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UMA TEORIZAÇÃO INTERCULTURAL DA EDUCAÇÃO E DO MEDITERRÂNEO

2.2. O Mediterrâneo e a interculturalidade

2.2.1. A realidade, o presente e o futuro do Mediterrâneo

O Mediterrâneo e as suas relações políticas, económicas, sociais, culturais e humanas constituem um campo de estudos muito vasto que tem merecido uma atenção crescente por parte de muitos especialistas das Ciências Sociais142. Esta atenção crescente justifica-se pela diversidade dos fenómenos que lhe está subjacente, muito em particular, quando os espaços culturais, ocidental e europeu de matriz cristã e oriental e árabe de matriz islâmica procuram esclarecer profundos mal-entendidos e estabelecer um modus vivendi e um modus operandi consubstanciados no respeito pelas diferenças

141 «Os conceitos-chave que constituem o diálogo das civilizações, nomeadamente aqueles

relativos à edificação da cultura, da civilização e das religiões devem ser revisitados pelas organizações competentes e pelos especialistas universitários com vista a alcançar definições que podem verdadeiramente formar a base de um diálogo ainda mais avançado. A cultura deve ser considerada como sendo o quadro que reflete uma pertença local enquanto a civilização constitui-se como um fenómeno mais universal que confere um certo reconhecimento. A este título, convém focalizar-se mais nas afinidades do que nas disparidades», T. do a.

142 Em Portugal, como tivemos ocasião de o dizer na Introdução, a investigação sobre a temática

do Mediterrâneo, particularmente na sua contemporaneidade, é um campo de estudos ainda por explorar e desenvolver.

113 de identidades mas também nos aspetos em comum (Gillespie e Martín, 2007; Claude, 2007; Roque, 1997).

Vivemos num mundo marcado por uma complexidade crescente quer se trata das relações internacionais143, dos mecanismos económicos, dos avanços científicos e técnicos, quer se trata dos contatos entre povos e culturas. O mais pequeno acontecimento inscreve-se num contexto global e abrange, muitas das vezes, diferentes domínios: político, económico, social, cultural. Como nota Adriano Moreira (2010: 56): «A nossa época é caracterizada por uma interdependência total que afetou de maneira decisiva os tipos de relações e os conceitos a que elas estavam subordinadas até há poucos anos. Deixou de haver regiões, povos, governos ou acontecimentos indiferentes para o resto da humanidade. (…) Esta interdependência significa a socialização do mundo em todos os problemas globais onde a decisão humana tenha um papel a desempenhar: a fome, a explosão demográfica, a domesticação da energia atómica, a paz, são indivisíveis.»

Em suma, o mundo mudou. E se mudou, as ferramentas para a sua compreensão também mudaram. São novas referências, novos conceitos, novos atores, novos desafios. Na realidade, para compreender o mundo de hoje, complexo e múltiplo, torna- se necessário identificar e conhecer os novos e grandes desafios. São os desafios políticos, isto é, querer e saber «viver juntos.» São os desafios geopolíticos que se traduzem numa verdadeira vontade de construir a paz. São os desafios económicos e sociais porque se pretende edificar um mundo mais justo e solidário. São os desafios ecológicos porque há que salvaguardar o planeta. São os desafios culturais com a afirmação e promoção da diversidade cultural (Boniface, 2010).

Ora, estes desafios são os desafios do Mediterrâneo. Condensam-se neste espaço, feito de cruzamentos dos mais diversificados, geográficos, históricos, culturais, políticos, económicos, sociais, humanos. O Mediterrâneo é um espaço naturalmente complexo (Naïr, 1997a; Morin, 1995b). Por isso, não nos deveriam ser totalmente

143 Sobre o processo evolutivo das relações internacionais e a internacionalização dos problemas,

Adriano Moreira (2010: 57-58) enuncia a «lei da complexidade crescente da vida internacional pretendendo significar que a marcha para a unidade vem acompanhada de uma progressiva multiplicação, quantitativa e qualitativa, dos centros internacionais de diálogo, cooperação, e de decisão, e das relações entre esses centros.»

114 desconhecidos ou estranhos os impactos que é estar em contacto permanente com a diversidade e a singularidade, com a rivalidade e o diálogo (Morin, 1999).

A história do Mediterrâneo gravou, ao longo dos tempos, um conjunto diversificado de confrontos e de entendimentos (Carpentier, 2001). Mas, apesar disso, foi, é e aspira a ser, cada vez mais, um espaço de cooperação e de solidariedade, não só político e económico, mas também cultural e humano. Mas isso depende da vontade dos homens do Mediterrâneo que vivem nas suas duas margens, Norte e Sul (Fabre, 2009). Na realidade, estas duas margens conhecem-se e reconhecem-se pelas suas trocas permanentes. Mas, paradoxalmente, parecem desconhecer-se, muito em particular, nas suas componentes – humana e cultural –, aparentemente subestimadas e subavaliadas em detrimento das componentes – económica e comercial – que, apesar de trazerem consigo um fervilhar de pensamentos e comportamentos, se consubstanciam numa atitude demasiado economicista, individualista e racionalista (Vidal-Beneyetto e Puymège, 2000).

Mas, mesmo ao nível das vertentes económica e comercial, a cooperação neste espaço geográfico não tem funcionado de forma sustentada. Como vimos, a Parceria Euro-Mediterrânica tem ficado bem aquém dos objetivos definidos, num primeiro momento, com o Processo de Barcelona (1995) e, num segundo momento, com a União para o Mediterrâneo/UpM (2008)144.

Aliás, é interessante verificar pela leitura dos dados dos jovens inquiridos o seu acentuado desconhecimento sobre esta matéria da Parceria Euro-Mediterrânica, mais concretamente, sobre o Processo de Barcelona145. Este desconhecimento remete-nos para a necessidade de se repensar a forma de dar a conhecer as iniciativas de natureza política com o intuito de promover melhores relações entre as duas margens do Mediterrâneo. Entendemos que a promoção e construção de uma Parceria Euro- Mediterrânica não pode circunscrever-se ao nível dos decisores políticos e económicos sem que haja efetivamente um trabalho de base, educativo e cultural, no sentido de se compreender o verdadeiro alcance de uma cooperação desta natureza que envolve

144 Cf. Parte I, Ponto 1.1.2. Os desafios políticos e económicos.

145 Cf. Parte II, Ponto 4.1.4. e Cf. Perguntas P. 31, P.32 e P. 33 e Gráficos 4.40, 4.41 e 4.42 –

115 países tão diferentes entre si mas também tão próximos por aquilo que o Mediterrâneo representa como matriz civilizacional comum. Para todos eles, de uma forma ou de outra, o Mediterrâneo é um mar de confrontos e ruturas, de intercâmbios e de influências recíprocas. É um espaço feito de mestiçagem e da fertilização cruzada de culturas (Carpentier e Lebrun, 2001).

Mas, como já aqui o dissemos, as alfândegas ainda persistem, sobretudo, culturais. Se os dados dos jovens inquiridos mostram que, de uma maneira geral, estes atribuem uma importância em aprender, mais e melhor sobre o Mediterrâneo, embora mais evidente para os jovens magrebinos, ainda falta uma verdadeira vontade, por parte dos responsáveis dos sistemas educativos desta região, em evidenciar mais o que de há de comum do que há de diferente (Tawil, Akkari e Azami, 2010). São de sublinhar as duas principais razões apontadas pelos jovens inquiridos para reforçar essa evidência. Uma primeira razão é porque o estudo do espaço mediterrânico pela sua diversidade cultural e religiosa pode promover o diálogo intercultural. Uma segunda razão indica que o Mediterrâneo é, por excelência, um espaço de encontro de culturas, característica do nosso mundo globalizado146.