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UMA TEORIZAÇÃO INTERCULTURAL DA EDUCAÇÃO E DO MEDITERRÂNEO

2.1. Diversidade cultural e escola: educação intercultural

2.1.5. A interculturalidade e a escola do século

Perante sociedades cada vez mais plurais, importa rever as bases e experiências pedagógicas do sistema escolar com vista a garantir aos jovens competências adequadas para viver num mundo global. Isto implica, com uma visão global, promover um espírito de negociação entre todos, quer ao nível local, nacional ou regional, quer ao nível internacional, para que se definam valores comuns que uma escola para o futuro necessita no respeito das tradições e da história das diferentes culturas (Meirieu, 2006). A escola do século XXI é uma escola que assenta no intercâmbio, na comunicação, no reconhecimento das identidades, culturas e projetos pessoais, e não apenas na transmissão de uma cultura. Caracterizam-na a sua horizontalidade e atitude democrática. Deixa de ser, como o foi durante muito tempo, vertical e hierárquica (Finkielkraut, 1998).

Em face da complexidade da sociedade atual que influencia as condições de ensino e de aprendizagem pelos contextos multiculturais, a educação, de um modo geral, e a identidade da maior parte das escolas, de uma forma específica, precisam que se reformulem para considerarem, de uma forma mais consciente, a diversidade cultural (Abdallah-Pretceille, 2004b; Leclercq, 2003). Trata-se de repensar a base dos valores da educação no quadro de uma sociedade global que tem um destino comum. Neste processo, pretende-se promover uma abordagem educativa intercultural capaz de promover o diálogo, a compreensão mútua e o «viver juntos», substituindo-se, deste modo, à abordagem monocultural (e monoreligiosa) que inspira ainda, hoje em dia, os curricula escolares de numerosos países nomeadamente europeus e magrebinos. Segundo Manuela Ferreira (2003: 15):

«A Educação Intercultural se destina a todos e (…) tem como principal finalidade conciliar a unidade e a diversidade. Unidade num país, num continente, num mundo que tem um destino comum; diversidade de culturas, de identidades, marcadas pelos contextos de origem, diferenciados sob os pontos de vista geográfico, histórico e religioso. Culturas

105 que fora e dentro desses contextos de origem se vão inevitavelmente modificando ao longo do tempo, porém, de formas também diversas.»

Neste sentido, procura-se evidenciar a aprendizagem intercultural na escola como meio de romper com as alfândegas culturais que têm persistido nas relações entre os países, sobretudo, quando próximos pela geografia e pelas relações histórico-culturais, como são as relações entre a Europa do Sul e o Magrebe.

A escola é, na realidade, um dos primeiros espaços onde o jovem se encontra todos os dias diretamente confrontado com um leque de valores e visões do mundo que moldam as identidades individuais. Aí se faz o seu desenvolvimento pessoal e social (Leclercq, 2003). Quer estejamos na Europa ou no Magrebe, quer seja ela laica ou confessional, a escola, em todo o lado, apresenta certos traços comuns. Um primeiro traço prende-se com a observação de que não existe grupos de alunos homogéneos porque todos, mesmo no seio de uma mesma cultura, têm práticas, interesses e atitudes que diferem de indivíduo para indivíduo. Um segundo traço relaciona-se com as diferentes maneiras de conceber as expectativas de vida visto que procedem de diversos pontos de vista económicos, sociais, culturais e religiosos. Um terceiro traço, no nosso ver, muito importante, tem a ver com o facto de que todos os jovens trazem consigo valores e convicções da sua identidade para construírem, no seio da escola, as relações com «os outros» (Bizarro, 2006).

Nesta base, a educação intercultural, quando consideramos uma qualquer escola, apresenta-se como um tipo de educação que procura desenvolver, por um lado, uma boa compreensão das diferentes culturas e, por outro lado, a capacidade de considerar as múltiplas visões do mundo que coabitam nas atuais sociedades pluralistas (Camilleri, 1999). Preocupa-se com os interesses educativos fundamentais dos jovens, com os interesses que dizem respeito às suas aptidões cognitivas gerais, mas também com a sua preparação pessoal e sociocultural para se inserir numa sociedade global. Procura desenvolver a autonomia pessoal e o espírito crítico, a abertura à diversidade e o sentimento de fazer parte de uma coletividade com vista a criar um sentimento de

106 confiança que une todos os indivíduos, todos os cidadãos deste mundo globalizado, para além das suas diferenças morais, religiosas ou culturais. Como refere Rocha-Trindade (1996: 168): «Fazer, em suma, adquirir um posicionamento aberto e flexível, de cariz intercultural.» Um posicionamento que faz da educação intercultural, segundo Hermano Carmo (1997: 7-8), uma das áreas-chave da educação para o desenvolvimento. Para este autor, a educação intercultural integra três conjuntos de aprendizagem:

«– A aprendizagem dos elementos identitários do próprio grupo-alvo, (ou seja), uma educação para a identidade cultural; – A aprendizagem das características de grupos culturais diferentes, (ou seja), uma educação para a diversidade cultural; – Como corolário das anteriores, a aprendizagem do ecumenismo não só no sentido do diálogo inter-religiões mas entre diferentes modos de ver o Mundo e a Vida na consciência da Unidade do Género Humano.»

Constituindo-se como uma aprendizagem transversal dos conteúdos do saber, das práticas e das representações que regem as interações, a educação intercultural permite que cada aluno se sinta interessado e, portanto, motivado, visto que procura privilegiar a busca de pontos comuns no seio das diferenças reconhecendo, aceitando e compreendendo a pluralidade cultural como uma realidade de sociedade. Contribui, assim, para o fomento de uma sociedade que promove a igualdade de direito e a equidade numa perspetiva global (Pagé, 1996). A educação intercultural diz respeito a todos os alunos, sejam eles imigrantes ou autóctones, sejam provenientes de um grupo maioritário ou de minorias. Neste sentido, permite-lhes abrir-se progressivamente a outras culturas, de diferenciar sem discriminar, de reconhecer a diversidade cultural sem um julgamento desigual, de apreendê-la na base da reciprocidade das perspetivas, de combater o etnocentrismo, de estruturar a sua personalidade em termos pluralistas (Guixot, 2008; Camilleri, 1997).

Para o professor, a educação intercultural, com base num necessário desenvolvimento de competências suscitadas por um contexto globalizado de diversidade cultural, procura promover a tomada de consciência de que cada aluno dispõe de uma problemática singular e que as diferenças ou a diversidade não devem ser abordadas de uma forma monolítica, incluindo o que o professor pode considerar como

107 relevante de uma cultura (Ouellet, 2002, 1997). Esta deve ser analisada como «una pluralidad de referencias individuales o una organización de diferencias internas»132 (García Castaños e Granados Martínez, 1999: 79). Cada indivíduo tem acesso a várias culturas, mas, apenas, pode adquirir uma parte delas através da sua experiência. A sua versão pessoal da cultura, correspondente à totalidade destas partes ou identificações sucessivas, é apenas uma visão singular e subjetiva do mundo (Goodenough, 1981).

Como abordagem global, a educação intercultural conduz quer o aluno quer o professor a elaborarem competências em várias culturas permitindo-lhe construir uma visão do mundo global, ao mesmo tempo, individual e coletiva. Numa sociedade caracterizada por uma realidade pluricultural, os pontos de vista de uns e de outros podem tornar-se intercambiáveis. A escola é um espaço privilegiado para esse intercâmbio fundamental, em particular, para o desenvolvimento das relações interculturais dos jovens (Eloy, 2004). Mas sabemos que é fortemente «concorrenciada», ao nível das suas funções próprias e competências específicas, por outras instituições como os meios de comunicação social de massa ou, ainda, ao nível da transmissão dos novos conhecimentos, pelas tecnologias de informação e de comunicação como a Internet (Sanches, 2009).