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Revisitando os primeiros estudos conversacionais: Sacks, Schegloff e Jefferson

2 OS ESTUDOS CONVERSACIONAIS NA LINGUÍSTICA

2.1 Revisitando os primeiros estudos conversacionais: Sacks, Schegloff e Jefferson

Uma das primeiras contribuições teóricas relativas à conversação foi dada por Harvey Sacks, Emanuel Schegloff e Gail Jefferson (2003 [1974]), pesquisadores que estudaram as trocas de turnos, estabelecendo uma sistemática elementar para a organização da tomada de turnos. Eles iniciam suas discussões indicando a construção de um modelo para a organização da tomada de turnos na conversa, enfatizando que os resultados de seus estudos evidenciaram a existência de um gerenciamento local na conversação, “administrado pelas partes, controlado interacionalmente e sensível a ajuste ao interlocutor” (SACKS, SCHEGLOFF e JEFFERSON, 2003 [1974], p. 11). É um estudo realizado com base em gravações em áudio de conversas espontâneas. Segundo os autores, já houve outros pesquisadores que se debruçaram sobre a organização da tomada de turno, para quem esse tipo organizacional de tomada de turno opera na conversa, apresentando várias características e detalhes. Citam o autor Goffman, que ilustra, como exemplos de encontros organizados socialmente e que envolvem entrelaces de atos de algum tipo, o jogo de cartas, casais em um baile, equipes de cirurgia em procedimento. Goffman quer sugerir com tais exemplos que a fala ocorre dentro de encontros sociais.

Esse autor afirma ainda que, o que são organizados, dentro desses encontros, não são jogadas, passos ou procedimentos, mas turnos de fala. Nesse sentido, “o estado de falar deve ser sempre remetido ao estado de conversa que é sustentado através do turno de fala em particular e que esse estado de conversa envolve um círculo de outros indivíduos” (GOFFMAN [1964], 2002, p. 18).

Goffman (2002, p.19) caracteriza um estado de conversa como um encontro social, em que “a fala é socialmente organizada, não apenas em termos de quem fala para quem em que língua, mas também como um pequeno sistema de ações face a face que são mutuamente ratificadas”. Dessa forma, os participantes ou coparticipantes ratificados de um estado de conversa

devem oferecer pistas ao interlocutor a fim de ratificar sua presença no encontro conversacional. Tais pistas servem, por exemplo, para requisitar a palavra ou passá-la, informar ao interlocutor que está falando sobre a estabilidade de foco de atenção, concordar ou discordar com o que está sendo dito, dentre inúmeras outras colaborações dos participantes.

Segundo os autores, existe um modelo que orienta a conversação, baseado em fatos gerais que a regem. Esse esquema conversacional é proposto e, de acordo com esse modelo, é possível encontrar as seguintes características em qualquer conversa:

1) a troca de falantes se repete, ou pelo menos ocorre; 2) na grande maioria dos casos, fala um de cada vez;

3) ocorrências de mais de um falante por vez são comuns, mas breves; 4) transições (de um turno para o próximo) sem intervalos e sem sobreposições são comuns. Junto com as transições caracterizadas por breves intervalos ou ligeiras sobreposições, elas perfazem a maioria das transições;

5) a ordem dos turnos não é fixa, mas variável; 6) o tamanho dos turnos não é fixo, mas variável;

7) a extensão da conversa não é previamente especificada; 8) o que cada um diz não é previamente especificado;

9) a distribuição relativa dos turnos não é previamente especificada; 10) o número de participantes pode variar;

11) a fala pode ser contínua ou descontínua;

12) técnicas de alocação de turnos são obviamente usadas. Um falante corrente pode selecionar um falante seguinte (como quando ele dirige uma pergunta à outra parte) ou as partes podem se auto-selecionar para começarem a falar;

13) várias unidades de construção de turnos são empregadas; por exemplo, os turnos podem ser projetadamente a extensão de uma palavra ou podem ter a extensão de uma sentença;

14) mecanismos de reparo existem para lidar com erros e violações da tomada de turnos; por exemplo, se duas partes encontram-se falando ao mesmo tempo, uma delas irá parar prematuramente, reparando, assim, o problema (SACKS, SCHEGLOFF e JEFFERSON, 2003 [1974], p. 14-5).

Como é possível perceber, muitos são os fatores imprecisos dentro de uma conversação e, em cada caso, os participantes necessitam não somente negociar a manutenção ou a mudança de tema, de tom, de turno, de finalidade da conversa, mas também interpretar as intenções do parceiro, bem como manifestar suas próprias intenções.

Tendo como regra geral básica falar um de cada vez, a conversação apresenta como característica o sistema de troca de turno, sendo esse sistema organizado o que vai garantir a fala de uma pessoa de cada vez, havendo,

dessa forma, alternância de papéis de falante e ouvinte. Mesmo sendo um princípio básico e assegurador de que não haverá uma conversação caótica, muitas vezes essa regra é violada, ainda que momentaneamente.

Silva (2005), ao se referir à regra geral básica da conversação, menciona o fato de que em certas culturas a vez de falar não é respeitada, sendo possível interlocutores falarem ao mesmo tempo, não representando falta de educação, o que evidencia o nível de interação entre os interactantes. O autor também esclarece que, em alguns universos culturais, o falar ao mesmo tempo transgride as normas de boa conduta social.

É importante acrescentar que os autores Sacks, Schegloff e Jefferson (2003 [1974]) apontam para o fato de que esse modelo oferece uma base sistemática elementar para a troca de falantes, sendo regido por regras, que sustentam o que eles chamam de lugar relevante para a transição (LRT)19. A sistemática específica da troca de turno, de acordo com os autores, representa a principal característica da conversação.

A troca conversacional é coordenada, permitindo a existência desses lugares de transição entre os interlocutores e obedece a algumas técnicas de distribuição de turnos, que se dividem em dois grupos: a) aquelas cujo próximo turno é designado pelo falante atual corrente, selecionando um próximo falante; e b) aquelas cujo próximo turno é determinado por auto-seleção.

É importante destacar que o corpus desta pesquisa, por se tratar de um encontro face a face no ambiente de sala de aula, em que a dinâmica conversacional rompe e se distancia, em alguma medida, do esquema de Sacks, Schegloff e Jefferson (2003 [1974]), apresenta características específicas do fazer pedagógico – uma professora interage com vários alunos. Essa especificidade do contexto escolar pode fugir da técnica A mencionada, uma vez que a professora não tem apenas um interlocutor, mas vários estudantes que são seus ouvintes privilegiados, ocasionando o não direcionamento do turno, ou seja, a professora explica seus questionamentos sem direcionar o próximo falante, como é possível perceber no momento interativo 2 a seguir, em que L1 explica sobre a classificação dos seres vivos:

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