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A introdução do construtivismo nas séries iniciais década de 80 até os

2.3 O CONSTRUTIVISMO E A ALFABETIZAÇÃO ENTRE A TEORIA E A AÇÃO: DESAFIOS

2.3.2 A introdução do construtivismo nas séries iniciais década de 80 até os

Bases piagetianas na pesquisa de Emília Ferreiro: concepção de construção da escrita Uma das âncoras teóricas do construtivismo nas séries iniciais tem sido a teoria da psicogênese da língua escrita elaborada por Emília Ferreiro e Ana Teberosky. Para realizar o trabalho de pesquisa, ainda na década de 70, Ferreiro (2001) fundamentou-se na Epistemologia Genética de Jean Piaget. Ela considerou a existência de um sujeito epistêmico que percorre a aprendizagem de modo singular. Seus estudos referem-se à teoria piagetiana cujas proposições afirmam que “para compreender um processo psicológico, é preciso conhecer sua gênese”.

Emília Ferreiro baseou-se no método clínico de Piaget em suas pesquisas e mostrou que, para conhecer como ocorre a construção do conhecimento, é preciso escutar a voz das crianças, estar disponível para o imprevisto, mudar o jeito de perguntar para encontrar respostas que conduzem à formulação de novas perguntas.

Ferreiro escreveu com Ana Teberosky A Psicogênese da Língua Escrita analisando entrevistas junto a sujeitos psicológicos que se fazem perguntas sobre o que é a escrita e para que serve escrever, considerou, ainda, as dimensões afetivas e intelectuais das crianças.

Ferreiro (2001, p.24) diz:

“A criança que Piaget convida-nos a interrogar não é um receptáculo, mas uma fonte de conhecimento. [...] Busquemos o sentido de suas palavras e de seus silêncios. E, principalmente, esqueçamos por um momento que nós ‘já sabemos’ as respostas; enfim, as respostas interessam menos do que o processo”.

Uma das grandes descobertas que Emília Ferreiro (2001, p.28) fez foi revelar as teorias que as crianças constroem acerca da língua escrita. Para tal, ela considerou que:

“[...] a estruturação é a fonte das operações [...]; devemos compreender como a criança lê e escreve antes de saber ler e escrever no sentido escolar do termo. [...] era preciso imaginar que a escrita não se reduz a um conjunto de associações e coordenações entre sons e letras: que a escrita poderia ser um objeto conceitual do ponto de vista da criança em desenvolvimento. Que a criança pensa sobre a escrita, antes da escola e apesar dela”.

Através de suas pesquisas, ela mostrou exemplos e estudos detalhados sobre como se forma o conceito de leitura e escrita no sistema de base fonográfico-alfabético. Ferreiro (2001, p.16-18) constatou que:

“A escrita apresenta-se como um espaço de problemas cognitivos. [...] a demonstração de que a escrita constitui-se em objeto de conhecimento no curso do desenvolvimento (e muito provavelmente muda a relação do sujeito com sua língua) é contrária à idéia comumente admitida de que a escrita é simples técnica de transcrições”.

Conflitos e equívocos vividos no processo de transposição das teorias sobre alfabetização e concepção construtivista nos meios escolares

Sabe-se das dificuldades vividas por professores e sistemas de ensino nas décadas de 80 e 90 quando da introdução das novas teorias sobre o processo de alfabetização e os conhecimentos da concepção construtivista de ensino e aprendizagem. Entretanto, é preciso que se entenda que o que foi vivido pelos educadores nesse período, e que de certa forma abalou as crenças dos professores, incentivava-os a redescobrir ou reinventar sua prática pedagógica apoiados numa compreensão parcial sobre como os alunos aprendem a ler e escrever.

Algumas escolas tornaram-se campos experimentais, pois os estudos psicológicos e psicopedagógicos foram introduzidos na escola de modo intenso, porém como arcabouços fechados. Estes eram implantados dentro dos sistemas escolares equivocadamente como se fossem métodos de ensino e estratégias pedagógicas, confundidos com a própria pedagogia e

com a didática, em vez de serem percebidos como teorias que poderiam dar luz a algumas questões fundamentais do ensino e da aprendizagem.

Um dos problemas desencadeados por esses procedimentos foi a criação de uma abordagem de ensino construtivista para a alfabetização. Houve uma superposição entre fundamentos para uma visão construtivista de ensino e os fundamentos para se compreender como se processava a construção da escrita. O que há de comum entre ambas as proposições é que se apóiam nos estudos piagetanos sobre a construção do conhecimento.

Vemos em Colello (2004, p.102) uma análise da situação vivida nos contextos escolares:

“Na tentativa de se ajustarem, algumas experiências promissoras acabaram contrariando até mesmo os princípios básicos da construção do conhecimento. Para muitos educadores, o ‘construtivismo’ acabou sendo tomado como panacéia universal, um mero ativismo pedagógico do ‘fazer-diferente-em-sala-de-aula’, sem que as inovações alterassem de fato a essência da relação ensino-aprendizagem. Outros, igualmente bem intencionados, limitaram-se a adotar práticas superficiais, tais como promover trabalhos em grupo, abandonar a cartilha, não corrigir os cadernos com caneta vermelha, abordar apenas o que é de interesse da criança, dar liberdade total ao aluno em sala de aula, ou ainda deixar a criança escrever o que quiser, como quiser e por tempo indeterminado. Enfim, não seria exagero dizer que, em nome de Piaget ou de Emília Ferreiro, muitos deslizes pedagógicos foram cometidos”.

Um exemplo do uso da teoria construtivista na dimensão da prática da sala de aula foi a abordagem relativa a como lidar com os erros. Dizia-se, por exemplo, que não se deveria mais corrigir erros na escrita dos alunos nem em outras áreas de conhecimento e tomava-se como pressuposto o conceito de erro construtivo, desenvolvido na teoria piagetiana.

Segundo Weizs (2006, p.85):

“A discussão do erro assumiu um papel importante nos últimos tempos por motivos diferentes e até opostos. Primeiro. Foi importante perceber o mal que fazíamos aos nossos alunos quando desconsiderávamos seus conhecimentos com o famoso ‘tá errado’ da caneta vermelha. A idéia de erro construtivo abriu um mundo desconhecido que fascinou a muitos de nós, educadores. Passamos a viver um certo encantamento com os erros: é de fato maravilhoso ver uma criança pequena escrevendo, dentro de um sistema silábico, poesias, parlendas ou histórias. Então nos tornamos leitoras entusiastas de textos silábicos. Quando as crianças passavam a escrever alfabeticamente era mais lindo ainda. Até aí tudo bem, mas as crianças mais velhas e alfabetizadas escreverem errado nunca alegrou ninguém.”

Os equívocos que se perceberam na apropriação do conceito de erro construtivo, por exemplo, estão relacionados aos educadores que interpretaram as teorias numa ótica em que orientavam suas práticas educativas apoiados pelo slogan de deixar que as crianças ‘aprendam do seu jeito’ e ‘no seu ritmo’ sempre. Esse foi um dos aspectos que interferiu de modo negativo nas práticas escolares, confundindo os professores. Estes deixaram de realizar intervenções de qualidade nas ações educativas, reduzindo-se a acompanhar o ritmo das

crianças na aprendizagem e passando a considerar os estágios descritos por Piaget, numa perspectiva desenvolvimentista. Ou seja, os educadores deixaram de avaliar cada situação e intervir conforme as necessidades de cada momento.

Entendemos que esses desacertos entre aproximação da teoria para a prática educativa ocorreram na medida em que os professores e os sistemas de educação se apropriaram do método clínico, usado na pesquisa de Piaget e de Ferreiro como estratégia de ensino. Essa sistemática produziu didáticas de ensino que se apresentavam como formas alternativas de lidar com o aluno no contexto de sala de aula a fim de melhorar a aprendizagem de forma significativa e duradoura e se amparavam teoricamente no que se chamava de concepção construtivista.

Porém, apesar dos equívocos, pode-se afirmar que havia uma parcela grande de boas intenções nas ações desencadeadas pelos educadores e nas instituições que iniciaram um trabalho pedagógico diferenciado. Além disso, muitos educadores compreenderam as propostas decorrentes da teoria da psicogênese da língua escrita e encaminharam trabalhos diversificados, por exemplo, deixando as cartilhas de lado e começaram a produzir materiais de apoio às aulas de acordo com a compreensão das diferentes necessidades apresentadas pelos alunos. Começaram também a lidar com o ensino da língua escrita não mais na perspectiva do ensino dos códigos, mas em função da compreensão conceitual do sistema da língua escrita.

Analisando o outro lado da situação, referindo-nos àqueles professores que estavam confortáveis com sua metodologia de trabalho (eminentemente tradicional ou mesclada com a perspectiva tecnicista) e mantinham uma visão de aluno que não aprende, fundamentados em uma visão de alfabetização enquanto o ensino de códigos lingüísticos, podemos dizer que viveram a aproximação da concepção construtivista e da psicogênese como um “momento de terror”.

Esses educadores eram solicitados a reformular suas práticas a partir das informações dos cursos que freqüentavam, como também mediante as orientações que começavam a chegar na escola pública, e atuar no “método construtivista” (eis aqui o equívoco no tratamento da concepção construtivista). Havia, no entanto, desafios a superar. Alguns docentes, de fato, não queriam mudar, outros não participavam de formação continuada adequada que pudesse subsidiá-los numa mudança qualitativa em seu trabalho.

Outros docentes não possuíam condições adequadas de trabalho que os apoiasse a realizar mudanças. Ou seja, havia nas escolas uma grande confusão de conceitos, teorias e práticas.

Vale dizer que as confusões ocorriam tanto nas escolas tradicionais que tentavam assimilar as inovações quanto nas escolas que já realizavam as mudanças e queriam ser reconhecidas como “alternativas” ou construtivistas. Algumas certezas eram largamente difundidas. Como exemplo, o que deveria prevalecer durante as aulas era o ritmo e o conhecimento do aluno.

De certa forma, o conhecimento do professor ficava em segundo plano, assim como os conhecimentos do mundo também acabaram ficando em segundo plano. Foram necessários alguns anos e muitos estudos para que se percebesse que o conhecimento psicológico não pode orientar por si um método de ensino, uma concepção de ensino e aprendizagem e o conhecimento das áreas curriculares não podem ser deixados em segundo plano no processo de escolarização.