguesas na
viabilização do território do Reino do Brasil para se tornar à sede do Império Português. Neste
sentido, empenharamm-se para regulamentar as comunicações com todo o território brasileiro,
delimitar as fronteiras, e promover o relacionamento entre as províncias, com o objetivo de
fundamentar a unidade através dos interesses recíprocos, sendo o Rio de Janeiro, o pólo
dinamizador das políticas administrativas para o Reino e para as demais partes de Portugal. 179
Assim, as políticas para a instrução neste período demarcam a efevercência do
programa das reformas, que também visavam a sua propagação nacional. Para o estabelecimento
e financiamento das instituições educacionais no Brasil, o governo português aceita a oferta dos
comerciantes da corte do Rio de Janeiro, interessados em enviar fundos para o estabelecimento da
“Instrução Nacional”.180 Também se cria no Banco do Brasil, a relação de nomes das pessoas que
“igualmente animadas” podem também contribuir com o estabelecimento de escolas de “tão
178
BERBEL, op. cit., p. 31 e 32.
179
LYRA, op. cit., p. 138.
180
BRASIL. Decisão de Governo. N.5. Reino. Em 5 de março de 1816. Agradece o oferecimento que fazem os negociantes desta praça, de formarem um capital, cujo rendimento seja perpetuamente aplicado a estabelecimentos que promovam a instrução nacional. In: Coleção das Decisões de Governo de 1816. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1890. p. 3.
manifesta e geral utilidade” 181. Estas iniciativas no campo da instrução nacional demarcam o
interesse do governo português, na promoção da unificação de todo o território português, e a
necessidade transformar os dois reinos em um Poderoso Império.
Não obstante, com os rumos tomados pelos eventos políticos em Portugal,
através da expulsão das tropas francesas em 1817, e com a eclosão da Revolução do Porto e a
abertura do fórum de discussões sobre a regeneração do Império Português, a corte se vê forçada
a retomar seus poderes com o regresso para Portugal. Entretanto, no Brasil, instaura-se o
“processo revolucionário” que angariou esforços em Pernambuco, na Bahia, Paraíba, Rio Grande
do Norte e Ceará, para a formação de um governo republicano. 182 No decorrer dos
acontecimentos, Portugal se empenhou na manutenção da unidade luso brasileira, através da
continuação do Brasil como reino dirigido pela figura de D. Pedro, embora a autoridade do rei
permanecesse ligada ao trono em Portugal.
Em Portugal, grupos pertencentes às antigas cortes organizavam a sua retomada
de frente ao cenário do Império. Para a regeneração da nação portuguesa, apresentavam-se dois
aspectos importantes, o retorno do regente e o aprofundamento da discussão sobre a
nacionalidade portuguesa. 183 As discussões ocorridas nas Cortes Extraordinárias de Lisboa em
1821 proporcionaram um reconhecimento dos interesses comuns das duas partes do hemisfério,
181
Brasil. Decisão de Governo. N.6. Reino. Em 5 de março de 1816. Manda fazer no Banco do Brasil um registro dos subscritores para a fundação do estabelecimento que promova a instrução pública. In: BRASIL, op. cit., P. 5.
182
Esta crise ocasionada pela oposição das lideranças do Norte do Reino do Brasil à metrópole, evidencia todo o processo de exploração das regiões coloniais, em que se baseia o monopólio comercial, através da comercialização exclusiva e das altas taxas de impostos. O livre comércio com os ingleses, mesmo após a abertura dos portos, não foi um mecanismo que funcionou de forma intensa, devido aos impasses que a coroa impunha sobre as relações comerciais. BERBEL, Op. Cit., p. 41.
183
Com a abertura das discussões acerca da integração entre Portugal e suas colônias, através da convocação das cortes de Lisboa em 1820, passa-se a repensar as redes de poder que formavam os elos entre Portugal e Brasil. A princípio Portugal restringiu a participação das demais províncias de além mar, muito embora, após intensos debates, conclui-se que a base de representação da nacionalidade portuguesa não se restringia somente ao território europeu, pois, tanto a metrópole, quanto suas colônias faziam parte da nação portuguesa.BERBEl. op. cit., p. 51 e 52.
porém, acirraram-se os descontentamentos e divergências entre os deputados do Brasil e de
Portugal, pelas diferentes concepções sobre a organização nacional do Estado Português. 184
O princípio da unidade sempre esteve presente nas discussões das cortes, em
ambas as partes do hemisfério. Os grupos que comporam as cortes ansiavam pela concretização
das propostas reformistas, que entre elas a continuidade da formação do Império Luso Brasileiro.
Definiram-se alguns rumos para a política da instrução no Estado, que, neste contexto,
determinou em nome das “Cortes Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa” e de
acordo com a liberdade dos cidadãos em “fazer o devido uso de seus talentos”, que fosse livre a
abertura de escolas e cadeiras de ensino. O decreto de 30 de junho de 1821 passou a permitir a
qualquer “cidadão” a responsabilidade de difundir o ensino, “independente de exame ou licença”,
para facilitar a todos o “indispensável estudo das primeiras letras”. 185
Mas reconhecemos que as divergências também ocorriam entre os próprios
representantes das cortes brasileiras, conjuntura que, após a saída do Brasil das Cortes de Lisboa,
será trabalhada pelo governo brasileiro. As discussões sobre a ruptura entre Brasil e Portugal, vão
se definindo meses antes da data oficial da emancipação:
Somente em agosto, após o não reconhecimento da Constituinte no Brasil pelas Cortes de Lisboa, a articulação que envolvia o príncipe regente passaria a se referir a uma nação brasileira. Começava-se a organizar o Império independentemente de Portugal e era necessário localizar as bases sobre as quais seria fundamentado o poder do Estado. Como conseqüência, nascia as reflexões dos assessores de D. Pedro uma nação independente da portuguesa. 186
O Brasil exigia um governo local e coerente com as especificidades do
território, e entre os debates, deputados representantes das províncias do Reino passaram a firmar
184
Ibidem. P. 196.
185
BRASIL. Decreto de 30 de junho de 1821. Permite a qualquer cidadão o ensino e abertura de escola de Primeiras Letras, independente de exame ou licença. In: Coleção das Leis do Brasil: Leis das Cortes Gerais Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1889. P. 18.
186
posições contrárias às das Cortes. Os debates se polarizaram em torno das relações de poder do
governo brasileiro e do governo central, contudo, a partir de 1822, os representantes das câmaras
brasileiras começam a aderir à figura de D. Pedro a causa do Brasil. 187
Os encadeamentos políticos com relação à formação do Império Luso Brasileiro
afastaram cada vez mais o Brasil de Portugal. Havia o sentimento de união entre os dois reinos,
porém os grupos se articulavam em torno do príncipe regente como o “Defensor Perpétuo do
Brasil”, exigindo a sua presença e a reciprocidade política entre as duas partes do hemisfério. A
ruptura da unidade luso brasileira “aparecia como decorrência da atitude das Cortes
Constitucionais que pretendiam “fundar o seu poder na ignorância dos povos”, com a ressalva
do desejo de permanência dos vínculos fraternos com Portugal.” 188