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A teoria da conversação: as máximas e as implicaturas conversacionais

1 A ANÁLISE DA CONVERSAÇÃO COMO UMA CORRENTE DA PRAGMÁTICA

1.3.3 Os pressupostos e os subentendidos

1.3.4. A teoria da conversação: as máximas e as implicaturas conversacionais

O estudo de Grice (1982), ao escrever uma teoria conversacional, consiste na ideia de que a comunicação humana não se efetiva por meio de uma sucessão de observações desconectadas. Segundo o autor, os diálogos são, pelo menos até certo ponto, esforços cooperativos, em que cada participante reconhece, de alguma forma, um propósito comum ou, no mínimo, uma direção mutuamente aceita pelos interlocutores. Dessa forma, pode-se dizer que a conversação é “governada por um princípio de cooperação, que exige que cada enunciado tenha um objeto ou uma finalidade” (FIORIN, 2006, p. 176).

Os propósitos ou direção de um diálogo podem ser inicialmente fixados ou evoluírem durante sua execução, podendo ser também claramente definido ou bastante indefinido, a ponto de dar liberdade aos participantes numa conversação. Essas características apontam para um princípio geral, denominado Princípio da Cooperação (PC), que deveria ser observado pelos interactantes, uma vez que sua não observância dificultaria a comunicação interpessoal. Tal princípio tenta explicar como as pessoas usam a língua, sendo considerada uma teoria que guia a conduta dos participantes numa conversação.

Grice (1982) postula o seguinte princípio para fundamentar seu posicionamento: os participantes devem fazer sua contribuição conversacional tal como é requerida, no momento em que ocorre, pelo propósito ou direção do intercâmbio conversacional em que estejam engajados. Caso este princípio seja aceitável, o autor diz que é possível distinguir quatro categorias nas quais cairão certas máximas e submáximas mais específicas, produzindo, em geral, resultados em acordo com o princípio geral da comunicação, a cooperação.

O referido autor formula as categorias da Quantidade, da Qualidade, da Relação e do Modo, constituindo as máximas conversacionais. A primeira categoria, a da Quantidade, está relacionada com a quantidade de informação a ser fornecida e a ela correspondem as seguintes máximas: 1) faça com que sua contribuição seja tão informativa quanto requerido (para os propósitos da conversação); 2) não faça sua contribuição mais informativa do que o requerido.

A categoria da Qualidade está relacionada com o fato de que o interlocutor deve fazer uma contribuição que seja verdadeira e a ela correspondem duas máximas mais específicas: 1) não diga o que você acredite ser falso; 2) não diga senão aquilo para que você possa fornecer evidência adequada.

Para a terceira categoria, a da Relação, Grice (1982) postula uma única máxima, a saber: 1) seja relevante. A última categoria, a do Modo, está relacionada àquela que diz que o que é dito deve ser dito, apresentando a seguinte máxima: seja claro. O autor ainda acrescenta outras máximas para essa categoria: 1) evite obscuridade de expressão; 2) evite ambiguidades; 3) seja breve (evite prolixidade desnecessária); 4) seja ordenado.

Essas quatro máximas subsumem o princípio geral da comunicação humana, na visão griceana, segundo o qual as pessoas que estão engajadas numa interação verbal devem cooperar para que a interlocução possa transcorrer adequadamente. Esse postulado teórico especifica o que os interlocutores precisam fazer para estabelecer uma conversa de forma “maximamente eficiente, racional, cooperativa: eles devem falar com sinceridade, de modo relevante e claro e, ao mesmo tempo, fornecer informação suficiente” (LEVINSON, 2006, p. 127).

Mas, numa interação face a face, nem sempre os interlocutores que participam “do jogo” – metáfora usada por Koch (2006) – fazem uso harmonioso da troca verbal, havendo incompatibilidades, litígios, discordâncias e oposições. Os participantes de uma conversação podem infringir uma das máximas, cabendo ao interlocutor “fazer um cálculo para descobrir o motivo da desobediência” (KOCH, 2006, p. 27). Calcular essa infração equivale a “procurar o que deve ser suposto para se poder ao mesmo tempo supor que o PC é de fato respeitado” (TAVARES, 2007, p. 17).

Grice (1982) ainda explica que os participantes de uma conversa podem deixar de cumprir uma das máximas de diversas maneiras, elencando as seguintes situações: a) eles podem violar uma máxima, sujeitando-se a provocar mal-entendido; b) eles podem dizer que não querem cooperar da forma exigida pelas máximas; c) eles podem estar enfrentando um conflito, sendo incapazes de cumprir a máxima da Quantidade (seja tão informativo

quanto exigido); d) eles ainda podem abandonar uma máxima, deixando de cumpri-la.

Essas infrações às máximas conversacionais dão lugar às Implicaturas Conversacionais, inferências que podem surgir numa conversação, já que, muitas vezes, os atos de fala não são realizados de forma explícita, mas implícita. O autor formula a noção de implicatura pelo fato de alguns enunciados poderem comunicar muito mais do que os elementos que fazem parte da sua composição.

Para explicar o tema, o autor faz distinção entre dois tipos de implicaturas: as convencionais, que são desencadeadas por expressões linguísticas; e as conversacionais, que são desencadeadas por princípios ligados à comunicação. Os significados gerados pelas primeiras têm relação com o sistema linguístico; já as implicaturas conversacionais estão mais ligadas ao contexto extralinguístico.

Em exemplos retirados de Fiorin (2006, p. 176), pode-se observar o funcionamento das implicaturas: 1) Ele é aluno de Letras, mas sabe escrever bem e 2) A defesa da tese de Mário correu bem, não o reprovaram. Em 1, encontra-se uma implicatura desencadeada pelo uso da conjunção mas, conectando as duas orações: os alunos de Letras não sabem escrever, representando uma implicatura convencional. Já em 2, há uma implicatura desencadeada pelos conhecimentos prévios do interlocutor, não advindo da significação de nenhuma palavra específica do enunciado: a tese não é boa, representando uma implicatura conversacional, uma vez que é sabido pelos que fazem parte da área acadêmica que dificilmente uma tese é reprovada e, se esse falante proferiu tal enunciado, ele está querendo dizer, implicitamente, que a tese não presta.

Convém salientar também que Grice sofreu críticas em se tratando da sua teoria sobre os postulados conversacionais. Nesse sentido, considerem-se as contribuições de Koch (2006), Wilson (2008) e Fiorin (2006). Segundo Koch (2006, p. 28), as pesquisas que Grice realizou ainda hoje repercutem e influenciam os estudos sobre a comunicação humana, porém a autora aponta que a teoria griceana “não dá conta de toda a ‘malícia’ e manipulação tão presentes na interação verbal humana”. O fato de os falantes constantemente estarem atuando de forma a “jogar”, “blefar”, simular, ironizar, fazer alusões e

criar subentendidos revela que esses fenômenos nem sempre podem ser explicados, baseando-se apenas nas máximas conversacionais.

Uma segunda crítica tem relação com o Princípio da Cooperação e diz respeito ao fato de essa teoria “oferecer uma interpretação idealizada das interações sociais” (WILSON, 2008, p. 92), não permitindo uma leitura que preveja relações conflituosas e desarmônicas, servindo apenas para uma interpretação de atos de fala do tipo declarativo.

Fiorin (2006) também apresenta outras críticas que recaem sobre os estudos griceanos, embora não compartilhe de mesma opinião. Uma das críticas, apontadas pelo autor, é que Grice teria uma visão idealista da comunicação humana, isso porque a troca verbal seria, na concepção griceana, um evento harmonioso, em que não ocorrem discordâncias nem desentendimentos. A outra diz respeito ao fato de que Grice pretende lançar normas, ditando regras para a comunicação.

Embora apresente essas críticas, Fiorin (2006, p. 178) defende os estudos de Grice, afirmando que elas não procedem e que “as máximas conversacionais não são um corpo de princípios a ser seguido na comunicação, mas uma teoria de interpretação dos enunciados”. Para que um conflito ocorra e, segundo Fiorin, Grice não ignora esse fato, a comunicação precisa operar sobre uma base cooperativa na “interpretação dos enunciados, sem o que o conflito não se pode dar”, isto é, os participantes de uma conversação precisam interpretar adequadamente o seu interlocutor para que possam discordar dele. Além dessas questões, o referido autor também esclarece que “a existência das máximas implica sua violação” (FIORIN, 2006, p. 178), ou seja, é possível que haja a violação de uma máxima para que não seja infringida outra, cuja importância é mais significativa.

Faz-se necessário esclarecer ainda que tanto Koch (2006) quanto Wilson (2008) não descartam as contribuições dos estudos realizados por Grice na área conversacional. Nesse tocante, Wilson (2008, p. 92) tece importantes considerações sobre a participação ativa do usuário da língua durante o processo conversacional, considerado como “participante ativo da interação, capaz, inclusive, de modificá-la e conduzi-la de acordo com seus propósitos e/ou com a interpretação dos significados que vai construindo ao longo das interações”. Esse posicionamento revela que o aspecto criativo da

linguagem está nas mãos dos sujeitos usuários, importante contribuição advinda das pesquisas de Grice.

As discussões até agora apresentadas se detiveram nas contribuições advindas da área pragmática. Esse ramo foi contemplado nesta pesquisa pelo fato de a corrente investigativa da Análise da Conversação estar inserida numa perspectiva de uso da língua em situações reais, característica que revela o olhar pragmático para os fenômenos da língua (TAVARES, 2007; KERBRAT- ORECCHIONI, 2005; WILSON, 2008; OLIVEIRA e SANTOS, 2009). Nesse sentido, traçaram-se tentativas de definições da área, apontando a origem do campo em tela, bem como alguns dos seus principais pesquisadores.

Justificativas para o estudo em Pragmática também foram apresentadas, apoiando o surgimento do presente estudo, uma vez que uma das inquietações pragmáticas é estudar a relação entre os usos da língua e seus usuários, que se relacionam num dado contexto situacional, não devendo ser tomado como uma noção fechada em si mesma, pois as situações interacionais face a face de sala de aula se apresentam dinâmicas, efetivando-se não somente por intermédio das produções linguísticas dos interlocutores, mas também pelo uso dos elementos não verbais, ambos constituindo a unidade linguístico-não verbal.

Questões relativas aos atos de fala, à noção interacionista dos atos de linguagem, aos pressupostos e aos subentendidos, à teoria da conversação, às máximas e às implicaturas conversacionais, subsidiaram esta pesquisa, oferecendo orientações no sentido de entender a chamada prática linguística, ou seja, os usos efetivos que os usuários fazem da língua, em situações de fala concretas. Nessa perspectiva, aparece uma das principais noções que sustenta o presente trabalho, qual seja: o ponto de vista interacionista de que falar é interagir (KERBRAT-ORECCHIONI, 2005).

Embora as máximas conversacionais, nomeadas como Quantidade, Qualidade, Relação e Modo (GRICE, 1982), constituam objeto de referência quanto às questões contextuais, opta-se neste trabalho pelo seu emprego como elementos constitutivos da apreensão dos sentidos, uma vez que em determinados momentos, os atores sociais (professora e alunos) agem de acordo com as citadas máximas; no entanto, em outras vezes, não obedecem

aos seus princípios, até porque nas interações sociais muitas dessas ações são imprevisíveis.

Como foi visto neste primeiro capítulo, a corrente investigativa da Análise da Conversação se relaciona com as questões propostas pela Pragmática, servindo como uma das principais bases teóricas da presente pesquisa. Nesse sentido, apresenta-se, no próximo capítulo, um aprofundamento da área conversacional, objetivando discutir sua evolução teórico-metodológica, seus principais tópicos, desde suas origens até estudos mais atuais, bem como modelos de pesquisa em Análise da conversação. Além disso, o segundo capítulo destaca um dos principais nomes em pesquisas conversacionais, Luiz Antonio Marcuschi, estudioso que inaugura a área no Brasil, com o já consagrado livro Análise da Conversação.