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A internação compulsória no âmbito das políticas públicas de

2 POLITICAS PUBLICAS RELACIONADAS AO CONSUMO DE CRACK:

2.2 O crack como problema nacional: a União reage ao consumo da

2.3.2 A internação compulsória no âmbito das políticas públicas de

As críticas dirigidas ao papel da internação compulsória no âmbito do programa estadual são calcadas no argumento de que isso é feito de maneira massiva e não levando em conta a autonomia dos usuários. Ora, é fato que o referido tratamento deverá ser aplicado para casos específicos, não havendo como ser utilizado de maneira massiva, sob pena de ofensa à liberdade de autodeterminação dos usuários que não necessitam do tratamento.

Pois bem. Cabe registrar que a internação compulsória tem como base legal a Lei nº 10.216/2011, que a enquadra como uma espécie de internação psiquiátrica, em que o profissional médico competente deverá necessariamente indicá-la como o tratamento mais adequado para aqueles pacientes/usuário considerados portadores de algum transtorno mental e para os quais os outros tratamentos não surgem como uma alternativa viável.

Em verdade, a Lei nº 10.216/2001 coroou um processo de combate ao tratamento psiquiátrico calcado em manicômios. A partir desse diploma legal os indivíduos que possuíssem alguma enfermidade mental não poderiam ficar indefinidamente recolhidos para tratamento psiquiátrico. E mais, estabeleceu-se que ordinariamente o tratamento deveria ocorrer primordialmente em ambulatórios. Foi nesse contexto que surgiram pelo país os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), que assumiram o papel de protagonistas no tratamento psiquiátrico217.

Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) contam com equipes de profissionais com especialização em diversas áreas do conhecimento, o que possibilita que prestem atendimento multidisciplinar e complementar, auxiliando o dependente no tratamento, reabilitação e reinserção na sociedade. Os CAPS estão disciplinados pela Portaria nº 3.088, de 23 de dezembro de 2011, do

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DELGADO, P. G. et al. Reforma psiquiátrica e política de saúde mental no Brasil. In: MELLO, Marcelo F. de; MELLO, Andrea de Abreu F. de; KOHN, Robert. (Orgs). Epidemiologia da Saúde Mental no Brasil. Porto Alegre: Artmed, 2007, p. 59-60.

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Ministério da Saúde, que instituiu a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS)218.

Para aqueles que defendem a internação compulsória como tratamento a ser aplicado a usuários de drogas em situação de rua que tenham indicação médica e não o façam de maneira voluntária, é um erro se priorizar a reabilitação psicossocial em detrimento do tratamento, sob a equivocada ideia de que o controle e superação do vício é algo que possa ser ensinado a quem possui um transtorno psiquiátrico. Em tais casos, haveria o risco concreto desses pacientes não conseguirem superar seus problemas com as drogas, tornando a presença deles no sistema perene 219.

De qualquer sorte, a internação compulsória deverá ser determinada pelo Judiciário, podendo ser dividida entre as de natureza criminal e as de natureza cível. A primeira se destina aos indivíduos que cometam algum tipo de delito, para o qual o magistrado entenda cabível a aplicação de medida de segurança que imponha a hospitalização e tratamento compulsório em hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico.

No que se refere ao tratamento compulsório decorrente de delito que envolva o uso de entorpecentes, o art. 10 da Lei nº 6.368/1976220, que dispunha que a internação hospitalar seria obrigatória quando a dependência do autor do delito impusesse tal tratamento, foi revogado juntamente com o restante do mencionado diploma legal. Assim, com a vigência da Lei nº 11.343/2006, houve uma reviravolta no que se refere à opção pelo tratamento

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BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº 3.088, de 23 de dezembro. Institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde. BRASIL. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 21 mai. 2013. Seção 1, p. 38.

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Não por isso, os autores alertam que há o risco de que o atual modelo de tratamento psiquiátrico do país venha a repetir os mesmo erros que existiam antes da reforma. PINTO, Alessandra Teixeira Marque; FERREIRA, Arthur Arruda Leal. Problematizando a reforma psiquiátrica brasileira: a genealogia da reabilitação psicossocial. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 15, n. 1, p. 27-34, mar. 2010.

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art. 10. O tratamento sob regime de internação hospitalar será obrigatório quando o quadro clínico do dependente ou a natureza de suas manifestações psicopatológicas assim o exigirem. BRASIL. Lei 6368, de 21 de outubro de 1976. Lei de Entorpecentes. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 22 de out. 1976. Seção 1, p. 14039.

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com restrição de liberdade. Agora, caberá ao Estado colocar à disposição do infrator, sem custos, preferencialmente, tratamento ambulatorial em estabelecimento de saúde221.

No que tange às internações compulsórias de natureza cível, estas também decorrem de ordens judiciais proferidas, em regra, após solicitação de algum familiar que não conseguiu que o Estado espontaneamente prestasse o serviço222, seja por simples negativa injustificada, seja por não disponibilizar o tratamento na rede pública de saúde. Neste último caso, o Estado acabará sendo obrigado a custear o tratamento em algum estabelecimento da rede médica privada.

Com efeito, ainda que exista uma determinação judicial ou decisão proferida pela autoridade administrativa, o médico deverá fazer uma avaliação caso a caso e, se porventura concluir que não há indicação de internação psiquiátrica, não emitirá laudo médico favorável sob pena de abdicar de sua autonomia profissional, além de incorrer em falta ética grave passível de punição pelo órgão de classe ao qual pertence. Desse modo, como a norma impõe laudo médico que exponha as causas que justifiquem a internação, a inexistência dele inviabilizará o procedimento médico223.

Para que a internação compulsória seja justificável, sobretudo nos casos em que o dependente tem a capacidade de escolha reduzida ou completamente eliminada pelo vício, deverá se verificar se esta situação gera risco considerável para o próprio paciente ou para terceiros, mormente quando presente o quadro de agitação psicomotora, agressividade e a intenção de se autolesionar ou de se auto-exterminar224.

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art. 28 [...]

§7º O juiz determinará ao Poder Público que coloque à disposição do infrator, gratuitamente, estabelecimento de saúde, preferencialmente ambulatorial, para tratamento especializado. .

BRASIL Vade-mécum saraiva. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 1737. 222

TABORDA, José; BARON, Ana Lúcia Duarte; PESSETTO NETO, Luigi. Aspectos ético-legais nas emergências psiquiátricas. In: QUEVEDO, João; CARVALHO, André F. (Org.).

Emergências psiquiátricas. 3. ed. Porto Alegre: Artmed., 2014, p. 69-86. 223

TABORDA, José; BARON, Ana Lúcia Duarte; PESSETTO NETO, Luigi. Aspectos ético-legais nas emergências psiquiátricas. In: QUEVEDO, João; CARVALHO, André F. (Org.).

Emergências psiquiátricas. 3. ed. Porto Alegre: Artmed., 2014, p. 69-86. 224

DUARTE, Carolina Gomes et. al. Internação psiquiátrica compulsória: a atuação da Defensoria Pública do Estado de São Paulo. Revista da Defensoria Pública, São Paulo, v. 5, n.1, 2012, p. 168.

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Na eventualidade do médico apontar a necessidade da internação, deve se entender que o referido tratamento não é um fim em si mesmo, ao contrário, ele será apenas uma etapa de um tratamento mais longo225, que iniciará com o dependente recolhido em um estabelecimento de internação. Posteriormente, com a melhora do quadro de saúde e a recuperação da consciência e autodeterminação do indivíduo, este receberá alta da internação, mas deverá continuar o tratamento, sob forma diversa, mas igualmente importante.

Nesse desiderato, ao contrário do que alguns imaginam, ou desejam, a reforma psiquiátrica que culminou com a Lei Federal nº 10.216/2001 não eliminou a internação como opção de tratamento, ao contrário, ela consta expressamente em seu texto, obviamente como a derradeira alternativa, quando as outras formas de tratamento se mostraram insuficientes.

Portanto, não há como se taxar de plano as internações compulsórias feitas no âmbito do programa estadual paulista de irregulares. Afinal, para que elas ocorram, além de indicação médica, deverá haver decisão judicial, o que impõe a participação de importantes atores públicos, destacando-se o Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública226.

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Atualmente várias abordagens de tratamento para dependência de cocaína e crack no Brasil vêm sendo discutidas, porém existem muitas controvérsias sobre qual abordagem demonstra maior efetividade na literatura científica. Há um consenso de que a dependência de crack exige um tratamento difícil e complexo, pois é uma doença crônica e grave que deverá ser acompanhada por longo tempo. KESSLER, Felix; PECHANSKY, Flavio. Uma visão psiquiátrica sobre o fenômeno do crack na atualidade. Revista de psiquiatria do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, v. 30, n. 2, p. 96-98, ago. 2008. Disponível em < http://www.scielo.br/pdf/rprs/v30n2/v30n2a03>. Acesso em: 23 fev. 2014.

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Foram assinados três termos de cooperação técnica: um com Tribunal de Justiça de SP para a instalação de um anexo do tribunal no CRATOD, em regime de plantão (9h às 13h, de segunda a sexta-feira), com o objetivo de atender as medidas de urgência relacionadas aos dependentes químicos em hipóteses de internação compulsória ou involuntária, com a presença inclusive de integrantes da Defensoria Pública; outro termo com o Ministério Público, com o objetivo de permitir que promotores permaneçam acompanhando o plantão do Judiciário. E um terceiro, com a OAB, para que a entidade coloque, de forma gratuita e voluntária, profissionais para fazer o atendimento e os pedidos nos casos necessários. “Entenda o que é a internação compulsória para dependentes químicos.” Disponível em :http://www.saopaulo.sp.gov.br/spnoticias/lenoticia.php?id=225660&c=6. Acesso em: 01 fev. 2015.

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2.4 Conclusão parcial

O presente capítulo buscou discutir a questão das políticas públicas voltadas ao enfrentamento do crack. Para tanto, fez-se necessária a apresentação de alguns conceitos acerca da própria política pública e de temas que são correlato a ela, tais como planejamento, projeto e planos.

Registra-se que, ainda que o problema das drogas não seja novo, apenas recentemente, ao final do Século XX, é que o Brasil conseguiu formular uma política pública nacional relativa aos entorpecentes, que tem a vantagem de não se limitar a pensar o problema do crack pelo enfoque da segurança pública, mas também dando destaque a aspectos educativo e de saúde pública.

Isso não significa que tenhamos conseguido desenvolver políticas públicas integradas entre todos os entes da federação, ao contrário, o que se verifica são a implementação de políticas públicas diversificadas, que poderiam ser aplicadas em conjunto, o que levaria a maior efetividade e eficiência, mas que acabam refletindo as divergências políticas de seus governantes.

No presente capítulo, cuidou-se de apresentar as políticas públicas executadas pela União, pelo governo paulista e pelo governo paulistano, ficando claro que o programa federal opta por uma política mais genérica e padronizada, de mondo que a mesma concepção pensada para a realidade de uma cidade como São Paulo será aplicada a uma cidade como Boa Vista, variando, quando muito, a quantidade de recursos financeiros e materiais. No que diz respeito aos programas desenvolvidos na cidade de São Paulo pelos governos estadual e municipal, a integração encontra maior obstáculo em relação às divergências políticas, do que na realidade dos fatos.

Bastante interesse é o fato de que os dois programas apontam informações para comprovar sua eficiência, mas não apresentam nenhum estudo nesse sentido, demonstrando o que está sendo feito de correto e o que precisa ser ajustado.

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