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Um olhar em Vygotsky: o papel da mediação e a concepção de alfabetização

2.3 O CONSTRUTIVISMO E A ALFABETIZAÇÃO ENTRE A TEORIA E A AÇÃO: DESAFIOS

2.3.4 Um olhar em Vygotsky: o papel da mediação e a concepção de alfabetização

Entendemos que a mediação é um ponto importante para avançarmos na pesquisa sobre a questão das relações que se estabelecem entre professor e aluno, pois consideramos a atitude do professor uma ação mediadora. Uma mediação que não é neutra nem imparcial, que depende de escolhas claras de currículo, de estratégias, de diálogos que irão acontecer no entremeio dessa relação pautada a partir de uma certa visão de mundo, de sociedade, de educação, de ensino, de aprendizagem, de aluno, de família, de comunidade, enfim, de tudo o que está circunscrito no campo da escolarização.

O conceito de mediação pode ser discutido a partir da concepção de Vygotsky, pois destacar a questão da mediação amplia a possibilidade de compreensão sobre os processos cognitivos que estão em jogo na relação de ensino e de aprendizagem. Quando observamos na prática os educadores se referirem à mediação, geralmente o fazem numa perspectiva que invoca clichês e não as concepções teóricas de Vygotsky, repetindo, assim, o ciclo de equívocos ocorridos com as postulações piagetianas sobre a aprendizagem.

Referimo-nos ao fato de que é comum observarmos novas concepções tornarem-se clichês e os conceitos teóricos serem apropriados como metodologias. Uma das hipóteses sobre esta ocorrência é o pragmatismo com que alguns educadores lidam com os conceitos e deixam de viabilizar a reflexão sobre os novos conhecimentos que poderiam fazer a diferença no seu pensamento sobre a aprendizagem dos alunos.

Segundo nossa compreensão de Vygotsky, o sujeito não cresce a partir de processos maturacionais isolados, mas sim na interlocução como outro. O conhecimento se constitui da instância do interpessoal para o intrapessoal. Segundo FREITAS (2006, p.90-91),

“Para Vygotsky, a possibilidade de transformar o mundo material, mediante o emprego de ferramentas, estabelecia as condições para a modificação da própria atividade reflexa e sua transformação qualitativa em consciência. Este processo, porém, se completava mediado pela construção de uma classe especial de ferramentas: aquelas que permitissem realizar transformações nos outros, ou no mundo material através dos outros. Ele chamou essas ferramentas de signos e considerava que eram proporcionados essencialmente pela cultura, pelas pessoas do meio, enfim, pelos outros. Esses signos, ao interiorizarem-se, transformando-se em meios de regulação interna ou auto-regulação, iriam modificar dialeticamente a estrutura de conduta externa e, portanto, essa não seria mais mera expressão de reflexos. A concepção instrumental de Vygotsky estava, pois, indissoluvelmente ligada à idéia da gênese histórico-cultural das funções superiores, isto é, da gênese social do indivíduo.”

Diante desse recorte conceitual, podemos inferir que a concepção que temos de construção do conhecimento pode interferir nas práticas educativas. Segundo a compreensão de mediação em Vygotsky, é preciso que o espaço do ensino e da aprendizagem seja percebido de modo mais amplo, considerando uma análise contextual dos fatos escolares, conhecendo os sujeitos históricos que ali se encontram, quais os conhecimentos que trazem, quais são suas representações de realidade e, principalmente, lembrar que o espaço de aprender é um espaço que se organiza no aprender com o outro.

Em Oliveira (1995, p.62) temos o seguinte:

“A importância da atuação de outras pessoas no desenvolvimento individual é particularmente evidente em situações em que o aprendizado é um resultado claramente desejável das interações sociais. Na escola, portanto, onde o aprendizado é o próprio objetivo de um processo que pretende conduzir a um determinado tipo de desenvolvimento, a intervenção deliberada é um processo pedagógico privilegiado. [...] O referencial vygotskiano nos aponta, assim, os processos pedagógicos como processos intencionais, deliberados, dirigidos à construção de seres psicológicos que são membros de uma cultura específica, cujo perfil, portanto, está balizado por parâmetros culturalmente definidos.”

Concepção de alfabetização, mediação e aprendizagem dos alunos

Vygotsky compreendia a aprendizagem como um processo social, que ocorre na interação entre as pessoas, mediado pela linguagem, portanto a aprendizagem não é fruto de desenvolvimento das capacidades pessoais, mas expressa o tempo e espaço em que o homem está inserido em sua cultura.

Essa concepção implica num olhar específico para conceber o ensino e, em especial, o ensino da língua. Conforme Oliveira (1995, p.64), há aspectos que aproximam as pesquisas de

Ferreiro e Vygotsky no que se refere ao processo de alfabetização. Destacamos alguns que são próximos e, a seguir, apontamos o foco em Vygotsky:

“[...] a escrita não é um código de transcrição da língua oral, mas um sistema de representação da realidade e o processo de alfabetização é o domínio progressivo desse sistema, que começa muito antes de a criança se escolarizar. [...] a criança imersa na sociedade letrada está exposta às características, funções e modalidades de utilização da língua escrita, que vão lhe permitir desenvolver concepções sobre esse objeto cultural.”

O aspecto que a concepção de Vygostsky nos traz com maior ênfase e que pode ser o diferencial para se pensar o processo de alfabetização é que ele se preocupa, segundo Oliveira (1995, p.65),

“[...] com a importância da intervenção pedagógica intencional para que ocorra o processo de alfabetização, de domínio do sistema de leitura e escrita. [...] Deixada sozinha com a língua escrita, a criança não tem material suficiente para construir uma concepção que dê conta de toda a estruturação do sistema. A mediação de outros indivíduos é essencial para provocar avanços no domínio desse sistema culturalmente desenvolvido e compartilhado”.

Diante desse referencial, podemos pensar em algumas implicações pedagógicas, pois será necessário que o educador tenha respeito pelo conhecimento do outro e também responsabilidade em organizar um ambiente de aprendizagem em que as intervenções tenham um caráter planejado para favorecer a construção do processo de alfabetização. Portanto, pode-se destacar a importância do papel docente como articulador das relações com os alunos e entre estes a fim de favorecer aos alunos o avanço de sua zona de desenvolvimento real para a zona de desenvolvimento potencial no que se refere à compreensão e uso da linguagem escrita, considerando que a aprendizagem precede o desenvolvimento.

2.3.5 Considerações sobre a alfabetização e perspectivas de atuação do docente na