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2 OS ESTUDOS CONVERSACIONAIS NA LINGUÍSTICA

MOMENTO INTERATIVO

2.5. A língua oral: objeto de análise

Fazer um estudo que contemple a língua na sua modalidade oral de uso exige uma reflexão que entenda que a língua falada não é o local do erro, do caos gramatical, conforme já foi apontado anteriormente, ao se tratar das tendências entre as línguas falada e escrita. Seguem-se, no presente estudo, as ideias de Marcuschi (2007a), que critica a tendência dicotômica entre as modalidades de uso da língua, sugerindo que essa visão deva ser rejeitada.

Ao dedicarem um capítulo de seu livro ao discurso oral, Blancafort e Valls (2008, p. 15-7) comentam sobre a complexidade do sistema de comunicação humana, enunciando que a linguagem se materializa através de duas modalidades: a oralidade e a escrita. Com relação à oralidade, as autoras afirmam que sua função social básica e fundamental é permitir relações sociais. Nesse sentido, é por meio da palavra dita que as pessoas iniciam e mantêm as relações com os outros; a fala é em si mesma ação, atividade que faz os interlocutores seres sociais, capazes de desenvolver a maioria das atividades cotidianas, desde as mais simples, como ir à feira fazer comprar, até as mais complexas, como fazer declarações de amor ou solicitar emprego.

Especificamente sobre a modalidade de uso oral, as autoras apontam que essa realização é natural, consubstancial ao ser humano e constitutiva das pessoas como membros de uma espécie. A modalidade oral é produzida fisicamente pelo e com o corpo, aproveitando-se dos órgãos do sistema respiratório e de diferentes partes da cabeça: lábios, língua, fossas nasais,

além dos movimentos dos olhos, das diferentes expressões faciais e de outros movimentos corporais que fazem parte da oralidade.

As autoras lembram, muito pertinentemente, que os estudos em língua oral, apesar de apresentarem antigas raízes, como é o caso da retórica, não foram realizados de forma sistemática, atendendo a toda complexidade da fala devido ao fato de que só muito recentemente e graças aos avanços tecnológicos é que foi possível capturar a palavra e transformá-la em um objeto plausível de manipulação, descrição, análise, interpretação e com certas possibilidades de êxito (BLANCAFORT e VALLS, 2008, p. 17). O presente estudo, por exemplo, só foi possível de ser realizado graças a essa inovação tecnológica, uma vez que, para que se efetivassem as análises interpretativas, procedeu-se à filmagem das aulas de Ciências, além do trabalho com as captações de imagem, procedimento realizado com o auxílio do computador.

Além das múltiplas funções que a fala apresenta na vida diária, essa modalidade também tem um lugar muito importante na vida pública, institucional e religiosa: a política, a jurisprudência, os ofícios religiosos e o ensino formal são apenas alguns exemplos de âmbitos da vida social em que a fala está presente, sendo difícil imaginar essas situações sem a palavra dita. A oralidade também cumpre funções estéticas e lúdicas: os mitos, as lendas, os contos tradicionais, as canções, os provérbios e as piadas têm uma origem oral e somente nas culturas que utilizam o código escrito essas realizações orais foram transpostas para a escrita, apesar de ainda sobreviverem oralmente (BLANCAFORT e VALLS, 2008).

Outro importante nome relativo aos estudos do texto oral é Preti (2001; 2004), pesquisador que contribuiu para os avanços das investigações na área conversacional no Brasil. Em Preti (2001), coletânea realizada em sua homenagem, encontram-se vários estudos sobre o tema da oralidade, bem como alguns depoimentos pessoais de autores que trabalharam com o homenageado, dentre os quais, está Marcuschi. Nesse texto, Marcuschi (2001, p. 31) ratifica as importantes contribuições de Preti para a área em tela, discorrendo que foi este último autor que deu “início a um conjunto de trilhas que se abriam para a análise da língua falada”.

Ao tecer considerações sobre as pesquisas em língua oral, Preti (2004, p. 15) afirma que seu estudo “está transformando completamente as

perspectivas de análise lingüística”. Nesse sentido e, como já apontado anteriormente, a língua falada não pode ser vista como a língua escrita “cheia de erros”, mas deve ser entendida como uma modalidade de uso da língua, apresentando mecanismos próprios de funcionamento. Alguns desses mecanismos de funcionamento do texto oral na interação face a face já foram apresentados na seção anterior, a partir de Koch (2006).

Na perspectiva defendida por Preti (2004), é possível que se estudem vários fenômenos que acontecem na oralidade, dentre eles, o autor destaca: a interação conversacional; a tomada de posse da palavra, o que evidencia a relação de poder durante os atos conversacionais; a construção dos tópicos discursivos; a negociação da palavra; a manutenção ou assalto aos turnos de fala; o desenvolvimento ou o abandono de estruturas linguísticas; a utilização de repetições na fala; a correção e autocorreção dos interlocutores; as sobreposições de vozes, dentre outras atividades conversacionais.

Com o advento dos estudos do texto e do discurso, nas últimas décadas, surgiram muitos trabalhos voltados para as questões do texto oral, como as pesquisas do grupo textual-interativo, da Gramática do Português Falado e as publicações de inúmeros autores já apontados durante o desenvolver deste trabalho. Com isso, surge também um novo olhar com relação à compreensão da noção de língua, agora entendida como atividade, ação.

Essa nova concepção amplia a visão formalista dos estudos linguísticos, que entendem a língua como um sistema abstrato, analisando-a fora de qualquer contexto de utilização. Opondo-se a esse posicionamento, os estudos discursivos passam a levar em consideração fatores como quem falou, em quais condições essa fala foi produzida e para quem se dirigiu. Percebe-se que, agora, os interlocutores entram em jogo, sendo suas manifestações linguísticas e não verbais, produzidas em situações concretas e sob determinadas condições contextuais, objetos de investigação.

Estudando a natureza do texto oral, Hilgert (2001, p. 65) aponta para o fato de o planejamento do texto falado acontecer na medida em que sua formulação ocorre, ou seja, o texto falado é “essencialmente processo e não produto”. Nesse sentido, os interlocutores que constroem o texto oral não planejam o que dizer nem formulam a priori esse dizer, como se fossem etapas

que se dão de forma sucessiva, mas a construção se dá de maneira simultânea.

Esse mesmo autor ainda esclarece que:

... quando muito, tem o falante uma vaga noção do que vai dizer ao iniciar o seu turno. Em geral, ele toma a palavra e segue falando com destino incerto que só se definirá na evolução do turno, ou seja, na seqüência da formulação” (HILGERT, 1993 apud HILGERT, 2001, p. 66).

Dessa forma, as intenções comunicativas dos interlocutores se dão na e pela formulação, sendo que o planejamento da atividade comunicativa “só se completa com a construção do enunciado concluída”. Essas características do texto falado remetem ao seu status nascendi, mencionado pelo referido pesquisado, isto é, seu desenvolvimento acontece no próprio ato da produção do texto como tal.

2.6. Luiz Antônio Marcuschi e a Análise da Conversação: trajetória,