• Nenhum resultado encontrado

1. AS MANIFESTAÇÕES DE JUNHO DE 2013: Surgimento, Desenvolvimento e

1.3. Elementos Centrais

1.3.2. A Interação entre as Redes Sociais e o Espaço Público Ocupado

A expressão #vemprarua é, talvez, o epíteto discursivo do elemento examinado neste subitem, por demonstrar de forma explícita a conexão entre os dois espaços de interação: as redes e as ruas. Nas manifestações de junho, o espaço público urbano se viu transformado não só em espaço para a reivindicação de direitos, mas também em slogan.

“Vemprarua” foi um dos temas mais comentados nas redes sociais no mês de junho, como nos aponta Malini143. Ele segue o modelo particular de classificação e disseminação de conteúdo da rede social Twitter, denominado hashtags, isto é, uma forma de categorização de mensagens em temas por meio de sua introdução com o símbolo “#”. Isto facilita a busca e disseminação desses temas nas redes. Esta hashtag, em especial, convida as redes sociais para a ocupação do espaço público urbano. Ela demonstra, metalinguisticamente, a hipótese de Castells de que os dois espaços públicos são co- implicados.

Segundo o autor, os movimentos sociais criam um espaço diferente das esferas institucionais, que se pretende visível ao interagir com os espaços da vida social urbana144.

Em suas palavras:

The public space of the social movements is constructed as a hybrid space between the Internet social networks and the occupied urban space: connecting cyberspace and urban space in relentless interaction, constituting, technologically and culturally, instant communities of transformative practice.145

Como aponta Castells, a ocupação de espaços públicos urbanos, além de ter sido um importante mecanismo histórico para a construção de direitos, produz três importantes

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

143 Fábio Malini, em palestra realizada no LABIC-UFES, Vitória, Espírito Santo, em 11 de novembro de 2013. Disponível em: <http://new.livestream.com/labmuy/events/2539635/videos/34579898> Acessado em: 30 nov. 2013.

144 Castells, 2012, p. 10. A esse respeito, vale observar o comentário de David Harvey, segundo o qual é a ocupação do espaço público que transforma a mobilização das redes em algo relevante para as transformações pleiteadas. Em suas palavras: “A praça Tahrir mostrou ao mundo uma verdade óbvia: são os corpos nas ruas e praças, não o balbucio de sentimentos no Twitter ou Facebook, que realmente importam” (HARVEY, 2012, p. 61). Discordamos de Harvey apenas no que diz respeito à diminuição do papel das redes. Associamo-nos mais a Castells, que estabelece uma relação horizontal e contínua entre os dois espaços.

efeitos: (1) a criação de comunidade, (2) o simbolismo dos espaços ocupados e (3) a construção de um novo espaço político de decisão146.

O primeiro deles (1), a criação do que ele denomina de “comunidade”, é realizado a partir do sentimento de união (ou de “estar junto”; togetherness)147. Segundo Castells, isto ajuda a promover a superação do medo individual; em suas palavras:

Overcoming fear is the fundamental threshold for individuals to cross in order to engage in a social movement, since they are well aware that in the last resort, they will have to confront violence if they trespass the boundaries set up by the dominant elites to preserve their domination.148

Esse aspecto pode ser observado claramente na atuação dos manifestantes diante da repressão policial. A organização de barricadas, mencionada anteriormente, assim como a estruturação de grupos de resistência contra os policiais (que construíam sua identidade a partir da união e da oposição com a Polícia Militar), tais como os black blocks149, são apenas um dos exemplos do efeito de superação do medo gerado pelo sentimento de comunidade.

O segundo elemento da ocupação dos espaços urbanos é a característica simbólica dos locais ocupados. Conforme adiantado no subitem 1.2.2., uma das características das manifestações foi a ocupação desses espaços, cujo significado está associado ao poder das instituições do Estado e das instituições financeiras150, assim como a seu simbolismo

histórico. O caso mais caricato da ocorrência deste segundo elemento no Brasil foi a ocupação da parte superior do Congresso Nacional em Brasília, descrita anteriormente.

Nesse sentido, Castells trabalha o significado simbólico deste empreendimento: “By taking and holding urban space, citizens reclaim their own city (...)”. Trabalharemos esta observação como uma hipótese, que será examinada no capítulo seguinte a partir do discurso das convocatórias. Esta hipótese guarda relação direta com o significado dos atos em termos da construção de direitos políticos, seja num sentido de assumir participativamente os espaços !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

146 CASTELLS, op. cit., p. 10 147 Idem.

148 CASTELLS, 2012, p. 10.

149 Sobre a organização dos black blocks, recomendamos o seguinte artigo da BBC: Carolina Montenegro. Black Blocks cativam e assustam manifestantes mundo afora. BBC. 2013. Disponível em: <http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2013/09/130822_black_block_protestos_mm.shtml> Acessado em: 30 nov. 2013.

150 No Brasil, o fundo político é mais central para as manifestações. A insatisfação com o sistema político e os representantes eleitos assume maior relevância no discurso de que o contexto econômico, por exemplo, tal qual esteve presente nos Estados Unidos durante o Occupy Wall Street. Isso não significa que os espaços simbólicos de poder econômico não fossem alvo das manifestações, como mostra a seguinte reportagem: Felipe Patury. Bancos privados perderam R$ 40 milhões com vandalismo. Fábio Campanha. 2013. Disponível em: <http://www.fabiocampana.com.br/2013/06/bancos-privados-perderam-r-40-mi-com-vandalismo> Acessado em: 30 nov. 2013.

de decisão, seja no sentido de apenas intervir para garantir alterações no sistema eleitoral. A discursividade hipotética sobre a “retomada da cidade para o povo” é um elemento relevante dessa análise, que será recuperado adiante.

O terceiro elemento descrito por Castells é a formação de um espaço político de deliberação. Segundo ele, o espaço urbano é utilizado para a realização de assembleias com o objetivo de recuperar direitos políticos, capturados nas instituições, que são estruturadas a partir da conveniência das elites dominantes e de seus valores151.

Este último elemento é também relevante para a pesquisa desenvolvida. Castells introduz este questionamento tangenciando a insatisfação popular e o sentido de construção dos direitos políticos nas manifestações em rede em todo o mundo, uma vez que identifica nas manifestações diferentes espaços de deliberação. Esta observação do autor em outros contextos será também examinada de forma mais aprofundada a partir dos elementos empíricos colhidos no Capítulo 2.