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SOCIEDADE, ESCOLA E TECNOLOGIA NO SÉCULO

2.3 A INTERDISCIPLINARIDADE E A ESCOLA

".. .A interdisciplinaridade não é qualquer coisa que nós tenhamos que fazer. E qualquer coisa que se está a fazer quer nós queiramos ou não." Olga Pombo

No ponto anterior assumimos a ideia de reformar ou religar o conhecimento, integrando e articulando os saberes, contextualizando-os. ZABALA (1999) chamou este processo de métodos globalizados, alertando para o facto de corresponderem não a algo completamente novo, mas antes a algo sintonizado com uma tradição milenar. Segundo o autor "desde os primeiros filóso- fos gregos até meados do século XIX, a unidade do conhecimento foi um princípio director no estabelecimento dos diferentes currículos. Os sofistas gregos já haviam definido o programa de uma enkuklios paideia, ensino curricular que devia levar o aluno a percorrer as disciplinas consti- tutivas da ordem intelectual centradas no desenvolvimento humano entendido como um todo".

Platão, defendeu igualmente a educação como uma arte para desenvolver integralmente o ser humano. Michelet, citado por ZABALA (1999), em 1825, afirmava o seguinte:

"A ciência é una; a língua, a literatura e a história, a física, a matemática e a filosofia, os conhecimentos mais distanciados aparentemente tocam-se realmente, mais ainda, formam todo um sistema do qual a nossa debilidade apenas permite considerar sucessivamente as suas diferentes partes. Um dia vocês poderão compreender essa majestosa harmonia das ciências."

Neste sentido, os métodos globalizados, defendidos por Antoni Zabala, podem ser com- preendidos a partir destas concepções, como métodos em que as disciplinas se integram pela riqueza das diferenças.

Na escola do futuro, marcada pelo conhecimento em rede, e mesmo naquela que hoje já se nos afigura, a prática interdisciplinar torna-se assim numa necessidade, devendo a aprendizagem ser vista à escala global, tendo em consideração outros agentes, como a família, os mass-media ou os múltiplos grupos sociais, agora vistos a uma escala "transnacional, onde as considerações de língua, nacionalidade ou bandeira se esbatem."

Vivemos num mundo marcado pelo paradigma da globalidade e complexidade, o que torna impossível continuar a separar as partes do todo. A informação circula em constante fluxo onde nada é definitivo e o conhecimento, dantes constituído por blocos fixos e imutáveis, passa a poder considerar-se conhecimento em rede (MORAES, 2005).

O movimento da interdisciplinaridade surge na Europa, principalmente em França e Itália, em meados da década de 60, como reacção à crescente especialização do conhecimento científi- co. Pensava-se já então, que estávamos a correr o risco de nos separarmos do conhecimento como totalidade. Desde o seu surgimento até aos dias de hoje, tem existido alguma dificuldade em definir claramente o que é isso de interdisciplinaridade, sendo que, diferentes autores têm também diferentes perspectivas sobre a mesma. Por outro lado, ao longo deste tempo, tem-se feito um uso abusivo do conceito, tendo-se tornado mesmo um fenómeno de moda. Qual o pro- jecto arrojado, ou reforma, inclusive a do sistema educativo, que não prevê a interdisciplinarida- de? O que tem acontecido, a maior parte das vezes, é que esta não passa de simples animação cultural ou de um termo que justifica a necessidade de trabalhar em equipa, não sendo para isso estabelecida uma verdadeira metodologia que lhe poderia dar o sentido de que necessita (POM- BO, 2004).

Como dissemos, não existe na literatura especializada uma definição unívoca para a inter- disciplinaridade, sendo que os diferentes autores apresentam igualmente diferentes perspectivas, que vai desde a simples cooperação entre disciplinas ao seu intercâmbio mútuo e integração recí- proca; de uma interligação capaz de romper a estrutura de cada disciplina e alcançar uma axiomá- tica comum até à visão de Jean Piaget ou G. Palmade. Desta forma tornou-se difícil encontrar um consenso.

Das diferentes definições traremos para aqui aquelas que por corresponderem a diferentes graus de relação, parecem ser nos dias de hoje, mais ou menos consensuais. Assim temos:

• Multidisciplinaridade. Corresponde à organização tradicional dos conteúdos, em que as matérias se apresentam independentes umas das outras;

• Pluridisciplinaridade. Corresponde à existência de relações entre disciplinas cujos conteúdos são mais ou menos afins;

• Interdisciplinaridade. Corresponde à interacção entre duas ou mais disciplinas, podendo mesmo em alguns casos, originar um novo corpo disciplinar. É frequente encontrar esta concepção na área das ciências sociais e do ensino;

• Transdisciplinaridade. É o grau máximo de relação entre disciplinas permitindo uma interpretação unificada dos conteúdos, explicando a realidade sem fragmentá- la. Actualmente corresponde mais a um desejo do que a uma realidade (ZABALA, 1999);

• Metadisciplinaridade. Corresponde a uma aproximação ao objecto de estudo, pres- cindindo da estrutura disciplinar.

Embora não esteja ainda consolidada uma verdadeira pedagogia da interdisciplinaridade, ou esteja determinado de forma rigorosa aquilo que ela é enquanto modo de investigação, exis- tem algumas práticas que a caracterizam (POMBO, 2004):

• Práticas de importação. São práticas decorrentes dos limites sentidos no interior das disciplinas. Consiste na "importação" de conceitos, métodos e instrumentos já provados noutras disciplinas;

• Práticas de cruzamento. Consiste em práticas que tendo a sua origem numa deter- minada disciplina, irradiam para outras, invadem outros domínios; Trata-se da abertura intrínseca de cada disciplina a todas as outras e da disponibilidade para se deixar cruzar e contaminar;

• Práticas de convergência. Neste tipo de práticas, a interdisciplinaridade passa não tanto pela concertação prévia de uma metodologia, mas pelo convite à convergên- cia de perspectivas em torno de um determinado objecto de análise; Trata-se de um tipo de interdisciplinaridade que não implica modificações estruturais nas discipli- nas envolvidas;

• Práticas de descentração. São práticas que não são passíveis de ser resolvidas den- tro dos limites das disciplinas tradicionais, envolvendo geralmente um número heterogéneo e gigantesco de dados e uma rede alargada de cooperantes. Um bom exemplo, são as questões relacionadas com o ambiente e particularmente com a Ecologia;

• Práticas de comprometimento. Estão relacionadas com as grandes questões da humanidade, que rapidamente se afirmam não caber nos limites de qualquer disci- plina. Questões acerca do sentido da existência, do ser humano, da célula ou do conceito de nação, só a título de exemplo, são áreas tão vastas que não se enqua- dram em qualquer ordem disciplinar.

A interdisciplinaridade, ainda que esteja proposta na lei de bases, por exemplo, do sistema de ensino português, e corresponda a uma aspiração emergente entre alguns professores, tem ainda um longo caminho a percorrer na tentativa de se afirmar como um meio válido e passível de ser utilizado plenamente no ensino. Aliás, como este estudo o irá provar, são muitas as dificul- dades existentes quando se quer implementar um projecto interdisciplinar no nosso tipo de esco- la. Surgem geralmente duas tipologias de dificuldade: as dificuldades intrínsecas, que se relacio- nam com a própria natureza da actividade e as extrínsecas, que estão ligadas ao meio onde se desenvolvem essas mesmas actividades (DELATTRE, 1990).

Dentro das dificuldades intrínsecas, temos a falta de uma pedagogia da interdisciplinarida- de, que articule a base teórica e os métodos necessários à sua implementação; por outro lado, temos a natureza disciplinar do conhecimento, em que todos formos formados, que para além de exigir dos intervenientes vastos conhecimentos em diferentes áreas, exige a capacidade de síntese necessária à sua real articulação.

Quanto às dificuldades extrínsecas, temos antes de mais, as de ordem institucional, que para além de muitas vezes sofrerem de um processo de acomodação que dificulta tudo que é novo, corresponde também uma estrutura claramente organizada para a ordem disciplinar, sendo extraordinariamente difícil fazer algo que não se limite exclusivamente à sala de aula tradicional.

Aliás, a forma como as escolas foram construídas reflectem precisamente o paradigma de aquisi- ção de conhecimento dentro dessa mesma ordem disciplinar; uma outra dificuldade está relacio- nada com o facto de a escola se organizar de forma segmentada em termos temporais, espaciais e curriculares.

Destas dificuldades podemos inferir que para que a interdisciplinaridade pudesse realmente existir nas escolas, não bastaria a boa vontade dos actores intervenientes, nem sequer uma boa formação na área da interdisciplinaridade, seria igualmente necessário uma reorganização curricu- lar profunda e mesmo o derrubar de algumas paredes, que aqui não são expressas no seu sentido metafórico, mas sim literal. Sobretudo seria necessária uma atitude interdisciplinar perante o conhecimento, baseada na "curiosidade, vontade de saber, interesse real por escutar o que o outro tem para dizer, gosto pela colaboração, pela cooperação, pelo trabalho em comum, dispo- nibilidade para abandonar a segurança do seu domínio próprio, para interromper o conforto da sua linguagem técnica, para se aventurar em campos — lavrados por muitos, é certo — mas de que ninguém é proprietário exclusivo" (POMBO, 2004).

Sabemos que este caminho pode ser difícil, ou mesmo tortuoso, e que as expectativas e os desafios são muito grandes. No entanto, essa não será razão para desistirmos, bem pelo contrário, porque acreditamos que a interdisciplinaridade é possível e necessária. Avançamos com este estu- do, convictos do pouco que podemos fazer, mas fazendo, contribuindo, assim, para o desbravar dos novos caminhos da ciência e da educação em particular.

2.4 A ESCOLA E AS TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E COMUNI-