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UMA TEORIZAÇÃO INTERCULTURAL DA EDUCAÇÃO E DO MEDITERRÂNEO

2.2. O Mediterrâneo e a interculturalidade

2.2.2. Repensar o Mediterrâneo para uma visão comum

A construção de uma visão comum no Mediterrâneo passa por uma redefinição dos objetivos que todos os países desta área geográfica perseguem em conjunto, muito em particular, à luz dos novos dados políticos e sociais no Mundo Árabe. Forjado por uma história e um património civilizacional comuns, o Mediterrâneo é um espaço atravessado por permanentes migrações e importantes negócios e interesses económicos e geopolíticos com repercussões no plano social, cultural e humano. Por isso, fazer do Mediterrâneo um espaço de diálogo e de confiança mútua requer um questionamento e um trabalho de reflexão sobre os reais interesses comuns.

Esse questionamento que tem no horizonte a construção de um futuro comum no Mediterrâneo passa necessariamente por ultrapassar os preconceitos, os estereótipos e

116 os mal-entendidos históricos. Isto requer a promoção de um diálogo intercultural que, na nossa perspetiva, deve consubstanciar-se, em particular, na educação. Nesta, está implícito também o diálogo entre indivíduos, essencial como processo e método de descoberta do «outro.»

A educação apresenta-se, deste modo, como uma componente estratégica das relações entre as duas margens do Mediterrâneo. Uma componente que está profundamente relacionada com a questão da juventude quando sabemos que o espaço euro-mediterrânico é, hoje, constituído pela maior geração de jovens da sua história, sendo particularmente evidente nos países da sua margem sul (Domingo e Bayona, 2008). Com este peso demográfico, os jovens constituem naturalmente um pilar essencial para construir o futuro do espaço euro-mediterrânico147.

O futuro das novas gerações neste espaço depende da implicação de todos, isto é, dos indivíduos, das instituições, dos políticos, dos agentes socioeconómicos, da sociedade civil. Depende ainda da emergência de novas forças vivas como os jovens, as mulheres, agentes do mundo da cultura, do meio universitário, da imprensa, etc., que, no ano de 2011, com os movimentos de contestação política e social, quer no Magrebe quer na Europa148, afirmaram o contributo que poderiam dar para os processos de modernização e democratização, para o diálogo intercultural e para a construção de uma visão mais solidária do Mediterrâneo. Partindo deste importante capital humano e da dinâmica de criação de novas redes e espaços de diálogos, ganha visibilidade as iniciativas suscetíveis de contribuírem para a construção de uma cidadania mediterrânica.

147 Cf. Parte I, Ponto 1.1.1. Os desafios demográficos e migratórios.

148 Detendo-nos à área mediterrânica, os ventos de indignação e de protesto sociais e políticos

marcam, primeiro, o Norte de África para depois “contagiar” e se estender à Europa do Sul (ganhando uma dimensão global traduzido no designado “Movimento dos Indignados” que, no dia 15 de outubro de 2011, se manifesta nas principais cidades de todos os continentes): Tunísia, 14 de janeiro de 2011, Ben Ali, depois de governar durante 23 anos, abandona o poder (a data de 17 de dezembro 2011, com a auto- imolação do jovem Tunisino Muhammad Bouazizi, é considerado como o ponto de partida dos protestos na Tunísia que iriam provocar a Revolução Tunisina dando início à designada “Primavera Árabe”); Egito, 11 de fevereiro de 2011, Osni Mubarak, depois de ter governado durante 30 anos, deixa o poder; Portugal, 12 de março de 2011, o Movimento dos Precários; Espanha, 15 de maio de 2011, Movimiento 15-M também chamado Movimiento dos Indignados; Atenas, 24 de maio de 2011, num contexto de grave crise económica e financeira.

117 Ao questionarmos os jovens inquiridos sobre a sua perceção do Mediterrâneo e das relações político-económicas e socioculturais entre as suas margens norte e sul, pudemos perceber, pela respetiva análise dos dados, das dificuldades de se construir uma consciência mediterrânica149. Esta passa necessariamente pelo referido trabalho de base educativo junto das novas gerações, em particular, através da escola, para fazer do Mediterrâneo um espaço de contacto, de confluência humana e civilizacional, de diálogo intercultural.

Este trabalho de base educativo remete para a necessidade de desenvolver um olhar descentralizado quando se observa e se estuda o mundo mediterrânico. Thierry Fabre et al. (2009: 7) sublinha esta necessidade para que possa beneficiar todos os países da área mediterrânica nomeadamente os países do Mediterrâneo Ocidental:

«La Méditerranée n’est pas une simple région de l’Europe, c’est un monde à part entière. Comme tous les ensembles politiques et culturels, elle résulte d’une construction historique, elle procède d’une façon de découper le temps et l’espace. La référence à la Méditerranée n’a donc pas exactement le même sens selon le lieu et le moment où l’on en parle. Il conviendrait, chaque fois, de privilégier une approche contextualisée du monde méditerranéen, qui permet de faire varier les points de vue, les échelles de temps et d’espace. Une telle approche, qui favorise la complexité et prend en compte la diversité, notamment des disciplines scientifiques (…) est une invitation à décentrer notre regard et à tenter d’échapper à une vision de la Méditerranée qui serait trop eurocentrée»150.

Fundamental e transversal em todos os níveis escolares, a educação, promovendo a sua dimensão intercultural, pode contribuir para o olhar descentralizado por questionar os sistemas educativos tradicionais, feitos para sociedades homogéneas em termos étnicos e culturais (Bureau International d’Education, 2004). A realidade multicultural das sociedades contemporâneas, fortemente marcadas pelas mobilidades humanas, nomeadamente as sociedades europeias onde existe uma forte presença de migrantes da

149 Cf. Parte I, Ponto 4.1.4. Os Jovens, o Magrebe, a Europa e o Mediterrâneo.

150 «O Mediterrâneo não é uma simples região da Europa, é um mundo completo. Como todos os

blocos políticos e culturais, resulta de uma construção histórica, possui uma forma de recortar o tempo e o espaço. A referência ao Mediterrâneo não tem assim exatamente o mesmo sentido conforme o lugar e o momento onde se fala dele. Conviria, sempre, privilegiar uma abordagem contextualizada do mundo mediterrânico, que permite fazer variar os pontos de vista, as escalas de tempo e de espaço. Uma tal abordagem, que favorece a complexidade e considera a diversidade, nomeadamente das disciplinas científicas (...) é um convite para descentrar o nosso olhar e tentar escapar a uma visão do Mediterrâneo que seria demasiado eurocentrada», T. do a.

118 área cultural arabo-muçulmana, desafia os sistemas educativos a pensarem numa realidade social quantitativa e qualitativamente pluricultural e intercultural (Khôi, 2001, 1991). Os jovens, de hoje, são os protagonistas desta nova realidade social pluricultural e intercultural (Eloy, 2004).