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Definição dos atores que atuam na fase anterior à internação

4. A COMPREENSÃO DOS LIMITES DA INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA A

4.2. A Delimitação dos casos de internação compulsória dos usuários de

4.1.2 Definição dos atores que atuam na fase anterior à internação

compulsória, deve-se definir a quem caberá a responsabilidade de dar início ao processo judicial, apresentando o caso do usuário dependente químico em crack e que se encontra em situação de rua para a análise do magistrado competente, de modo que, atendidas as exigências legais, seja deferida a internação compulsória. De pronto, entende-se salutar que o Judiciário não assuma qualquer incumbência em momento anterior ao ajuizamento do feito, sob.

Do contrário, poderiam ocorrer conflitos de interesses e comprometimento da imparcialidade, ainda que não conscientemente. Nesse sentido, parece mais adequado que não só o magistrado, mas o corpo técnico do tribunal se mantenha afastado da questão até que esta comece a ser discutida no âmbito do processo judicial. Aliás, no que se refere aos serviços do judiciário, esse distanciamento é ainda mais aconselhável em relação aos profissionais que serão responsáveis pela elaboração de avaliações e laudos técnicos que auxiliarão o magistrado no momento de proferir a decisão.

De igual modo, ainda que legalmente o Ministério Público esteja autorizado a formular pedido de internação compulsória de usuários de crack em situação de rua, especialmente nos processos que buscam velar pelos interesses dos incapazes, entende-se que isso não seria o ideal no caso de políticas públicas como a Programa Recomeço, que está estruturada para atender todos os casos de dependência e dá os encaminhamentos necessários, contando para isso com equipes especializadas, sobretudo na área de saúde e de assistência social .

É claro que em certos casos específicos o parquet não apenas pode, mas deverá fazê-lo, pois o incapaz não deve ser exposto a riscos. No entanto, como no caso do Judiciário, existindo alternativa que efetivamente garanta a

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proteção dos usuários no âmbito de uma política pública direcionadas à população de rua, como é o caso do Programa Recomeço, a atuação do Ministério Público chamando para si a incumbência de ajuizar o pedido de internação compulsória não é a melhor opção.

Isso não significa que o Ministério Público será alijado do processo no qual se pleiteia decisão que autorize o tratamento, mas sim que será garantida a necessária equidistância para que possa analisar os argumentos favoráveis à internação e aqueles que se opõem, podendo velar para que os interesses do usuário incapaz sejam protegidos, o que tanto poderá ocorrer por intermédio de uma manifestação favorável ao tratamento, como por manifestação contrária, a depender do caso concreto378.

É importante destacar que a atuação do Ministério Público não estará limitada ao processo judicial, muito pelo contrário, sua atuação extrajudicial terá grande importância para que a política pública cumpra o papel de atender as necessidades específicas de cada usuário, não apenas no que se refere à saúde e à assistência social, mas a todos os serviços públicos que se façam necessário à concretização de políticas públicas379.

A verdade é que o Estado possui em sua estrutura administrativa e em seu quadro de servidores públicos os profissionais capacitados e os órgãos com as atribuições necessárias para assumirem essa incumbência com maior desvelo. Por isso, parece mais lógico e sensato que a atribuição de indicar ao Judiciário quais os dependentes químicos em crack, ou qualquer outra droga,

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Em resposta a consulta feita com fundamento na Lei de Informação, a Dra. Fernanda Dolce, titular da 14ª Promotoria de Justiça da Infância e da Juventude da Capital, com atuação no Anexo Judiciário do CRATOD, fez questão de frisar que, “ desde que observados os limites da Lei 10.216/01, sempre como medida excepcional, como ato médico (respaldada por laudo médico), não sou contrária à internação, quer seja voluntária, quer seja involuntária, quer seja compulsória.”

379 “Em linhas gerais, o MP é uma instituição dinâmica de garantia e efetivação de direitos, haja vista não precisar ser provocado para atuar em prol de sua concretização. Principalmente em relação aos direitos prestacionais, isto é, direitos que exigem a atuação do Estado para concretizá-los por meio de políticas públicas, a possibilidade de agir independentemente de provocação possibilitou ao MP ocupar um espaço singular no plano da efetivação de direitos. No caso da saúde, a título de exemplo, a falta de medicamentos nos postos, a insuficiência de leitos nos hospitais, os custos dos tratamentos de alta complexidade e as deficiências nas políticas públicas se constituem como desafios e problemas sensíveis. Tais problemas, em virtude de sua forte associação ao direito à vida, primam por soluções céleres, o que amplia a relevância da atuação do Ministério Público nessa seara.” ASENSI, Felipe Dutra. Indo além da judicialização: o ministério público e a saúde no Brasil. Rio de Janeiro: FGV, 2010, p. 64-65.

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que não são passíveis de tratamento ambulatorial ou que não se enquadram nas demais modalidades de internação, que não seja a compulsória, seja conferida aos profissionais dos serviços socioassistenciais ou àqueles pertencentes aos serviços de saúde380, cuidando em relação a estes últimos que não sejam os responsáveis pelos laudos médicos que embasarão os processos.

Isso é ainda mais verdadeiro ao se compreender que no dia-a-dia das ruas, a presença constante e próxima aos usuários que vivem nelas, sobretudo daqueles reunidos em cracolândias, é dos profissionais listados acima. Logo, são esses profissionais que poderão verificar com maior cuidado e precisão as especificidades e as necessidades inerentes a cada um dos usuários que encontram, auxiliando e orientando os mais receptivos para os tratamentos adequados e observando quem realmente apresenta quadro de saúde que possa ser enquadrado nas hipóteses de internação compulsória381.

Em realidade, no que diz respeito aos usuários de crack em situação de rua, há uma conjugação de esforços, pois é bastante comum que os primeiros contatos sejam feitos pelos assistentes sociais, que a partir de uma avaliação prévia direcionarão os usuários para os serviços públicos adequados. Assim, é normal que o usuário de crack chegue ao profissional de saúde por intermédio do assistente social.

No caso da política pública desenvolvida pelo governo do Estado de São Paulo, que conta atualmente com aproximadamente 200 profissionais das áreas de saúde e assistência social, conforme informação prestada pela Coordenação de Políticas sobre Drogas382, o usuário de crack é levado de

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É necessário ressaltar que a internação compulsória é vista como algo a ser evitada pela maioria dos profissionais de saúde e de serviços sociais, sofrendo forte rejeição, sobretudo, quando integra programa de internação de usuários de drogas em situação de rua. Por isso, como amplamente discutido neste trabalho, a opção por esse tratamento será marginal, apenas para casos em que não haja qualquer possibilidade de se oferecer outras alternativas de tratamentos. Consequentemente, nada melhor do que integrar esses profissionais às políticas públicas de enfrentamento ao crack, o que aumenta a chance de que as internações compulsórias somente sejam aplicadas quando realmente forem necessárias.

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SCISLESKI, Andrea Cristina Coelho; MARASCHIN, Cleci. Internação psiquiátrica e ordem judicial: saberes e poderes sobre adolescentes usuários de drogas ilícitas. Psicologia em

Estudo, Maringá, v. 13, n. 3, p. 457-465, set. 2008. Disponível em:

<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-73722008000300006&lng=en& nrm=iso>. Acessado em 09 jun. 2015.

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Em resposta aos questionamentos formulados com base na Lei de Informação, o Programa Recomeço informou, em 10 de setembro de 2015, que a política pública conta com

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maneira voluntária ao CRATOD pelo assistente social que o abordou nas ruas, ocasião em que se submeterá a avalição médica, que poderá concluir pela necessidade da internação.

Competirá aos profissionais de saúde dá início ao processo judicial383, cuja decisão precisa ser proferida o mais rápido possível, pois não há como manter o usuário contra a vontade dele. Assim, em nenhuma hipótese o usuário poderá ser constrangido a permanecer no local, podendo se retirar quando assim deseja, a não ser que seja proferida a decisão que determine a internação compulsória.

4.2 A internação compulsória como recurso necessário: compatibilização entre