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Conceituação e tipologia dos atores relacionados às políticas

2 POLITICAS PUBLICAS RELACIONADAS AO CONSUMO DE CRACK:

2.1 Aspectos teóricos e práticos das políticas públicas de enfrentamento

2.1.1 Conceituação e tipologia dos atores relacionados às políticas

As políticas públicas126 objetivam uma atuação especifica e organizada para fazer frente a questões identificadas como relevantes. Não por outro, devem observar diretrizes previamente estabelecidas ao concretizarem o enfrentamento de problemas públicos específicos127. Para que isso seja possível, precisam ser planejadas e executadas dentro de uma sequência lógica que se inicia a partir da identificação do problema a ser enfrentado, passando pela análise das opções e atividades necessárias para se alcançar respostas que sejam satisfatórias, culminando com as ações que deverão se colocadas em prática para a obtenção das soluções possíveis.

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MARIANO, Jefferson. Políticas públicas e o pacto federativo. In: CIANCIARULLO, Tamara Iwanow; PANHOCA, Ivone; BONINI, Luci Mendes de Melo (Org.). Políticas públicas: estudos e casos. São Paulo: Ícone, 2014, p. 74.

126“Um primeiro passo para se discutir política pública é compreender o conceito de ‘público’. As esferas que são rotuladas como públicas são aquelas que estão em oposição a outras que envolvem a ideia de ‘privado’. O público compreende aquele domínio da atividade humana que é considerado necessário para a intervenção governamental ou para a ação comum. Fazem referência a esse âmbito comum muito termos utilizados com frequência, tais como: interesse público; setor público; opinião pública; saúde pública entre outros. O conceito de política pública pressupõe que há uma área ou domínio da vida que não é privada ou somente individual, mas que existe em comum com outros. Essa dimensão comum é denominada propriedade pública, não pertence a ninguém em particular e é controlada pelo governo para propósitos públicos. DIAS, Reinaldo; MATOS, Fernanda. Políticas públicas: princípios, propósitos e processos. São Paulo: Atlas, 2012, p. 11.

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SECCHI, Leonardo. Políticas públicas: conceitos, esquemas de análise, casos práticos. São Paulo: Cengage Learning, 2010, p. 2.

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A compreensão do que sejam políticas públicas passa necessariamente, o que não deixa de ser lógico, pelo conhecimento de definições e conceitos que possam explicar de maneira objetiva e sucinta o tema. No entanto, deve se alertar que não há consenso sobre uma definição que esclareça de maneira definitiva o que são políticas públicas128. De acordo com Leonardo Secchi129, isso decorreria do fato de que algumas questões essenciais são respondidas de maneira diferente, com isso, não haveria como as definições formuladas a partir dessas respostas encontrarem um sentido comum e muito menos que satisfaça a todos.

Ora, ainda tomando por base o ensinamento do referido autor, entre os pontos que dificultam a formulação de uma definição sobre o tema encontra-se a divergência existente entre aqueles que entendem que as políticas públicas são em essência frutos da atuação e elaboração de atores estatais130 e aqueles que defendem que os atores não estatais também participariam do processo de formulação e implementação das políticas públicas.

Maria Paula Dallari Bucci131 compreende política pública a partir da perspectiva da atuação estatal. Não por outro, a autora aponta que a política

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Diante da pluralidade de conceitos, Paula Arcoverde Cavalcanti formula uma síntese a partir de vários conceitos. De acordo com a autora, “política pública é um curso de ação ou inação, escolhido por autoridades públicas para focalizar um problema, que é expressada no corpo das leis, regulamentos, decisões e ações de governo. A política pública está relacionada com as intenções que determinam as ações de um governo; com o que o governo escolhe fazer ou não fazer; com as decisões que têm como objetivo implementar programas para alcançar metas em uma determinada sociedade; com a luta de interesses entre o governo e sociedade; ou ainda, com atividades de governo, desenvolvidas por agentes públicos ou não, que têm uma influência na vida de cidadãos.” CAVALCANTI, Paula Arcoverde. Sistematizando e comparando os enfoques de avaliação e de análise de políticas públicas: uma contribuição para a área educacional. 2007. 289 f. Tese (Doutorado) - Faculdade de Educação, Universidade de Campinas, Campinas, 2007. p. 20.

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SECCHI, Leonardo. Políticas públicas: conceitos, esquemas de análise, casos práticos. São Paulo: Cengage Learning, 2010. p. 2.

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Maria Paula Dallari Bucci entende política pública a partir da perspectiva da atuação estatal. Não por outro, a autora aponta que [...]política pública é definida como um programa ou quadro de ação governamental, porque consiste num conjunto de medidas articuladas (coordenadas), cujo escopo é dar impulso, isto é, movimentar a máquina do governo, no sentido de realizar algum objetivo de ordem pública ou, na ótica dos juristas, concretizar um direito. BUCCI, Maria Paula Dallari. O conceito de políticas públicas em direito. In: BUCCI, Maria Paula Dallari (Org). Políticas públicas: reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 1-50.

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BUCCI, Maria Paula Dallari. O conceito de políticas públicas em direito. In: BUCCI, Maria Paula Dallari (Org). Políticas públicas: reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 1-50.

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pública nada mais é do que um conjunto articulado de medidas que tem o escopo de impulsionar a máquina governamental, de modo que ao final seja realizado objetivo de ordem pública ou concretizado um direito. Nesse sentido, para a autora política pública pode ser “definida como um programa ou quadro de ação governamental”.

De acordo com Secchi132, a perspectiva estatista ou estadocêntrica parte da ideia de que o processo decisório e de liderança deverá está nas mãos dos atores estatais, reconhecendo aos atores não-estatais, quando muito, a possibilidade de influenciarem a elaboração e implementação da política pública. Isso seria ainda mais justificado no caso brasileiro, no qual o intervencionismo estatal é uma tradição de longa data.

Entendimento diverso é seguido por aqueles que defendem a concepção multicêntrica133, na qual o protagonismo não é o elemento central para se qualificar uma política como pública134 ou não, mas sim se o problema a ser enfrentado é público. Logo, por essa concepção, será possível chamar para o centro do debate, participando do próprio planejamento e execução organizações não governamentais, organismos multilaterais e organizações privadas, entre outras, dividindo-se o protagonismo com os atores estatais135.

Essa última concepção ganha relevo e importância ao se constatar que cada vez mais há uma pluralidade de atores136, sejam públicos ou privados,

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SECCHI, Leonardo. Políticas públicas: conceitos, esquemas de análise, casos práticos. São Paulo: Cengage Learning, 2010. p. 2-3.

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SECCHI, Leonardo. Políticas públicas: conceitos, esquemas de análise, casos práticos. São Paulo: Cengage Learning, 201. p. 3.

134O termo ‘público’, associado à política, não é uma referência exclusiva ao Estado, como muitos pensam, mas, sim, à coisa pública, ou seja, de todos, pertencente ou destinado ao povo, sob a égide de uma mesma lei e o apoio de uma comunidade de interesses. De modo geral, as políticas públicas são reguladas e na maioria das vezes providas pelo Estado, mas elas também envolvem preferências, escolhas e decisões privadas, e, nesse caso, podem e devem ser controladas pelos cidadãos. Dito de outro modo, “a política pública expressa, assim, a conversão de decisões privadas em decisões e ações públicas, que afetam a todos. DIAS, Reinaldo; MATOS, Fernanda. Políticas públicas: princípios, propósitos e processos. São Paulo: Atlas, 2012. p. 14.

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SECCHI, Leonardo. Políticas públicas: conceitos, esquemas de análise, casos práticos. São Paulo: Cengage Learning, 2010. p. 3.

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DIAS, Reinaldo; MATOS, Fernanda. Políticas públicas: princípios, propósitos e processos. São Paulo: Atlas, 2012. p. 41-43.

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individuais ou coletivos, formais ou informais, que participam ativamente do processo que vai desde a formulação da política pública até a sua execução.

Caminho natural para a compreensão do papel deles no âmbito das políticas públicas é compreendê-los de acordo com os fatores que os tornam semelhantes entre si. Para tanto, na lição de Secchi137, é necessário agregá-los a partir das características que os fazem comuns ou diferentes entre si, ainda que isso não signifique que necessariamente defendam os mesmos interesses. Exemplo dessa divisão é aquela existente entre atores individuais e coletivos, em que os primeiros são pessoas que atuam intencionalmente na área política em processo inerente à implementação de políticas públicas, enquanto que os últimos também atuam intencionalmente na área política, mas visam influenciar os rumos das próprias políticas públicas. Poderão ser incluídos no primeiro grupos os magistrados, defensores públicos e formadores de opinião, enquanto que no segundo temos as associações de moradores como um bom exemplo.

Há outras formas de classificações dos atores, mas não há dúvida de que aquela que os dividem em estatais e privados é uma das mais importantes. Nesse sentido, Ricardo Wahrendorff Caldas138 é categórico ao defender que no decorrer do processo que vai da discussão e criação até a execução de uma política pública, basicamente são encontrados os dois tipos de atores acima mencionados, registrando-se que os atores estatais têm sua origem no Estado, eleitos ou pertencentes à burocracia estatal, e os privados na sociedade civil139.

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SECCHI, Leonardo. Políticas públicas: conceitos, esquemas de análise, casos práticos. 2. ed. São Paulo: Cengage Learning, 2013. p. 100.

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Os atores que efetivamente participam do processo de discussão, criação, implementação e execução de políticas públicas sãos os estatais e privados. CALDAS, Ricardo Wahrendorff.

Políticas Públicas: conceitos e práticas. Belo Horizonte: Sebrae/MG, 2008. p.8. 139

Os atores privados seriam aqueles sem vínculo direito com Administração Pública, de maneira que fazem parte desse grupo:

“• A imprensa;

• Os centros de pesquisa;

• Os grupos de pressão, os grupos de interesse e os lobbies; • As Associações da Sociedade Civil Organizada (SCO); • As entidades de representação empresarial;

• Os sindicatos patronais;

• Os sindicatos de trabalhadores;

• Outras entidades representativas da Sociedade Civil Organizada (SCO).” CALDAS, Ricardo Wahrendorff. Políticas Públicas: conceitos e práticas. Belo Horizonte: Sebrae/MG, 2008. p.9.

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Outro ponto que merecer destaque diz respeito à maneira como as políticas públicas serão materializadas. Para que isso ocorra e elas possam existir como realidade concreta e não apenas abstrata, adotam formas diversas, entre as quais, destacam-se os programas públicos, projetos, campanhas publicitárias, leis, subsídios, entre outras140. Essa variedade de forma se mostra salutar, pois contribui para que não haja um engessamento na maneira como a política pública atuará, permitindo que ela seja adaptada de acordo com os problemas a serem enfrentados, desde os menores e mais simples até os maiores e mais complexos.

Não por outro, exsurge com grande importância a necessidade de um adequado planejamento, a partir do qual se elaborará um plano, que por sua vez dará origem aos programas e aos projetos. Por óbvio, o plano é mais amplo que um projeto ou programa141, pois sendo um prognóstico142 que decorre do planejamento, a ele caberá demarcar e expressar as decisões de caráter geral, as principais linhas políticas, as estratégias e as diretrizes.

Depreende-se das afirmações supracitada que os programas e os projetos estão em plano hierárquico inferior, cumprindo o papel de concretização e detalhamento do plano. Com efeito, o programa além de concretizar o plano, também cumpre o papel de torná-lo mais operacional. Para que isso ocorra, o programa se compõe de uma série de projetos143. No que se refere ao projeto, este pode ser compreendido como a instrumentalização que dará objetividade ao programa, materializando e concretizando o processo de planejamento144.

Por fim, é relevante mencionar que as políticas públicas estão essencialmente relacionadas a ações estratégicas, por isso, mesmo que

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SECCHI, Leonardo. Políticas públicas: conceitos, esquemas de análise, casos práticos. 2. ed. São Paulo: Cengage Learning, 2013. p. 11.

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BERCOVICI, Gilberto. Planejamento e políticas públicas: por uma nova compreensão do papel do Estado. In: HORCHMAN, Gilberto; ARRETCHE, Marta; MARQUES, Eduardo (orgs.).

Políticas públicas no Brasil. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2007. p. 143-161. 142

DIAS, Reinaldo; MATOS, Fernanda. Políticas públicas: princípios, propósitos e processos. São Paulo: Atlas, 2012, p.152.

143

DIAS, Reinaldo; MATOS, Fernanda. Políticas públicas: princípios, propósitos e processos. São Paulo: Atlas, 2012, p.154.

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DIAS, Reinaldo; MATOS, Fernanda. Políticas públicas: princípios, propósitos e processos. São Paulo: Atlas, 2012, p.155.

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tenham atuações voltadas para situações no presente, projetarão seus efeitos para o futuro. É exatamente essa característica que leva à diferenciação entre políticas de Estado e políticas de governo, na qual as primeiras têm como horizonte de atuação período temporal mais longo, muitas vezes medido em décadas, enquanto as últimas estão relacionadas com a concepção programática do governante em exercício, logo, com horizonte temporal mais restrito145.

No que diz respeito ao enfrentamento ao crack, destacam-se as políticas públicas formatadas pela União (Crack, é possível vencer), Estado de São Paulo e o Município de São Paulo. Prima facie, parece que, especialmente aquelas desenvolvidas pelos governos estadual e municipal de São Paulo, seriam exemplos de políticas de governo, com horizonte de atuação limitado em poucos anos, regidos pelos programas políticos dos partidos e grupos que estão no poder. Aliás, ao se analisar de maneira mais detida, até mesmo o programa Crack, é possível vencer não se enquadraria como uma política de Estado, apresentando características de uma política de governo, tanto é verdade que as metas e o orçamento definido foram fixados para o período compreendido entre 2012-2014146.

Estabelecidos os aspectos teóricos mais importantes sobre políticas públicas, entende-se que há os elementos necessários para que avance para a análise das políticas públicas de enfrentamento ao crack desenvolvidas na cidade de São Paulo, permitindo, com isso, adentrar a questão das internações compulsórias e suas implicações no que diz respeito à autonomia privada dos dependentes químicos de crack em situação de rua.

2.1.2 Identificação dos principais atores relacionados às políticas de